O que une o sonhador indeciso e o jogador egoísta
Caio Coppolla
“O povo assistiu àquilo
bestializado…”, a citação passou à história como retrato da Proclamação da República,
um movimento alheio aos anseios populares e à participação das massas. Num país
dado a conchavos de furna e acertos de gabinete, a frase permanece atualíssima
e agora descreve com primor a reação do já minguado eleitorado da terceira via:
“…atônito, surpreso, sem conhecer o que significava”.
Palavras que desmoronam
Verba volant, o
brocardo latino nos ensina que as palavras voam. Mas os romanos não conheciam
nossos artefatos tecnológicos de registro de som e imagem. Como tijolos, nossas
palavras capturadas têm peso, e, uma vez empilhadas da maneira certa, podem até
construir algo belo. Às palavras e aos tijolos, então:
“Desistir da minha
candidatura seria desistir de mudar o Brasil, o que é o meu sonho. Não existe
qualquer possibilidade de isso vir a acontecer” — tocante, mas o autor
dessa fala acordou do seu sonho; ou será que sonhava acordado? Pouco importa,
dias depois, publicou por escrito (scripta manent):
“Abro mão, nesse momento, da pré-candidatura presidencial e serei um soldado da democracia para recuperar o sonho de um Brasil melhor” — parece que o indeciso sonhador desistiu de sonhar grande e suas palavras, como pesados tijolos mal-arranjados, desmoronaram sobre ele. E por falar em desistência…
O então ministro da Justiça, Sergio Moro, recebeu a Ordem do Ipiranga de João Doria em 2019 | Foto: Divulgação/Governo do Estado de São Paulo |
Desistir de desistir
O anedotário do futebol não é estranho à licença poética e já estamos familiarizados com a ginga do boleiro que “fez que foi, não foi e acabou fondo” — mas quem disse que político não sabe driblar?
A “finta do fondo” foi
o drible escolhido por um certo artilheiro que, sabendo que
seria substituído por mau desempenho em campo, enganou até a comissão
técnica do próprio time ao cavar uma falta na área e colocar a única
bola da partida debaixo do braço:
O dia foi de vitória para o
artilheiro sem gols que desistiu de desistir
— A gente só continua se eu
bater o pênalti, se não desisto do jogo e sumo com a redonda!
O treinador, que já tinha
escalado outro jogador para a cobrança, tentou desconversar:
— Devolve a bola, querido!
Todo mundo sabe que você é o batedor oficial…
Mas até artilheiro que não
marca gol é esperto, e o atacante cobrou seu técnico:
— Então, só pra garantir,
avisa aí pra toda essa várzea, em alto e bom som, que eu, só eu!, vou bater
esse pênalti…
E, assim, a cobrança foi
anunciada pelo alto-falante. Só que a torcida estava distraída — de olho no
outro jogador no aquecimento — e pouca gente comemorou… Acontece, mas o dia foi
de vitória para o artilheiro sem gols que desistiu de desistir: ganhou aquele abraço do
técnico na lateral do campo e recebeu dos companheiros de equipe vários
tapinhas nas costas quando entrou no gramado segurando a bola do jogo.
Os protagonistas do sonho e
do jogo
Há um denominador comum entre
o sonhador indeciso de palavras que não se escrevem (nem se cumprem) e o
jogador egoísta que sequestra a partida para si e nunca joga pelo time: eles
esquecem que os verdadeiros protagonistas do seu sonho e do
seu jogo estavam lá, assistindo a tudo isso, bestializados.
Aos eleitores desencantados, nossa solidariedade na torcida de que eles não
percam a esperança no Brasil. Este país é muito maior do que as fantasias de
uns e os estratagemas de outros.
Título e Texto: Caio Coppolla,
revista
Oeste, nº 106, 1-4-2022
FOTO LEGENDADA;
ResponderExcluirDÓRIA:
- MORO, SEGURA NA MINHA MÃO COMO 'HOME...', PARECE UMA BICHA MAL NUTRIDA...
MORO:
- DÓRIA, SEU PANACA. PASSA LOGO ESSA MERDA DE ORDEM. PRECISO IR AO BANHEIRO URGENTE OU ACABAREI CAGANDO NAS CALÇAS...
Carina Bratt
de Sertãozinho, interior de São Paulo.