Ainda bem que não existem
agências de rating para classificar
as capitais. Caso contrário, em que nível nos colocariam?
Para o viajante experimentado,
percorrer as ruas de uma cidade-capital é como ler o preâmbulo de um livro
sobre a situação política e social do país. Sem esquecer que, para muitos, a
capital não é apenas a porta de entrada mas, igualmente, o único ponto de
contacto com a realidade do país em causa. A imagem que projeta tem, por isso,
uma influência determinante na opinião internacional. Assim se compreende que o
poder político, por esse mundo fora, dê uma atenção muito especial ao arranjo
da sua urbe principal. A reputação externa é uma dimensão fundamental do
património nacional. É óbvio que umas pracetas bem ordenadas não chegam para
definir um país, mas também é verdade que contribuem, de modo significativo,
para que a impressão geral seja positiva.
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Foto: Divulgação |
Baku, no outro extremo do
espaço europeu, é um exemplo interessante. Era, nos tempos soviéticos, uma
aglomeração feia e de fim de linha. Uma espécie de estaleiro industrial
enferrujado, definido por torres arcaicas de extração de petróleo, um porto de
aspeto lúgubre e blocos de apartamentos sem graça, tipo plano quinquenal. Hoje,
a capital do Azerbaijão é um símbolo de modernidade. As avenidas e os parques
são de grande beleza e ostentam edifícios desenhados por alguns dos melhores
arquitetos do mundo. A cultura ocupa um lugar importante no quadro urbano. Para
quem agora visita Baku, as mensagens políticas são claras: estamos na Europa,
não somos como o vizinho Irão, embora partilhemos a mesma fé xiita, temos meios
e podemos ser o centro de negócios desta parte do globo. É verdade que a febre
de renovação também faz pensar em novo-riquismo e corrupção, nas altas esferas.
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Bruxelas: Grand Place |
Bruxelas, mais perto de nós,
revela um outro tipo de situação: uma capital que tem sido pouco a pouco
abandonada pelas duas comunidades nacionais da Bélgica. Sobretudo, pelos
flamengos. Uma grande maioria vê Antuérpia, Gand e Lovaina, na Flandres, como os
novos centros de poder. Na parte Sul da Bélgica, em terras de língua francesa,
surgiu um sofisticado corredor suburbano que vai de Waterloo a Namur. A capital
transformou-se, entretanto, numa aglomeração dicotómica. Em certos bairros,
instalaram-se os emigrantes e parou a modernização urbanística. Noutras áreas,
bem organizadas, limpas e mais agradáveis para viver, encontramos os eurocratas
e todos os que giram à volta das instituições e dos lóbis europeus. Bruxelas
reflete o divórcio político belga e, ao mesmo tempo, as diferentes condições
dos estrangeiros que a habitam.
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Praça São Domingos, setembro 2010, foto: JP |
Falemos agora de Lisboa. Quem
a visita, fica com uma imagem negativa da capital e de Portugal. Para nós, não
é novidade ver o abandono em que se encontra a cidade, os prédios a cair de
podre e outros a pedir cal, o caos do estacionamento, a indisciplina e a
abundância do lixo. Até o Terreiro do Paço, agora refeito, tem à sua frente uma
estação fluvial a clamar por pincel e tintas. Projeta-se, assim, um município
incompetente, um Estado deixa andar e em falência, bem como uma população a
precisar de umas lições de civismo. Com a incúria de alguns, perdem todos.
Nunca me esquecerei do que os responsáveis do investimento externo de Singapura
me disseram, há tempos, para justificar a falta de interesse em Portugal: não é
apenas a qualidade do projeto que conta, é, de igual modo, o seu enquadramento
num tecido urbano e natural bem gerido e valorizado.
Ainda bem que não existem
agências de rating para classificar as capitais. Caso contrário, em que nível
nos colocariam?
Título e Texto: Victor Ângelo, revista Visão, nº 958, 14-07-2011
Edição: JP
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