“Porque acontecerão numa sala com meninos que nunca viram”. “Porque
terão de ir a uma escola que não é a sua”. “Porque lhes pedem que declarem que
não têm consigo telemóvel”. “Porque os professores encarregados de os vigiar
não serão os seus”.
"Porque estarão
nervosos"... Estes são alguns dos argumentos usados para criticar os
exames do ensino básico que agora começam. A estes argumentos há sempre quem
junte o facto de no Estado Novo se terem realizado exames neste nível de
ensino, o que para algumas almas desprovidas de melhor opinião é q.b. para a
condenação aos infernos dos ditos exames ou de qualquer coisa sobre a qual caia
esse terrível anátema do "durante o Estado Novo". (Aguardo
ansiosamente pelo dia em descubram que durante o Estado Novo se respirava!)
Ironicamente a reacção à
realização destes exames espelha muitas das teorias em voga na época do
marcelismo - entendendo eu por marcelismo o pretérito governo de Marcello
Caetano e não o presente consulado mediático de Marcelo Rebelo de Sousa - e que
então animavam muito o ministério da 5 de Outubro: os exames eram vistos como
um mal com que havia que pactuar durante algum tempo. Mas pouco, de
preferência. O resultado destas teses sobre os exames em particular e a
avaliação em geral acabou na tragédia conhecida: temos um ensino caro mas com
resultados medíocres. Pior, sob as roupagens do "não podemos deixar
pessoas para trás" ou " a escola não pode discriminar os mais
desfavorecidos" passou a esperar-se menos dos alunos. Como é óbvio foram
os filhos dos mais pobres e dos menos escolarizados as principais vítimas desta
armadilha pois a classe média, onde sobressaem os defensores de sistemas muito
alternativos de avaliação, é a primeira a colocar os seus filhos em escolas
onde a avaliação é rigorosa.
Contudo os exames não são
importantes apenas no que concerne à avaliação em si mesma mas também como
factor de responsabilização. Nas críticas aos exames que agora começam
encontramos uma sociedade cujas famílias já acham que é obrigação do Estado
transportar-lhes os filhos para tudo o que tenha a ver com a escola - se não
fosse a crise ainda teríamos o direito ao transporte escolar para a festa de
aniversário! - ou que se chocam muito porque se pede aos seus filhos que
assinem um papel onde declaram que não têm consigo telemóveis nem qualquer
outro equipamento de comunicação.
Esta infantilização das
crianças e dos jovens gerou uns perturbantes bebés adultos que aos 18 anos
ainda vão à consulta de pediatria, pois a idade pediátrica estende-se agora até
aos 18 anos, onde entre imagens de ursinhos e cegonhas recordarão as ressacas
dos festivais de Verão ou as histórias macabras sobre as crescentes agressões
nas escolas, como a sucedida recentemente na EB 2/3 Ruy Luís Gomes, no
Laranjeiro, em Almada, em que uma aluna foi violada por cinco colegas. Ou que,
numa versão mais crescida, continuam a beber e a divertir-se enquanto um seu
colega foi assassinado. Se Marlon Correia tivesse morrido, não na sequência de
um assalto, mas sim numa fuga à polícia os seus colegas estariam muito
provavelmente hoje de luto e vivendo uma forte indignação. Assim foi apenas um
azar e a festa com muita cerveja vai prosseguir.
Por isso o que se contesta
nestes exames nem é tanto o fenómeno da avaliação que passada a fase do
folclore pedagógico, se tem como indispensável, mas que nos detalhes da sua
organização - declaração sobre a posse de telemóvel; ida a outra escola... se
trate as crianças como pessoas e não como bebés.
Título e Texto: Helena Matos, Ensaísta, Diário Económico, 07-05-2013
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