quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Justiça do Trabalho, não quero morrer!

Edilene Farias
Pode parecer uma provocação, um desatino, mas juro para vocês, é muito mais do que isso, é o desabafo de uma moribunda, que descobriu, na prática, que a justiça pode ser muito injusta.

Não é provocação, pois não tenciono acirrar os ânimos, nem desatino, pois estou muito convicta do que estou vivenciando.

Tenho estreita relação de admiração por diversos agentes da justiça do trabalho, a começar pelos meus advogados, sócios-irmãos, Luiz Salvador e Olímpio Paulo, escolhidos a dedo, sim, daqui do Nordeste, fui buscá-los lá no Sul, da Bahia para o Paraná, a distância é só um detalhe geográfico. Com Luiz Salvador, que a princípio chegou como advogado, assessor jurídico da entidade que eu dirigia em defesa da Prevalência da Vida no meio ambiente de trabalho da Petrobrás e que se transformou naturalmente em um grande amigo, tive oportunidade de conhecer o pensamento de juristas apaixonantes, daqueles que a sociedade sequer imagina existirem, são pessoas de bem, que atuam com amor, que buscam utilizar seu conhecimento e capacidade de atuar, não só para solucionar conflitos, mas para proporcionar avanços sociais. São verdadeiros atores dessa luta quotidiana contra a exploração, a opressão a indignidade! Aqui no facebook tenho o privilégio de interagir com alguns que não mencionarei nominalmente, mas que certamente saberão de reconhecer.

Suas palestras, suas menções aos processos que enfrentaram e a visão de sociedade que objetivam, são encantadoras. Na condição de espectadora e algumas vezes como palestrante, dividindo a mesa com alguns deles, sempre pensei: que pena que sejam uma minoria, uma gota no oceano! Mas isso não os torna menos importantes, ao contrário, ilustra a grandeza de caráter, a doação à causa, a coragem de ser o retrato do bem em um cenário de podridão.

Alguns provocam até o egoísmo, eu me pegava pensando, ah, que bom seria se quando eu precisar ajuizar uma ação trabalhista, encontrar um profissional dessa nobreza!

Em um episódio, assisti a uma palestra de um juiz que falava muito engraçado. Ele mencionou a existência de três tipos de juízes: o pai de santo, que é aquele que só sabe “despachar”... o juiz de mérito, aquele que prioriza o “X” da questão, que se envolve na causa, analisa o contexto e faz questão de entrar no mérito. Falou do terceiro, mas eu não atentei muito para o que ele falou... acho que foi do tipo que eu peguei pelo peito e que eu nomino de descompromissado, acho que estou sendo generosa com essa qualificação, mas vamos em frente.


Funcionária concursada da Petrobras por 22 anos, fui demitida sumariamente por perseguição política, em retaliação ao meu trabalho na defesa da vida dos trabalhadores diretos e terceirizados, da maneira mais ilegal possível, vejam só:

- Tinha acabado de comprovar a contaminação por gás sulfídrico (gás presente em abundância no meu local de trabalho) através de exame realizado por Hematologista/Patologista, que relatou e ilustrou com uma fotografia de lâmina de análise patológica os cristais de sulfetos metálicos presentes em meu organismo e associou às dores inadministráveis que eu sentia, recomendando repouso em leito até que o tratamento indicado fosse realizado. Esse relatório foi entregue e protocolizado diretamente com um médico do trabalho da Petrobras.

- Junto com esse relatório, protocolizei uma CAT emitida por um Médico do Trabalho de Órgão público estadual (CESAT-BA), indicando afastamento por 90 dias, após uma investigação criteriosa realizada em parceria com um psiquiatra da entidade, a pedido do Ministério Público do Trabalho que concluiu que minha depressão tinha origem laboral em decorrência de conflitos (Assédio Moral).

- Tinha um procedimento cirúrgico agendado e autorizado pelo setor médico da empresa a ser realizado no Hospital das Clínicas da USP, por recomendação de meu Reumatologista assistente que suspeitava de uma MIOPATIA.

- Já era portadora de uma doença ocupacional (Dermatite Alérgica) reconhecida e atestada por médico do trabalho da empresa desde 1997 e recebia mensalmente os medicamentos para controle das sequelas. Recebia há 12 anos e a empresa tinha ciência de que sem eles meu sistema imunológico entrava em “pane”, pois havia retirado em 2004 e acabei internada com risco de morte em 2005, quando foi reestabelecido o fornecimento.

- Estava portanto afastada por acidente de trabalho de 18 de setembro até 18 de dezembro de 2009.

- Em outubro de 2009 percebi que a empresa havia subnotificado o acidente, não havia encaminhado a CAT para o INSS, então agendei uma perícia previdenciária para o dia 24/11/2009 (primeira data disponível). Informei oficialmente ao meu gerente e passei a escrever e-mails periodicamente justificando a minha ausência por motivo de doença conforme atestados entregues dos quais tenho cópia com o carimbo, assinatura e data de recebimento do médico do trabalho.

- Antes da cirurgia, que seria dia 13/11/2009 na USP, fui surpreendida com um e-mail, isso mesmo, um e-mail me informando a dispensa por JUSTA CAUSA por abandono de emprego. Foi dia 09/11/2009. No texto um “convite” para me apresentar no dia seguinte para devolver o crachá e a carteira do Plano de Saúde.

Bem, diante de tamanha violência, atos que colocaram em risco a minha sobrevivência, era natural que ingressasse na Justiça do Trabalho imediatamente. Ocorre que a questão sempre foi muito política, por isso resolvemos instrumentalizar para ficar ainda mais evidente a crueldade praticada e meu estado de saúde. Bem, até relatório da Comissão de Direitos Sociais do Conselho Federal da OAB indicando uma representação na Comissão de Direitos Humanos da ONU, foi gerado (após longas reuniões do conselho com preposto da Petrobras). A inicial agregou parecer médico da profissional da USP, um NEURO IMUNOLOGISTA com aproximadamente 40 anos de experiência, um DOUTOR inquestionável que atestava o adoecimento e encaminhava exames para identificação das(s) doenças que ele estava investigando. Havia exames ilustrando destruição permanente de células!

Em dezembro de 2010 ajuizamos a ação, dia 15 às 15:30h. Para minha surpresa e felicidade, dia 16 às 07:30h já havia despacho e com a concessão da antecipação de tutela, garantindo o reestabelecimento do contrato, emissão da CAT e encaminhamento para previdência e custeio de todas as despesas médicas e medicamentosas necessárias dentro ou fora do estado da Bahia. Era a glória! Aguardei que a Petrobras cumprisse antes do recesso, soube que foi notificada oficialmente dia 22/12, mas nada foi feito.

Dia 6 de janeiro, primeiro dia após o recesso, amanheci na porta da vara, tive acesso ao juiz que afirmou na frente de um advogado da empresa que também havia amanhecido lá: você está reintegrada, vá na Petrobras! Fui, me apresentei à Gerente do Setor de pessoal, assinei o contrato de reestabelecimento do vínculo, estava sem assinatura do representante da empresa e ficaram me devendo a minha via, mas carimbaram na minha carteira de trabalho a ocorrência do contrato. Mas, é claro, ficou com eles!

Aí começou o inusitado, apesar da Petrobras ter seu pedido de mandado de segurança denegado, nunca cumpriu a sentença, foram três meses de “dribles”, reestabeleceu o contrato e cancelou (tenho a carteira de trabalho com o carimbo), emitiu uma CAT falsa, isso mesmo, falsificou documento previdenciário e entregou ao juiz, desconsiderou vários pedidos de aquisição de medicamentos, me fornecer dois contracheques com R$ 0,00 (zero) de salário. Foram 90 dias de idas e vindas, com alguns pedidos de execução de sentença.

Abril de 2011 o juiz mandou executar com multa de R$ 90.000,00, depósito de aproximadamente R$ 16.000,00 para uma viagem a SP e compra de medicamentos, emissão da CAT e reestabelecimento do contrato. Já muito doente, mas viajei para SP feliz! Lá o médico me deu o diagnóstico de uma terrível doença ocupacional, POLINEUROPATIA PERIFÉRICA AXONAL TÓXICA que já havia lesionado todos os feixes nervosos das minhas pernas e pés, mais que isso, informou que a síndrome inflamatória persistente também diagnosticada, ainda careia de investigação e indicou quimioterapia. Nada me abateu, afinal agora tinha diagnóstico e meios para tratamento!

Ainda em SP, antes de retornara Salvador, me advogado telefona e com algum rodeio informa: O JUIZ REVOGOU AS DUAS LIMINARES... A QUE TE DEU TODOS OS DIREITOS EM DEZEMBRO E ESSA RECENTE QUE MANDOU EXECUTAR!

Não tive alternativa, fui parar na emergência do Sírio Libanês, tomei dose cavalar de dois remédios e saí drogada com recomendação de não viajar sem voltar ao meu médico. Fui ao médico e pela primeira vez ele me viu chorando, chorando muito mesmo. Ao tomar ciência do ocorrido, escreveu para a Justiça do Trabalho, do próprio punho, uma carta relatório, no qual informava que me deixar sem tratamento me remetia a um futuro sombrio. Me pediu para relaxar, pois certamente o juiz não colocaria minha vida em risco!

Retornei a Salvador, meu advogado ingressou com um pedido de reconsideração muito bem fundamentado na Prevalência da Vida, o juiz indeferiu. Ingressou com outro, o juiz indeferiu. A essa altura já estava tudo muito claro, o juiz não estava interessado no mérito.

A alternativa foi ingressar com uma Ação Correicional, o juiz atrasou bastante, mas encaminhou para a corregedora, pensei... é tão gritante, que ela vai agir para me salvar! Ah, como sou bobinha, ela declinou do mérito e sugeriu buscar outra alternativa? Ah, claro que ela também atrasou bastante a resposta!

A solução, único caminho, esperar a perícia judicial. Juiz indicou, deu trinta dias para me convocar, ao final do prazo, o perito declinou... juiz convocou outro e também ao final do prazo, não deu certo...fui na vara e falei: eu vou morrer sem perícia? Acho que uns três peritos fizeram o mesmo...estranho, nunca vi perito rejeitar dinheiro! Entregamos o caso a ilustre Ministra Eliana Calmon do CNJ, eis que fui enfim convocada para a perícia judicial. Ops! Convocada não, meu advogado viu a publicação com o nome do perito e a data da perícia. Pesquisei na internet, descobri o endereço e compareci. O perito se surpreendeu e me falou, não faço pericia aqui, é em outro endereço e sua data foi ontem. Mostrei o ofício que extrai da internet e ele remarcou me informando o endereço correto. Compareci, passei por mais de uma hora de consulta (perícia) na presença de um perito assistente da Petrobras, entreguei toda a documentação comprobatória e ofereci outros documentos para entrega posterior, ele aceitou e ao final me falou que meu caso era muito complexo, teria que ler os autos (mais de 2000 páginas) e que iria solicitar documentos à Petrobras.

Aliviada, encontrei com ele dias depois para entregar os documentos da refinaria e ele me informou que iria precisar de 60 dias para fazer o laudo. Ponderei que meu organismo não estava mais suportando, que eu precisava fazer a quimioterapia, mas tudo bem, aceitei ficar em casa deitada, piorando, sofrendo dores terríveis, a espera do laudo. Contados mais ou menos 45 dias, telefonei para ele informando que a doença havia avançado para a coxa esquerda (muitas dores) e perguntei sobre o laudo, ele informou que estava terminando. Ontem, dois dias antes do prazo final telefonei para ele e para minha surpresa ele disse que solicitou mais 30 dias e o juiz havia concedido. Imediatamente falei da minha inteira desaprovação, 90 dias para emitir um laudo? Ele falou que tinha outros compromissos, comentei que o meu caso era de Prevalência da Vida, ele insistiu que era muito complexo. Terminei a conversa dizendo que ele não estava errado, mas o juiz não deveria ter dado 90 dias... eu temia pela minha sobrevivência estar em risco.

Telefonei para a vara e fui informada que nenhuma das petições de alargar o prazo para 60 ou 90 dias haviam sido oficialmente apreciadas pelo juiz, ou seja, eles combinaram “de boca”... agora vai ter recesso e eu aqui na cama com a maior insônia, muita dor e medo de morrer. Não temo a morte, mas amo viver!

Pois bem, esse processo vai pra esfera internacional... aqui no Brasil, não creio que tenha solução. Violação de Direitos Humanos... tentativa de assassinato... querem me calar!

Ontem soube que um colega da refinaria cometeu suicídio, telefonei para saber detalhes e descobri que um outro colega está internado com leucemia. Ele trabalha em área classificada pela presença de Benzeno, mas a empresa não emitiu a CAT. Ah, tem mais outro colega da mesma unidade que está com leucemia. É a primeira vez que fico impotente, acorrentada no leito sem poder atuar na defesa de colegas.

REAFIRMO: JUSTIÇA DO TRABALHO, NÃO ME DEIXE MORRER, MAIS QUE ISSO, ME DÊ O DIREITO DE SOBREVIVER PARA TENTAR AJUDAR OUTROS TRABALHADORES! A PETROBRAS MATA E MATA MUITO, SÃO EM MÉDIA 3 MORTES A CADA DOIS MESES, MAS MORRER POR ”DEFICIÊNCIA” DA JUSTIÇA DO TRABALHO... É BÁRBARO!

P.S.: Estou passando privação, meu organismo não está suportando mais!

Segue o número do processo que está no TRT 5: 0001352 33 2010 5 05 0016

PEÇO QUE REPLIQUEM, SE EU MORRER, NÃO QUERO ANONIMATO!
Edilene Farias, Salvador, Bahia, 15-12-2011

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