Fernando José Custódio foi
apanhado a conduzir aos esses. Estaria bêbado? Não se sabe, porque, segundo os
agentes, desobedeceu e não soprou o suficiente no balão. Seria batoteiro? Ou
seria asmático?
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Foto: jornal "i" |
Um homem sem força para soprar
pode ter problemas. Ou atenuantes. Às vezes um simples advérbio de modo pode
fazer a diferença, pelo menos numa sala de audiências.
"Estaria o arguido
verdadeiramente embriagado, ou apenas aparentemente embriagado?",
questiona o defensor oficioso, de pé, depois de apresentar as
"saudações" aos presentes.
Do arguido não ouviremos uma
palavra. Nem conheceremos a sua cara, ou a sua sombra. Apenas um nome: Fernando
José Custódio. Sobre ele falará Amílcar, o agente da PSP que jura por sua honra
só o conhecer "de uma noite". O arguido não apareceu, nem justificou
a falta. Mesmo assim será julgado, na sua ausência.
Os agentes seguiam no carro da
PSP na Avenida dos Combatentes, em Lisboa, quando avistaram uma viatura a andar
aos esses. Fernando Custódio, o condutor, só viria a parar, por ordem dos
agentes, quilómetros à frente. Interpelado para fazer o teste do álcool,
fingiu-se prestável. Mas depois, segundo o agente Amílcar, começou a fazer
batota, pois nem as bochechas enchia para soprar.
"Ele fazia que ia
assoprando, mas parava o sopro."
"Parava como?",
questiona a juíza.
"Não soprava o sopro
suficiente."
"Ele alguma vez disse que
não conseguia soprar?"
O agente exemplifica com uma
onomatopeia difícil de reproduzir:
"Ele só fazia
ffffeeeeee..."
Imagine uma criança sem força
para encher um balão, o ar a ir-se embora e o balão a desmaiar. Imagine esse
som, é mais ou menos isso que o agente Amílcar insiste em copiar para
exemplificar as manhas do réu ausente.
"Era só fffeeee e parava
de soprar."
"Mas ele fazia isso
convictamente?", interroga o advogado de defesa. "Não seria
asmático?"
Questão pertinente: uma crise
de asma retiraria a força a um homem para soprar no balão. É sempre um bom
argumento para invocar. É como dizer que alguém é louco ou tem uma psicose
qualquer: sem exames médicos é impossível de comprovar.
"Estaria mesmo
embriagado? Os testes foram insuficientes porque não houve uma colaboração
activa ou havia alguma impossibilidade física?", insiste o advogado,
pedindo que, perante a dúvida, se absolva o arguido. Chega a ser comovente ver
um oficioso defender com tamanha dedicação um réu que nem sequer pôs um pé em
tribunal.
Só sobra Amílcar para
responder, mas a avaliar pelo extenso interrogatório ninguém parece acreditar
na força de autoridade, que ali está só na condição de testemunha.
"Disseram-lhe que se ele
não soprasse estaria a incorrer num crime de desobediência?", pergunta a
juíza.
"Sim, mas ele respondia
que nós é que devíamos soprar. Até nos disse... posso dizer exactamente o que
nos disse?"
Silêncio.
"Disse: ‘Vocês são uma
merda. Uma pessoa vem do trabalho, bebeu uns canecos e vocês vêm-nos lixar a
vida.’"
"E ofereceram-lhe a
possibilidade de fazer contraprova no hospital?"
"Ele recusou, não fazia
nada nem deixava fazer, nem quis assinar o auto de detenção. Só sabemos o nome
porque vimos os documentos. Para o final já estava melhorzinho, mas também
tivemos mais de duas horas com o homem."
O procurador recupera a
importância de um advérbio de modo.
O arguido estava aparentemente
embriagado, não sabemos se estava verdadeiramente embriagado, porque não quis
fazer o teste. Não se conhecem antecedentes ao arguido, por isso pede-se pena
de multa."
Fernando Custódio é acusado do
crime de desobediência, não do de condução com excesso de álcool, porque isso o
alcoolímetro não conseguiu provar. Recebe uma pena de 60 dias de multa: terá de
pagar somente 360 euros. E diz-se somente porque aqui o advérbio também
importa. Antes dele, outro homem apanhado a conduzir com excesso de álcool -
que obedeceu e apareceu em tribunal - foi condenado a 600 euros de multa e
proibição de conduzir durante dez meses. Ser desobediente compensa. Ter um
advogado que se lembra de invocar uma doença respiratória também.
Título e Texto: Sílvia Caneco, jornal “i”, 17-07-2011
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