terça-feira, 7 de maio de 2013

O bebé-adulto (Nem mais, nem menos!)

Helena Matos
“Porque acontecerão numa sala com meninos que nunca viram”. “Porque terão de ir a uma escola que não é a sua”. “Porque lhes pedem que declarem que não têm consigo telemóvel”. “Porque os professores encarregados de os vigiar não serão os seus”.
"Porque estarão nervosos"... Estes são alguns dos argumentos usados para criticar os exames do ensino básico que agora começam. A estes argumentos há sempre quem junte o facto de no Estado Novo se terem realizado exames neste nível de ensino, o que para algumas almas desprovidas de melhor opinião é q.b. para a condenação aos infernos dos ditos exames ou de qualquer coisa sobre a qual caia esse terrível anátema do "durante o Estado Novo". (Aguardo ansiosamente pelo dia em descubram que durante o Estado Novo se respirava!)
Ironicamente a reacção à realização destes exames espelha muitas das teorias em voga na época do marcelismo - entendendo eu por marcelismo o pretérito governo de Marcello Caetano e não o presente consulado mediático de Marcelo Rebelo de Sousa - e que então animavam muito o ministério da 5 de Outubro: os exames eram vistos como um mal com que havia que pactuar durante algum tempo. Mas pouco, de preferência. O resultado destas teses sobre os exames em particular e a avaliação em geral acabou na tragédia conhecida: temos um ensino caro mas com resultados medíocres. Pior, sob as roupagens do "não podemos deixar pessoas para trás" ou " a escola não pode discriminar os mais desfavorecidos" passou a esperar-se menos dos alunos. Como é óbvio foram os filhos dos mais pobres e dos menos escolarizados as principais vítimas desta armadilha pois a classe média, onde sobressaem os defensores de sistemas muito alternativos de avaliação, é a primeira a colocar os seus filhos em escolas onde a avaliação é rigorosa.
Contudo os exames não são importantes apenas no que concerne à avaliação em si mesma mas também como factor de responsabilização. Nas críticas aos exames que agora começam encontramos uma sociedade cujas famílias já acham que é obrigação do Estado transportar-lhes os filhos para tudo o que tenha a ver com a escola - se não fosse a crise ainda teríamos o direito ao transporte escolar para a festa de aniversário! - ou que se chocam muito porque se pede aos seus filhos que assinem um papel onde declaram que não têm consigo telemóveis nem qualquer outro equipamento de comunicação.
Esta infantilização das crianças e dos jovens gerou uns perturbantes bebés adultos que aos 18 anos ainda vão à consulta de pediatria, pois a idade pediátrica estende-se agora até aos 18 anos, onde entre imagens de ursinhos e cegonhas recordarão as ressacas dos festivais de Verão ou as histórias macabras sobre as crescentes agressões nas escolas, como a sucedida recentemente na EB 2/3 Ruy Luís Gomes, no Laranjeiro, em Almada, em que uma aluna foi violada por cinco colegas. Ou que, numa versão mais crescida, continuam a beber e a divertir-se enquanto um seu colega foi assassinado. Se Marlon Correia tivesse morrido, não na sequência de um assalto, mas sim numa fuga à polícia os seus colegas estariam muito provavelmente hoje de luto e vivendo uma forte indignação. Assim foi apenas um azar e a festa com muita cerveja vai prosseguir.
Por isso o que se contesta nestes exames nem é tanto o fenómeno da avaliação que passada a fase do folclore pedagógico, se tem como indispensável, mas que nos detalhes da sua organização - declaração sobre a posse de telemóvel; ida a outra escola... se trate as crianças como pessoas e não como bebés.
Título e Texto: Helena Matos, Ensaísta, Diário Económico, 07-05-2013

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