Reinaldo Azevedo
Os passaportes diplomáticos
viraram a casa da mãe joana. Depois que Lula os distribuiu até ao papagaio da
família, ninguém mais aceita ser cidadão comum. Todos querem privilégios de
fidalgo. A última a entrar nessa é a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). O grupo enviou um ofício ao
ministro Antonio Patriota, das Relações Exteriores, cobrando o que considera
ser um “direito”. Direito??? ABGLT… Em breve, a turma terá de incorporar o
XYLZ, né? Afinal, se cada gosto sexual merecer uma militância organizada,
faltarão letras ao alfabeto em língua portuguesa. Será preciso importar vogais
dos franceses e consoantes dos eslavos. Sigo adiante. Os militantes gays
resolveram enviar seu pedido depois que o Itamaraty concedeu documentos
especiais a mais três líderes evangélicos e suas respectivas mulheres, a saber:
Romildo Ribeiro Soares — o R .R. Soares — e Maria Magdalena Bezerra
Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus; Samuel Cássio Ferreira e
Keila Campos Costa, da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, e Valdemiro
Santiago de Oliveira e sua mulher, Franciléia de Castro Gomes de Oliveira, da
Igreja Mundial do Poder de Deus.
É claro que os militantes gays
estão na sua guerrinha particular com os evangélicos, que são as confissões do
cristianismo que mais os enfrentam publicamente. Os católicos — boa parte deles
ao menos — são como os tucanos na oposição. Gostam de jogar parados, se é que
me entendem…
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Toni Reis, 46, e David Harrad, 53, durante o registro da união estável em cartório de Curitiba. Foto: Luiz Costa/La Imagem/Fotoarena/Folhapress |
Toni Reis, presidente da
ABGLTXYZ explica à Folha: “Queremos a isonomia. Nem
menos nem mais, direitos iguais. Claro que a regra diz que esse passaporte é
uma excepcionalidade. Mas, se vão dar para todos os pastores evangélicos, nós
também queremos. E queremos com os respectivos cônjuges, assim como os bispos e
pastores”. E se não conseguirem? Ele diz que vai apelar ao Ministério
Público!
Vejam que triplo salto carpado
hermenêutico dá este rapaz. Vamos ver. Embora a Constituição diga que união
civil é aquela celebrada entre homem e mulher, o Supremo decidiu reconhecer a
união homossexual porque considerou que, não fosse assim, estaria sendo
desrespeitado o Artigo 5º da Constituição, justamente o que assegura a
igualdade de direitos. É claro que o tribunal forçou a mão, tocado pelo
politicamente correto, mas vá lá… Pode-se ainda argumentar, EMBORA A DECISÃO
CONTRARIE A LETRA EXPLÍCITA DA CONSTITUIÇÃO, que se fez uma interpretação para
garantir direitos de que uma minoria estava excluída.
Observem que Reis, agora, quer
outra coisa, que ele chama de “isonomia”. Se, no caso da união civil, ele pedia
para uma minoria o que se assegura à maioria, agora ele já propõe uma espécie
de “intercâmbio de direitos interminorias”, entenderam? Sim, ele sabe que o
passaporte especial é uma “excepcionalidade”… Mas aí raciocina: “Como é que se
pode conferir, então, tal excepcionalidade a evangélicos e não a nós?”.
Com um pouco mais de cultura
democrática, em vez de pedir também para os seus o passaporte diplomático, o
líder dos gays deveria é criticar a concessão de privilégios. Em vez de
embarcar na justificativa vigarista do Itamaraty, ele cobraria é o fim dos
privilégios. Entenda-se a alma profunda de Toni Reis: ele quer os direitos de
que goza a maioria sem abrir mão dos privilégios que cada vez mais se concedem
às minorias.
Segundo a lei, têm direito a
passaporte diplomático presidente, vice, ministros de Estado, parlamentares,
chefes de missões diplomáticas, ministros dos tribunais superiores e
ex-presidentes. O Itamaraty também pode concedê-lo a pessoa “que está
desempenhando ou deverá desempenhar missão ou atividade continuada de especial
interesse do país, para cujo exercício necessite da proteção adicional
representada pelo passaporte diplomático”.
E os religiosos?
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R. R. Soares, da Igreja
Internacional da Graça de Deus.
Foto: Fernando Donasci/Folhapress
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Igrejas, mesmo a Católica, são
associações de caráter privado. Não são nem devem ser um braço do estado. Foi
com base na “isonomia” que o privilégio passou a ser concedido também a líderes
evangélicos. Agora, ela é evocada por Toni Reis porque, segundo o ofício
encaminhado pela ABGLTXYZ ao Itamaraty, também a associação “atua
internacionalmente, tendo status consultivo junto ao Conselho Econômico e
Social da Organização das Nações Unidas, além de atuar em parceria com diversos
órgãos do Governo Federal”…
Tenham paciência! Daqui a
pouco, os chamados líderes dos “movimentos sociais”, os sindicalistas, os
presidentes de partidos políticos (mesmo que sem mandato), os intelectuais, os
artistas etc. vão reivindicar, “por isonomia”, a concessão da prebenda. Afinal,
toda essa gente pode argumentar que desempenha “missão continuada” em benefício
do Brasil. E por que não para os jornalistas e seus cônjuges?
Ódio à democracia
São crescentes a intolerância e o ódio à democracia, exercidos, por incrível que pareça, em nome da… democracia. Quando os líderes evangélicos se incomodaram com o passaporte especial dos cardeais, poderiam, sim, ter reivindicado o fim da distinção. Mas preferiram outro caminho: “Nós também queremos; nós também não somos como os brasileiros reles”. Toni Reis, da dita associação gay, poderia, então, ter feito o que os evangélicos não fizeram: “Chega de privilégios inexplicáveis!”. Mas quê… Também ele não quer ser importunado em aeroportos com exigências feitas a homens comuns. Reis, afinal, não é ordinário como todos nós; não é uma pessoa comum: é um ABGLTXYZ! Como pede isonomia com religiosos, entendo que tal condição lhe dá também alcance pastoral…
Nem nas minhas antevisões mais
pessimistas, aquelas dos 20 anos, imaginei que chegaria aos 51 tendo de
escrever textos como este.
Uma nota para encerrar: quando
de esquerda, eu já me incomodava com os nascentes movimentos que eu chamava,
então, “particularistas”: de gays, de mulheres, de maconheiros, de negros, de
periferia… Considerava, no calor dos meus 17, 18 anos, que aquela gente não
entendia como funcionava o mecanismo fundamental de reprodução da desigualdade:
a luta de classes. Aprendi alguma coisa ao longo da vida. Hoje vejo que também
eles, além dos esquerdistas tradicionais, não entendiam e não entendem o valor
da democracia. Arremato observando que Toni Reis não disse em nenhum
momento que a concessão de passaportes diplomáticos a líderes religiosos é
inexplicável e arbitrária. Se a sua turma também tiver o seu, na sua cabeça,
estará assegurada a igualdade.
É verdade! Estará assegurada a
igualdade dos desiguais!
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 18-01-2013
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