O partido de Joe Biden procura tentar
conter o gigantesco dano causado em tão pouco tempo de mandato. E, para isso,
nada melhor do que chamar Barack Obama
Montagem: revista Oeste |
Ana Paula Henkel
Não há nada de mirabolante na
previsão de que a administração de Joe Biden seria uma catástrofe. Todos,
absolutamente todos os sinais de que seu governo seria um desastre estavam
escancarados, claros como a luz do dia. E todos esses sinais estão documentados
aqui em Oeste numa série de artigos desde 2020.
Em um desses artigos, observo
como o antigo Partido Democrata de John Kennedy não existe mais e que o que
vemos hoje é um partido com políticas tão democratas quanto as políticas do
Psol no Brasil. Muitos leitores entram em contato e me perguntam gentilmente o
que, de fato, aquele insight, aquele sinal fez a minha “previsão”
ser tão acurada. Vejam, eu adoraria levar o crédito de que algumas “previsões”
foram parte de uma análise mirabolante. Mas, como eu disse, não há nada de
mirabolante nisso. A única coisa que fiz foi ouvir. Nada de “leitura nas
entrelinhas” ou “análises profundas”, não, nada disso. Foi tudo preto no
branco. Cada palavra do que está acontecendo foi dita sem rodeios e sem firulas
nas primárias democratas, depois nos debates presidenciais com Donald Trump. O
problema é que chegou a conta de tanta sinceridade, combinada com uma eleição
estranha. E ela chegou como um iceberg gigantesco na frente de um navio sem
comandante.
Com Donald Trump, o malvadão
do século, fora de cena, Biden agora emplaca um discurso de disco arranhando de
que a culpa de todos os problemas na América é de Vladimir Putin. Com o perdão
do trocadilho, só faltou combinar com os russos. Em janeiro de 2021, Donald
Trump entregou um país, ainda dentro de uma pandemia, já com claros e sólidos
sinais de recuperação econômica e com a imagem forte que sempre foi a marca
registrada dos norte-americanos na política internacional. A instabilidade trazida
pela administração Biden em poucos meses se solidificou de maneira
surpreendente: inflação sem controle, desemprego em alta, crise histórica na
fronteira sul com a maior imigração ilegal das últimas décadas, reversão
de políticas de independência enérgica da Era Trump, os maiores índices de
criminalidade nas grandes cidades norte-americanas dos últimos 12 anos e,
claro, o ápice da ineficácia e despreparo do democrata na Casa Branca: a
retirada desastrosa e caótica das tropas norte-americanas do Afeganistão,
causando a morte de 13 soldados norte-americanos. Isso, até hoje, está entalado
na garganta da nação.
“Joe Biden não está ajudando”
E o que era óbvio para aqueles que votam em políticas e não personagens, para aqueles que assistem a debates e entrevistas com o cérebro e não com o fígado, parece ter chegado aonde menos se esperava: na velha imprensa norte-americana. Sim, a velha assessoria de imprensa do Partido Democrata está, dia após dia, dando as costas a Joe Biden. Poderíamos até levantar a teoria de que os militantes das redações querem empurrar Kamala Harris para o Salão Oval, mas Harris é detestada até pelos ativistas do New York Times e Washington Post, motivo pelo qual ela não conseguiu emplacar seu nome como candidata forte nas primárias democratas nem na Califórnia, seu Estado natal, e bateu em retirada sem números expressivos. O nome da vice foi escolhido apenas pela agenda identitária: mulher, negra… A competência de Kamala como política é tão boa quanto a de Dilma Rousseff. Até as gafes no melhor estilo da “presidenta” do Brasil fazem parte do repertório da vice de Biden.
A revista Rolling
Stone, por exemplo, declarou recentemente que “Joe Biden não está
ajudando”, como se o objetivo fosse “ajudar” como presidente, e não liderar. É
sabido que até a própria família de Biden não queria que ele vencesse em 2020.
Alguns dos parentes mais próximos do presidente garantiram a amigos que Biden
estava concorrendo apenas para aliviar a dor da morte de seu filho dois anos
antes, e que sair em campanha pelo país para limpar a cabeça e aliviar o
coração era a melhor maneira para fazer isso. Verdade seja dita, o próprio Joe
Biden sabia que não ia ganhar. E, durante meses, parecia quase certo de que ele
não venceria. A primeira apresentação de Biden no debate das primárias
democratas, em junho de 2020, foi considerada um desastre. Parecia bastante
óbvio que ele não tinha qualquer chance de ser o nome democrata. Logo em
seguida, Bernie Sanders começou a ganhar primárias e destaque. O mesmo
aconteceu em 2016 e, pelo segundo ciclo presidencial consecutivo, Sanders
provou ser o único democrata em campo com apoio de base legítimo. Os doadores
viram isso e entraram em pânico. O homem que odeia bilionários! O que ele vai
fazer com Wall Street? Alguém pare este senhor!
A cantilena da imprensa
Bernie Sanders era inaceitável
para as pessoas que financiam o Partido Democrata, mas havia um problema, as
opções eram piores do que tirar Bernie da jogada — como em 2016. Pete
Buttigieg, Beto O’Rourke, Elizabeth Warren? Não. Kamala Harris… horrível em
todos os níveis. Absolutamente ninguém gostava de Kamala Harris e por boas
razões. Então, acabou sendo Joe Biden por alguma chamada executiva de algum
deus democrata: “Tirem as teias de aranha do material de campanha de Joe. Todas
as nossas fichas estão com ele”. E, claro, a mídia entendeu a mensagem
imediatamente. No momento em que Biden foi coroado como o salvador do mundo
contra o malvado laranja fascista, a assessoria dos democratas — pode chamar de
imprensa mesmo —, já tinha a cartilha na ponta dos dedos e na ponta da língua.
Uma rápida pesquisa mostra o manual, quase infantil:
— Jemele Hill, CBS: “É um
alívio ter adultos no comando”.
— John Brennan, ex-diretor da
CIA de Barack Obama: “Agora temos adultos na Casa Branca”.
— Dana Bash, CNN: “Qualquer um
que tenha alguma conexão com a realidade sobre o que está acontecendo ao seu
redor deve dizer: ‘Os adultos estão de volta à sala'”.
— Cornell Belcher, MSNBC:
“Parece que temos um adulto profissional mais uma vez na Casa Branca”.
— Fareed Zakaria, CNN:
“Realmente, o que eu diria é que os adultos estão de volta”.
— Nicolle Wallace,
ex-assessora de George W. Bush, MSNBC: “Há uma sensação, eu acho, em todo o
mundo, de que os adultos voltaram”.
— Jonattan Capehart, Washington
Post, MSNBC: “Temos um adulto na Casa Branca agora e isso é glorioso”.
— Don Lemon, CNN: “Ok! Os
adultos estão de volta na sala!”.
Detalhe: Don Lemon, âncora da
CNN de um dos importantes telejornais da emissora, chorou ao vivo quando deu o
resultado final da eleição de 2020 e noticiou a vitória de Joe Biden. Onde
estão os adultos na imprensa?
Chama o Obama!
Biden certamente é um adulto e
completará 80 anos neste ano, mas ninguém em Washington acha que a Presidência
de Biden é gloriosa. A verdade é que todos sabem que ele é um desastre. As
pesquisas mostram que os eleitores concordam com essa afirmação. Os números de
sua popularidade só não são mais baixos do que os de Kamala Harris. Joe Biden é
a pessoa mais impopular em praticamente qualquer lugar. A poucos meses dos midterms,
eleições para a troca de cadeiras na Câmara e no Senado e com a perspectiva de
tomada da maioria pelos republicanos nas duas Casas, o partido de Joe Biden
procura tentar conter o gigantesco dano causado em tão pouco tempo de mandato.
E, para isso, nada melhor do que chamar o queridinho do eleitorado democrata e
da imprensa: Barack Obama. O problema é que a emenda saiu pior que o soneto. As
imagens da semana de Obama visitando a Casa Branca em reunião para lá de
artificial são constrangedoras até para quem não gosta de Biden.
Depois de uma rápida lua de
mel, Biden perde aliados numa velocidade assustadora
Durante a pomposa recepção
àquele que foi um dos piores presidentes dos EUA, chamado às pressas para
tentar evitar um banho de sangue nas eleições de novembro, o atual presidente
dos Estados Unidos, em sua própria Casa, foi evitado como o diabo evita a cruz.
Ninguém falava com ele e, em um momento de visível confusão mental, tudo diante
de várias câmeras, ele se afasta olhando para o vazio enquanto uma multidão se
formava em torno do ex-presidente Barack Obama, que, obviamente, demonstrava
muita satisfação pela atenção. Mas nada que já não esteja ruim não possa
piorar. Biden tenta entrar em uma conversa que girava em torno de Obama e todos
os envolvidos na conversa, incluindo Kamala Harris, que, supostamente trabalha
para o atual presidente, ignoraram Joe Biden completamente. Biden tentou desesperadamente
chamar a atenção de Obama colando a mão no ombro do queridinho da imprensa
norte-americana e de Hollywood. Ele até o chama de “Barack”, como se fossem
amigos, mas Obama o ignora e age como se Biden nem estivesse ali. A cena chega
a ser desesperadora e triste ao mesmo tempo. O Ocidente na mão de um inepto que
não é respeitado nem em sua própria Casa.
Verdade seja dita, para quem
vive aqui nos EUA ou acompanha a política norte-americana de perto, Barack
Obama nunca gostou de Joe Biden. Nos oito anos em que trabalharam juntos, Obama
zombou dele implacavelmente como um velho branco da velha política. Ele fez o
possível para manter Biden longe dos holofotes e conseguiu. O narcisista Barack
Obama conseguiu fingir durante dois mandatos que havia harmonia entre os dois,
mas agora ele não precisa mais fazer isso. E ele fez questão de deixar claro na
reunião na Casa Branca quem é quem. As piadas sobre ainda ser o presidente e
Biden o vice mostram que Barack não precisa mais bancar o diplomático. Ele pode
dizer ao mundo nos termos mais claros possíveis que não tem respeito por Joe
Biden, porque, neste momento, ninguém tem respeito por Joe Biden. Até os
apoiadores mais fiéis do presidente no puxadinho da imprensa se voltaram contra
ele. Depois de uma rápida lua de mel de alguns meses, Biden perde aliados numa
velocidade assustadora. Algumas das principais manchetes nesta semana em
veículos alinhados ao Partido Democrata não deixam dúvidas:
— ABC News: “A apreensão dos
eleitores está maior do que apenas o aumento dos preços ou a guerra da Rússia
na Ucrânia. A criminalidade violenta nas cidades norte-americanas permanece
persistentemente alta e há um problema crescente na fronteira”.
— CNN: “O índice de aprovação
do presidente Biden ainda não atingiu o fundo e vem caindo durante todo o ano”.
— NBC News: “A inflação
altíssima está acabando com os salários maiores. Embora os ganhos por hora
tenham aumentado 5,6% em relação ao ano passado, um em cada cinco trabalhadores
diz que fica sem dinheiro antes de receber o próximo pagamento”.
— ABC News: “Temos uma
inflação histórica e preços recordes de combustível. Os norte-americanos estão
sentindo isso”.
—Revista Politico: “Os
números de Biden caíram dois dígitos com os eleitores jovens, que foram uma
grande parte de sua coalizão em 2020”.
Culpa de Vladimir Putin
Então parece que a inflação é
real e não é transitória como o governo de Biden anunciou inúmeras vezes em
2021? Então parece que cortar verbas para as forças policiais (Defund the
police, slogan de dez entre dez democratas desde 2020) na
verdade aumenta o caos e que o crime e a desordem nas cidades também são reais?
E, vejam vocês, parece que uma guerra inútil com a Rússia, empurrada pelos
democratas beligerantes até para ser usada como cortina de fumaça diante de
tantos problemas domésticos, não é tão popular quanto pensavam. De repente, a
imprensa resolveu admitir tudo isso. Durante meses, Biden vem dizendo que tudo
de ruim que o norte-americano está percebendo ao seu redor é, claro, culpa de
Vladimir Putin. E a mídia o apoiou. Mas, de repente, não está mais comprando a
bobagem de que os quatro anos de Trump na Casa Branca sofreram interferência
russa, nem de que Putin é o grande vilão do caos no cotidiano norte-americano.
Uma das publicações mais
esquerdistas dos Estados Unidos, o Politico, nesta semana escreveu
um editorial batendo no discurso do democrata: “Toda vez que falamos sobre os
preços do combustível, os democratas e o presidente Biden dizem, como sempre,
que o aumento de preço é por causa de Vladimir Putin. Eles estão tentando
culpar, é claro, o presidente russo e a invasão da Ucrânia pelo salto nos
preços, mas, é claro, como as pesquisas sugerem, o presidente norte-americano
vai levar muito dessa culpa aqui”. A ABC News tem agora, e de maneira
constante, manchetes em seus principais jornais como: “Biden chama aumento de
preços como ‘aumento de preço de Putin’, mas a maioria dos norte-americanos não
está comprando esse discurso”, e “Com as eleições a apenas alguns meses e a
inflação em alta recorde, o presidente agora está colocando a culpa diretamente
em Vladimir Putin, mas os norte-americanos já notaram que os preços dos
combustíveis já estavam subindo antes que a Rússia começasse esta guerra”. A
CNN, carinhosamente apelidada pelos republicanos de “Clinton News Network”,
estampou em vários programas a manchete: “A Casa Branca está tentando culpar
Putin e as empresas de petróleo e gás pelo aumento dos preços, mas os
norte-americanos simplesmente não concordam”.
Questão de sobrevivência
Já está muito claro que o
Partido Democrata e sua grande ala na imprensa decidiram descartar Joe Biden.
Nunca houve uma ordem oficial para fazer isso, mas o que percebemos é a mente
coletiva trabalhando para acabar com a erva daninha do momento. Sem dó. Os
democratas têm as mesmas reações porque têm os mesmos instintos: “Biden é
fraco, devemos nos livrar dele”. Para a maioria das pessoas, isso soa duro e
implacável, ainda mais considerando os anos de janela do democrata no partido.
No entanto, no reino animal é uma resposta totalmente natural. É a primeira
regra das matilhas. O conhecido fratricídio no reino dos bichos que operam por
instinto não é nada pessoal. É apenas uma questão de sobrevivência do grupo, e
é exatamente assim que o Partido Democrata opera.
O Partido Democrata opera como
operam os balaios coletivistas da turma preocupada com o “bem-estar de todos”.
Os indivíduos são irrelevantes. O grupo é tudo o que importa. Ninguém no
partido realmente se importa com Joe Biden ou jamais se importou, ou se
importa, com George Floyd, Greta Thunberg ou qualquer outra pessoa que é
explorada como herói insubstituível para alguma pauta política. Todas as
pessoas são dispensáveis. O que importa é o partido e o partido importa porque
nos números há poder. E os números de Biden são horríveis. Um dos piores de
toda a história dos Estados Unidos da América. E, claro, em algum nível, Joe
Biden sabe disso. Ele entende como isso termina. Inevitavelmente, depois de 50
anos no partido, é sua vez de ser eliminado. Como ele vai sair de cena,
gritando por misericórdia ou aceitando a derrota como um homem, é a única
pergunta. De qualquer maneira, que saia de cena logo. Os Estados Unidos e o
Ocidente precisam de uma liderança capaz de reverter os danos de um presidente
que, além de inepto, mostra fraqueza. Animais se guiam por instintos, e os
tubarões já perceberam que há sangue na água.
Título e Texto: Ana Paula
Henkel, revista
Oeste, nº 107, 8-4-2022
"Líder do Ocidente", ainda gritam nas suas páginas. Os mesmíssimos que publicavam opiniões de psicólogos "especialistas" sobre Donald Trump. Agora, sobre Vladimir Putin. E sobre Joe Biden, hein?
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