O rapazito, que não domina os rudimentos da
própria língua e integra uma instituição especializada em passear a própria
inutilidade, acha-se no direito de tomar decisões acerca da nossa privacidade.
Alberto Gonçalves
Aconteceu esta semana, numa
daquelas conferências de imprensa da hora de almoço em que o Ministério da
Saúde e a Direção Geral de Saúde atualizam a contabilidade do vírus. Nesse dia
não estavam presentes a ministra e a diretora, cujo desnorte e cuja
incompetência não as colocaram no olho da rua e sim, dado vivermos em Portugal,
nas capas da imprensa, a título de heroínas da crise. Estavam os substitutos:
um sujeito grisalho convencido de que ser secretário de Estado é um cargo de
prestígio, e, pela DGS, um rapazito que diz “póssamos” e “fáçamos”.
Foi o rapazito que falou, e
que disse “permitir” jantares entre familiares e amigos. Tal e qual. O
rapazito, que apesar de iletrado é magnânimo, “permite” que jantemos, embora
não “nos moldes que fazíamos antigamente” [sic]. Nenhum repórter se espantou. É
pena, porque tamanha arrogância é espantosa.
Não houve momento que
resumisse tão bem a prepotência das “autoridades” nesta história da Covid. Quer
dizer, a prepotência abundou desde o início do “combate” (desculpem), mas a
permissão (condicionada) dos jantares merece medalha. O rapazito, que não
domina os rudimentos da própria língua e integra uma instituição especializada em
passear a própria inutilidade, acha-se no direito de tomar decisões acerca da
nossa privacidade. Estranhei não incluir orientações acerca da ementa. Sendo
extraordinário, é pelos vistos a regra em vigor: o ínfimo dr. Costa e os seus
ínfimos subordinados julgam mandar em nós.
O ínfimo dr. Costa e os seus
ínfimos subordinados julgam-se habilitados a decidir quando devemos ficar em
casa, quem é livre de se reunir, que áreas podemos percorrer e sob quais
condições, que comércios reabrem e em que circunstâncias, que parafernália
utilizar e onde, etc. E depois a arbitrariedade escorre por aí abaixo, por
grêmios corporativos, “organismos” regionais, autarquias, polícias,
“telejornais” e cidadãos oficiosamente investidos no cargo de “bufos”, todos a
apontar a “lei”, o cassetete ou o dedinho aos cidadãos que se limitam a tratar
das respectivas vidas.
É verdade, e é triste, que os
cidadãos autônomos, responsáveis e com vida são aqui uma minoria. A vasta
maioria dos portugueses acolheu com notável facilidade a prepotência. Mais do
que a acolheu, aplaudiu-a e alimentou-a. À semelhança do médico de “Aeroplano”,
que continuava a incentivar os pilotos horas após a aterragem e o esvaziamento
do avião, uma enorme quantidade de gente relativamente jovem continua
enclausurada na sala de estar, a alertar em pânico para um risco que já se sabe
reduzido e que não será menor nos anos que aí vêm. Para essa gente, o zelo
vigilante peca por insuficiente, e a legitimidade das “autoridades” para criar
um estado policial é absoluta. De resto, é natural que assim seja, não é?
Não. A autoridade (sem aspas)
decorre da legitimidade. Pelo glorioso desempenho na história da Covid, as
“autoridades” (com aspas) não possuem sombra de legitimidade. Os espécimes que
decretam normas diárias a fim de regulamentar e restringir o nosso
comportamento são aqueles demonstraram um formidável desnorte logo na recepção
do vírus, que aconselharam visitas a lares de velhos, que proclamaram o
esplendor de um SNS que permite a morte de milhares de pacientes para salvaguardar
umas dúzias em cuidados intensivos, que recomendaram o abastecimento em “hortas
de amigos” por troca com o supermercado, que proibiram e sugeriram e proibiram
repetidamente o uso de máscaras enquanto não descobriram socialistas que as
fabricassem, que distribuem a realização de testes médicos a compinchas do
partido, que fecharam concelhos às pessoas e abriram aos camaradinhas as portas
de “Abril” e do 1º de Maio, que cancelaram festivais de Verão e ponderam a
excepção do “Avante!”, que transformaram a gestão anedótica de um problema num
“milagre” para consumo de pacóvios, que aproveitaram a docilidade dos nativos
para pisá-los com redobrada força, que rebentaram escusadamente a economia e
negaram com insolência a chegada da austeridade, que supõem que os negócios
particulares sobrevivem aos caprichos de parasitas, que nem por um instante
abandonaram a propaganda para reparar nas multidões a caminho de uma miséria
sem nome, que driblam a Sagrada Constituição em prol da perpetuação do abuso,
que mentem e mentem e voltam a mentir até ao ponto em que a mentira deixa de
ser necessária face a uma população sob anestesia.
Estes espécimes, meus caros,
que nos intervalos da Covid fingem não recordar que despejaram outros 850
milhões nos compadres do Novo Banco, não têm legitimidade para mandar em vocês.
Mas muitos portugueses são suficientemente infantis para obedecer-lhes.
Eu não estou para isso. Do
senhor Costa (o prof. Marcelo já não conta) ao senhor agente da PSP, passando
pelos diretorezinhos, os secretariozinhos, os autarcazinhos e restantes
bonequinhos do “serviço público”, as leis, diretivas e conselhos dessa gente
sobre a “pandemia” não me dizem respeito – e não respeito essa gente. Há dois
meses que preservo a minha rotina da histeria em redor. Não me “confinei”.
Viajei pelos locais que quis sempre que quis. Visitei quem me apeteceu e a quem
apeteceu receber-me. Estive com as pessoas que estimo, incluindo, com a
aprovação dela, uma mãe de 75 anos. Jantei regularmente acompanhado (veja lá, ó
sr. Póssamos).
Usei máscara apenas para ir ao
dentista. Fui ao dentista. Fui a cafés que me serviram à mesa (bandidos!). Não
fui a restaurantes por sumiço destes. Não fui ao barbeiro por não ter cabelo.
Não contaminei ninguém. Ninguém me contaminou. Sou hipocondríaco e, adotado
algum bom senso, nunca tive medo do vírus. Tenho medo dos que têm medo, e que
por medo abdicam da responsabilidade e se entregam nas mãos de cínicos ou, na
melhor das hipóteses, incapazes. Esses que cumpram ordens e se mantenham em
casa ou onde os mandarem ficar: de qualquer modo e em qualquer lugar, são
prisioneiros. E gostam.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
9-5-2020, 0h06
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