João Marques de Almeida
Talvez o grande problema dos
“neo-liberais” seja acreditar que Portugal poderá um dia honrar os compromissos
com os seus funcionários públicos e os reformados sem ter que se endividar até
à falência.
Os críticos dos chamados
“neo-liberais” passam a vida a insinuar sobre os supostos privilégios dos seus
alvos preferidos. Aparentemente, nasceram todos em “berços de ouro”, nunca
tiveram dificuldades na vida e revelam permanentemente o seu egoísmo social.
Alguns (dos críticos) vão mais longe e conseguem descobrir nos “neo-liberais”
um prazer especial com o empobrecimento da nossa sociedade.
Lamento desiludir muitos
desses críticos, mas os “neo-liberais” também têm pais e filhos. Muitos desses
pais passaram a vida a trabalhar de um modo honrado e sério e sofrem agora
cortes anuais nas suas reformas. E os filhos também estudam e ficam doentes.
Posso garantir-vos que não conheço um único “neo-liberal” (e conheço muitos,
mas não tantos como gostaria) que tenha um prazer especial em gastar milhares
de euros todos os meses com a educação dos seus filhos. Gostariam muito de os
inscrever em boas escolas públicas, mas muitas vezes não as encontram.
Talvez o grande problema dos
“neo-liberais” seja acreditar que, apesar de tudo, Portugal poderá um dia
honrar os compromissos com os seus funcionários públicos e com os seus
reformados sem ter que se endividar até à falência. E poderá ser também um país
com escolas públicas com a qualidade das melhores privadas, tal como muitos outros
países europeus.
Se é lamentável confundir
ideias políticas com privilégios, é irritante que muitos dos ataques venham de
sectores privilegiados. Acho extraordinário observar a esquerda republicana e
burguesa, educada em colégios privados, a atacar o egoísmo e os privilégios de
“neo-liberais” educados em escolas públicas e nas ruas de subúrbios ou em
cidades de província.
A acusação de
“neo-liberalismo” ao actual governo e a muitos dos seus defensores revela ainda
um entendimento errado da influência da ideologia na ação política. A aplicação
de um programa ideológico depende mais do contexto em que se governa do que das
preferências políticas de quem governa. Até poderá ser verdade que alguns dos
actuais e de antigos ministros do governo se identifiquem com ideias
“neo-liberais”, mas como é óbvio nunca estiveram em condições de as aplicar.
Muitas vezes foram mesmo forçados a implementar o oposto do que sugere um
programa “neo-liberal”, como sabem todos aqueles que pagam impostos.
A deriva ideológica, quer no
modo como olham para o governo quer na radicalização que impuseram ao seu
discurso, foi o grande erro cometido pelos socialistas. Sobretudo pelo Partido
Socialista. Se este governo nunca poderia ter sido “neo-liberal”, isso não
significa que a sua governação não tenha obedecido a uma certa orientação
ideológica. O governo fez tudo para manter Portugal no Euro e essa escolha é
ideológica. Mas foi uma escolha ideológica feita no início dos anos de 1980,
com o pedido de adesão à Comunidade Europeia, e reafirmada no final dos anos de
1990 com a adesão ao Euro. Curiosamente esses dois momentos ideológicos
ocorreram com o PS no poder.
O PCP e o BE têm razão num
ponto: a única alternativa ideológica à política deste governo é a retirada de
Portugal do Euro. O actual líder do PS criou a mais perigosa das ilusões: a
possibilidade de uma alternativa ideológica ao actual governo mantendo
simultaneamente Portugal no Euro. Ao mesmo tempo, associou a manutenção no Euro
à ideologia “neo-liberal”. Se um dia for PM, fará tudo o que for necessário
para manter o país no Euro e será, naturalmente, acusado de “neo-liberal”, e
por muitos do seu próprio partido. O seu maior desafio será manter a unidade do
seu partido. Tal como acontece agora com os “neo-liberais”, os socialistas
terão que lidar com a angústia que resulta do facto das decisões do “seu”
governo tornarem a vida mais difícil aos seus pais e aos seus filhos, sabendo
que a alternativa seria ainda pior.
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