segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

O passaporte dos tiranos

As diferenças gritantes entre países como Brasil, Estados Unidos e Japão para os esforços de vacinação não são apenas angustiantes, são vergonhosas 

Ana Paula Henkel

Talvez um dos assuntos do Brasil mais difíceis de explicar aqui nos Estados Unidos seja o nosso Supremo Tribunal Federal. Como explicar para um norte-americano, que tem seus Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário muito bem definidos, que nosso mais alto tribunal rasga a Constituição dia sim e outro também? Obviamente, nem tudo é perfeito na terra do Tio Sam, mas aberrações como ativismo judicial e inconstitucionalidades por parte de magistrados são exceções — não a regra. Diria que é uma tarefa olímpica explicar que nossa Corte Suprema “debate” casos envolvendo a suspensão ou não de sacos plásticos em supermercados e, em canetadas solo, abre processos ilegais, decreta prisões inconstitucionais e estabelece políticas públicas. Tudo sem muito questionamento. 

Montagem: revista Oeste

Claro que não posso deixar de explicar que a arrecadação de impostos no Brasil não arca apenas com incompetência e arrogância de homens e mulheres incapazes de se atrelarem apenas às suas obrigações institucionais e constitucionais. Paga também viagens extravagantes, lagostas e vinhos especiais para a Corte mais política do Brasil. 

Já são mais de dez anos morando nos Estados Unidos e são mais de dez anos tentando explicar o inexplicável. O que dizer para amigos e familiares que pedem para atualizá-los sobre nossas notícias e eventos políticos com perguntas como: “Como assim, Ana? Um juiz da Corte Suprema do Brasil prendeu um parlamentar porque ele falou mal da Corte na internet?”. Yep. Ou: “Ana, creio que você tenha traduzido errado. Um juiz da Suprema Corte deu ordem de prisão para duas pessoas que falavam mal dele num bar?”. Yeep. Ah! Agora tem essa também: “Ana, é verdade que um juiz da Suprema Corte do Brasil deteve um cidadão americano em um aeroporto no Brasil e o interrogou por quatro horas sem ele ter cometido nenhum crime nem saber do que se tratava?”. 

E, por mais que eu encontre as palavras certas para traduzir o que se passa com nossos iluministros, são tantas situações bizarras que muitas vezes os ianques acham que exagero na fantasia. Essa semana não foi diferente. Ao ser questionada sobre “qual a última da sua Suprema Corte” — sim, o STF virou uma série que é acompanhada por amigos e familiares como uma série distópica de suspense e comédia —, respondi: “Um ministro da Corte que defendeu um terrorista italiano que matou várias pessoas e disse que o criminoso era inocente, que acredita num charlatão que dizia que curava doenças apenas com o toque de suas mãos, mas que, na verdade, estuprou várias mulheres, então… Esse ministro decretou que qualquer pessoa que queira entrar no Brasil deve apresentar um comprovante da vacina contra covid”. 

“Normal”, eu ouvi. “Isso não foi decidido pelo Congresso e ele está fazendo a legislação ser cumprida?”. Nope. Também relatei sobre as dezenas de mensagens que recebi através das minhas redes sociais de brasileiros que estavam presos nos Estados Unidos e na Europa sem conseguir embarcar de volta para seu próprio país, porque um ministro resolveu bancar o imperador do país. A desculpa para a medida draconiana? A nova variante Ômicron, que, em vez de centenas de vítimas, apenas jogou na UTI a continuação do projeto de controle social de tiranetes espalhados pelo mundo. 

Faltou combinar com o vírus

Segundo os autoritários, a Ômicron está aí, e, com ela, a morte e a destruição — a menos que prendamos as pessoas em campos de segregados não vacinados, ou que forcemos uma vacina experimental em crianças e adolescentes que passam pelo vírus sem grandes problemas, ou que cancelemos o Natal, ou que nos escondamos em nossas casas, ou que usemos máscara até para correr no parque. Quaisquer ações e canetadas, por mais estranhas que sejam, são vistas como justificáveis para se proteger dessa nova e assustadora variante.

E, assim, com mais e mais “dados” embasados na ciência de João de Deus, um número perturbadoramente grande de repórteres e comentaristas na imprensa dedica sua cobertura aos caminhos do vírus chinês e permanecem cada vez mais distantes da realidade. Bastam dez minutos na frente da TV ou uma passada rápida nas redes sociais para termos certeza absoluta de que a Ômicron foi a cepa mais mortal do vírus até o momento, destinada a dominar hospitais e deixar um rastro de morte. 

Faltou combinar com a realidade. Para milhões de pessoas com o mínimo de discernimento, principalmente aquelas da comunidade médica que não se ajoelharam às big pharmas, a cepa mostra exatamente o oposto: a Ômicron parece ser a variante menos perigosa do vírus até aqui. Depois de cinco semanas de disseminação na África do Sul, onde apareceu pela primeira vez, as notícias são encorajadoras: sintomas leves a inexistentes e taxas de hospitalização nove vezes menores do que os surtos anteriores, embora apenas cerca de um quarto da população esteja vacinada. 

Diante da expressão favorita dos tiranetes — o passaporte sanitário —, muitos começam a questionar por que a imunidade natural de quem passou pela doença não é colocada na equação. Barroso apenas disse que os “especialistas” consultados por ele (talvez outros Joãos de Deus) afirmaram que a imunidade natural no momento não vem ao caso. Claro que não. O jogo da manutenção do poder e do controle social voltou ao tabuleiro com a nova cepa, que trouxe novamente o impulso desesperado de vacinar até quem não precisa. 

Não custa deixar claro: a questão não é ser contra ou a favor da vacina experimental, a questão é defender a autonomia médica e a decisão individual de querer ou não tomar a picada. Claro que é muito mais fácil para os Barrosos pelo mundo apontar o dedo para os “negacionistas-terraplanistas-nazistas-taxistas” da ultra-extrema-megadireita pela resistência à vacina experimental do que fazer um momento de introspecção ou de oferecer um debate honesto. 

Na onda de baboseiras como “tudo isso é culpa dos não vacinados ou das fake news” está, obviamente, Joe Biden. O presidente norte-americano com o “maior número de votos na história” — e também com históricos índices de rejeição em apenas dez meses na Casa Branca — joga para a torcida a mesma retórica: “Os não vacinados são responsáveis ​​por suas próprias escolhas, mas essas escolhas foram alimentadas por desinformações perigosas na TV a cabo e nas redes sociais. 

E aqui entra a malandragem de tipos como Barroso, Biden e companhia. O que eles querem dizer por “desinformação” se refere a qualquer coisa com que eles — ou seus amigos políticos — não concordem. O que eles querem dizer por “rede social”? Tudo aquilo que se refere a postagens de reações contrárias às vacinas, ao tratamento precoce, à imunidade natural e ao que escapa do olhar atento de seus paus-mandados nas “agências de checagem” da extrema esquerda, incrustadas nas redações militantes da velha e mofada imprensa. 

Hipocrisia é isso aí

Obviamente que, se quisermos falar de hipocrisia dentro dessa pandemia, além do espetacular vídeo do ministro Barroso cantando um samba de rostinho colado com um jornalista da TV Globo, sem máscara e sem pudor, não podemos deixar de citar Anthony Fauci. Aquele que se encontra no leme da pandemia nos Estados Unidos, mesmo depois de escândalos envolvendo seu nome. Primeiro, Fauci disse que não havia “nenhuma razão” para andar por aí com uma máscara. Depois, afirmou que o conselho, na verdade, era para racionar equipamentos de proteção pessoal para enfermeiros e médicos. Em outra ocasião, admitiu que havia aumentado arbitrariamente os limites necessários de imunidade de rebanho para sairmos da pandemia não por causa de evidências científicas, mas porque sabia que poderia escapar impune: “Quando as pesquisas mostraram que apenas metade de todos os americanos tomaria a vacina, eu disse que a imunidade coletiva ideal para derrotarmos o vírus seria de 70% a 75%”, disse ao New York Times. “Então, quando as pesquisas mais recentes disseram que 60% ou mais aceitariam, eu pensei, ‘posso aumentar um pouco isso’, então fui para 80%, 85%” 

Fauci, Biden Barroso… Não é difícil diagnosticar os mais cínicos dessa era já histórica

Fauci também negou veementemente que os dólares do contribuinte dos EUA estavam financiando pesquisas em Wuhan, na China, para admitir apenas em maio deste ano que “não havia como garantir” como esse dinheiro estava sendo usado. Um dos homens mais insolentes dessa pandemia também chegou a dizer que o uso de máscaras para vacinados é puro teatro político. 

Fauci, Biden Barroso… Não é difícil diagnosticar os mais cínicos dessa era já histórica que ainda empurram cidadãos para continuarem cobrindo seus rostos, vacinados, não vacinados, com imunidade natural… não interessa. Cubra a boca e não solte nenhuma palavra. Isso não apenas cultiva a desconfiança nos especialistas da saúde, mas também tira a vontade das pessoas de receber a vacina que vem sendo empurrada de forma tirânica. Afinal, qual o propósito de se vacinar se mesmo pessoas e jovens saudáveis ​​não podem tirar a máscara e conviver normalmente umas com as outras? 

Na contramão

E, embora muitos países, inclusive algumas das notáveis superpotências do mundo, tenham ido ao extremo para ordenar que os seus cidadãos tomem injeções experimentais, o Japão decidiu ir na contramão da loucura e adotou uma abordagem totalmente independente. Em vez de forçar a população por meio de passaportes de vacinas, como muitos países ocidentais, o governo permitiu que tal decisão continuasse sendo uma escolha individual. Em sua orientação sobre as vacinas para a covid, o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão deixa claro que, embora o governo incentive os cidadãos a tomar as vacinas, a opção de fazê-lo não é obrigatória: “A vacinação só será dada com o consentimento da pessoa a ser vacinada após as informações prestadas”, lê-se no guia distribuído para a população. “Por favor, vacine-se por sua própria decisão, entendendo a eficácia na prevenção de doenças infecciosas e o risco de efeitos colaterais. Nenhuma vacinação será dada sem consentimento.” 

O ministério, além disso, pede que indivíduos e empresas não “obriguem ninguém em seu local de trabalho ou aqueles ao seu redor a serem vacinados”, ao mesmo tempo que encoraja aqueles que receberam a vacina a não “discriminar aqueles que não foram vacinados”. Também está incluído na orientação um link para uma página de aconselhamento de direitos humanos que fornece instruções sobre como lidar com casos de discriminação no local de trabalho. 

O que permanece ainda mais surpreendente sobre a abordagem do Japão para os esforços de vacinação contra a covid, no entanto, tem sido sua transparência em relação aos potenciais efeitos colaterais das vacinas. No início deste mês, o Ministério da Saúde do país ordenou que “a inflamação do músculo cardíaco e do revestimento externo do coração em homens mais jovens” (miocardite e pericardite) fosse listada “como possíveis efeitos colaterais graves das vacinas Moderna e Pfizer”. Os hospitais também são obrigados a “relatar em detalhes incidentes envolvendo pessoas que desenvolveram os sintomas dentro de 28 dias após serem vacinadas”. 

Essa abertura e esse respeito pela ética médica são uma lufada de ar fresco quando comparados com os esforços autoritários empreendidos pelo presidente dos EUA, Joe Biden, cuja administração orquestrou um dos maiores ataques às liberdades individuais na era moderna. Ações que têm sido copiadas por personagens toscos no Brasil. 

As diferenças gritantes nas respectivas abordagens entre países como Brasil, Estados Unidos e Japão para os esforços de vacinação não são apenas angustiantes, mas vergonhosas. Por décadas, os Estados Unidos permaneceram um farol de liberdade para milhões de pessoas privadas de direitos que vivem em buracos totalitários do inferno em todo o mundo. Os decretos draconianos de Barroso e Biden mancham a imagem de liberdade no Ocidente, pois as ações só demonstraram até agora a arrogância de uma classe política que declarou guerra aos direitos naturais dos cidadãos. Essas ações não são representativas dos ideais da América ou do Iluminismo, período que Barroso faz questão de mencionar em seus discursos vazios e falaciosos. Para esses homens sem escrúpulos, suas posições parecem sedutoras agora. Os livros, no entanto, mostrarão que essas ações são de regimes que colocaram poder e controle absolutos sobre a liberdade individual ao longo da história.

Título e Texto: Ana Paula Henkel, revista Oeste, nº 92, 24-12-2021

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