domingo, 4 de maio de 2014

O sonho de Ícaro

João Sobreira Rocha

Dédalo, como cita a mitologia grega, estava preso com seu filho Ícaro e tentava de todas as formas encontrar uma saída para escapar dos grilhões de uma prisão qualquer. Naquele antro, entre o silêncio sepulcral de quatro rústicas paredes, apenas o pensamento se tornava a chave enigmática para equacionar as suas idéias e poder dar asas a sua imaginação privilegiada. Da minúscula janela da prisão, o céu em azul se estampava forte diante dos seus olhos miúdos. Era ali, daquela distância, que ele voava alto em pensamentos de liberdade. Mas qual a liberdade que o faria de prisioneiro junto ao filho, o desbravador de nuvens? E foi exatamente nas nuvens que ele vislumbrou gaivotas em bando, de asas soltas e as atraiu ao parapeito da prisão, rente à janela, para alimentá-las.

Ao tocar suas asas, acendeu-se uma ideia brilhante: precisamos aprender a voar. Meses inteiros e longos foram de um trabalho duro e cansativo até que sua ideia inicial tornou-se realidade. Aproveitando as penas juntadas uma a uma, construiu com a ajuda do filho Ícaro, dois pares de asas grandes. Adaptou-as aos seus corpos com a ajuda de muita cera de abelha e o plano de voar estava pronto com um senão. Disse ao filho que evitasse voar muito alto, pois o calor do sol poderia comprometer o voo devidamente projetado e pronto. E partiram rumo aos ventos.

No Rio Grande do Sul, Dédalo era Ruben Berta e Ícaro, a família VARIG pelo mundo afora, cortando os céus e criando espaços em azul para a brilhante jornada de cruzar oceanos, mundos novos e conceitos de tecnologia avançada. Mas um dia, o sol de Brasília, em rotas diferentes, deu sinal de pane em altas temperaturas. Dédalo já havia alcançado com sucesso outras aerovias, e Ícaro sentiu suas asas arrefecerem e foi caindo, caindo, perdendo altura, até seu pouso forçado sobre o chão batido das inconformidades. Hoje, os Ícaros de ontem, caminham tapetes verdes de ácaros, ouvem das tribunas discursos inflamados, se digladiam entre si em face das mentiras do Planalto e resvalam na inconsistência macabra de uma justiça injusta e fria que determina aos seus aposentados e pensionistas a sisudez mórbida e silenciosa daquelas quatro paredes da prisão de Dédalo.

É chegada a hora de construirmos asas com envergadura simétrica sobre o Brasil. Pousar nossas mazelas em todos os aeroportos. Fechar pousos e decolagens como o Ícaro, antes que todos os ácaros políticos de Brasília se deitem sobre o solo sagrado das arenas recém- construídas e chutem para o último gol da Copa, as nossas esperanças de sobrevivência neste solo pátrio.
Título e Texto: João Sobreira Rocha, aposentado VARIG/Aerus, Goiânia, 04-05-2014

4 comentários:

  1. PQP sensacional!!!
    Desculpe o PQP, é uma corruptela de maravilhoso como um recém nascido.
    Gostei muito, e simplesmente pra contribuir leia a história de vida de Robert Owen e sua New Harmony, Ruben berta é um desses socialistas utópicos.

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  2. Amei a metáfora por você estabelecida. Lindo texto.
    E para adicionar mais poesia ao texto, menciono música de Caetano Veloso. Infelizmente, amigo, estamos sob os Podres Poderes.

    Silvana Alaggio

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  3. Prezada Silvana Alaggio, fiquei deveras emocionado ( do alto dos meus 67 anos ) com o seu comentário. Muito obrigado mesmo. Procurei trazer a baila o nosso assunto VARIG-aerus de uma forma lúdica, mas enfocando abertamente a nossa dor. Que Deus nos proteja desses anjos negros que nos sufocam. Ass. João Sobreira Rocha, de Goiânia-Go.

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  4. Caro VSROCCHA - obrigado amigo pelo comentário a respeito do meu texto. Ví, lí e relí sua entrevista no nosso "CÃO" - admiro suas posições. Nossa luta não será em vão.
    João SOBREIRA Rocha - de Goiânia.

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