Celso Ming
Após a fase de exaltação e entusiasmo que se seguiu à queda do Muro de Berlim (1989), difundiu-se no Ocidente uma sensação melancólica de decadência e de falta de perspectiva – vai que é o tal mal du siècle.
Após a fase de exaltação e entusiasmo que se seguiu à queda do Muro de Berlim (1989), difundiu-se no Ocidente uma sensação melancólica de decadência e de falta de perspectiva – vai que é o tal mal du siècle.
Um dos livros que nos anos 90
tentaram transmitir o otimismo fluido do período anterior foi O fim da
história, do americano Francis Fukuyama. Agora, após a crise de 2008, a
imprensa mundial, especialmente a dos Estados Unidos, publica abundância nunca
vista de artigos, de todas as tendências, que chamam a atenção para a
decadência dos Estados Unidos.
Há algumas semanas, esta
Coluna comentou ensaio patrocinado pela Kauffman Foundation em que o professor
Robert J. Gordon, da Northwestern University (Evaston, Illinois, Estados
Unidos) conclui que o crescimento econômico nas economias maduras está com os
dias contados. Longo ciclo de estagnação, diz ele, parece inevitável. Esse
paper (http://www.nber.org/papers/w18315) é objeto de debates no meio acadêmico
e em artigos de revistas especializadas. A propósito desse trabalho, o
economista André Lara Resende assinou excelente artigo no suplemento EU&Fim
de semana, do jornal Valor Econômico (Além da Conjuntura, 21/12/2012).
Neste domingo, no diário
espanhol El País, o Prêmio Nobel de Literatura (2010) Mario Vargas Llosa
comenta outro livro de impacto (Civilization, editado em português pela Planeta
com o título Civilização: Ocidente X Oriente). Na obra, o professor Niall
Ferguson (Universidade Harvard) adverte que a Civilização Ocidental enveredou
irremediavelmente para a decadência. Tomam-lhe a dianteira os povos do Oriente,
sobretudo o da China, que passa por impressionante transformação.
Vargas Llosa endossa as
críticas de Ferguson ao mundo ocidental – principalmente à voracidade de
banqueiros e homens de negócio, que apressam a destruição, e ao hedonismo que
permeia os costumes. Mas lamenta o que entende como importante omissão do
autor. No seu “pessimismo elegante”, Ferguson não consegue enxergar na
Civilização Ocidental, afirma Vargas Llosa, sua decisiva qualidade
autorredentora: sua grande capacidade de autocrítica e de renovação, que tem
origem na ampla liberdade de pensamento e de expressão.
À análise de Vargas Llosa,
talvez pudesse ser acrescentado o fato de que hoje, quando se intensifica o
processo de globalização, talvez não faça mais sentido dividir a cultura, a
atividade econômica e a civilização entre Ocidental e Oriental. Neste mundo
onde tudo se intercambia e se canibaliza, é duvidoso concluir que a supremacia
cultural (conceito por si só duvidoso) esteja mudando de hemisfério.
A China tem 30 milhões de
praticantes de piano e outros 10 milhões, de violino, instrumentos criados e
desenvolvidos no Ocidente. A tecnologia lá absorvida proveio do Ocidente. A
maioria de sua produção é feita por empresas multinacionais nascidas neste lado
do mundo. E, lá, os conceitos de administração moderna são os mesmos ensinados
nas grandes universidades americanas e na Europa.
Enfim, nesta aldeia global,
alvorada e decadência provavelmente já não podem ser vistas como fenômenos
meramente locais.
Título e Texto: Celso Ming, Estado de S. Paulo, 15-01-2013
Colaboração: Rafael Picate
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