Rui Ramos
Na política portuguesa, quase todos estão
neste momento reféns uns dos outros, isto é, destituídos de iniciativa. Não há
aqui Maquiavéis, mas apenas náufragos num regime à deriva.
Talvez o presidente gostasse
de se libertar de António Costa; talvez Costa preferisse acabar com a sua
dependência do PCP e do BE; e talvez o PCP e o BE não desdenhassem aumentar a
sua influência. Talvez seja assim. Mas isso não quer dizer que eles saibam como
obter esses resultados. Não há aqui Maquiavéis, mas apenas náufragos num regime
à deriva.
Comecemos por Costa e o
presidente. Costa perdeu as eleições e, para salvar a carreira, entregou-se ao
PCP e ao BE. Uma boa relação com um presidente eleito pela direita é a última
ponte que lhe resta para o lugar onde o PS costumava estar, e sobretudo uma
prova de normalidade. Mas o presidente também precisa de Costa. A
“popularidade” de Marcelo Rebelo de Sousa não é a da estrela televisiva, mas a
do presidente que, ao contrário de Cavaco Silva, não é atacado pelo PS. É
verdade: o actual presidente é exuberante e caloroso, onde o seu antecessor era
reservado e formal. Mas é a maior das ilusões pensar que o feitio e o estilo
bastam para o proteger: se conviesse ao PS, a exuberância haveria de parecer
descontrolo, e a informalidade, ligeireza.
Costa e o presidente estão
prisioneiros um do outro, e ambos estão prisioneiros do PCP e do BE. O
presidente não terá dúvidas sobre o que significa uma governação subordinada ao
PCP e ao BE, num país do Euro e a necessitar de investimento externo. Muito
provavelmente, Costa também não. Mas por mais que para ambos isso seja claro, o
presidente não pode simplesmente derrubar o governo de Costa para se livrar do
PCP e do BE, porque arriscaria um choque com o PS; e Costa não pode demitir-se
só para se libertar dos seus parceiros parlamentares em novas eleições, sem
passar por um traidor à esquerda.
Não é por acaso que desde
Novembro muita gente espera que o PCP e o BE despeguem, senão neste, então no
próximo orçamento. Porque isso permitiria ao presidente e a Costa clamar que
bem tentaram, mas que esta maioria, com esta composição ou nas actuais
proporções, não serve para governar na UE. O presidente poderia então convocar
novas eleições sem parecer que estava a querer prejudicar Costa, e Costa apelar
às esquerdas para votarem no PS, se quisessem “políticas de esquerda” no quadro
europeu.
O problema é que não é claro
que o PCP e o BE queiram fazer o favor de sair. Com o actual arranjo, o PCP
salvou os seus sindicatos de um declínio irremediável, e voltou a tutelar ministérios,
como não acontecia desde 1976; o BE aumentou os seus tempos de antena e deu
carreiras mediáticas à sua “nomenklatura”. Henrique IV, quando se converteu ao
catolicismo para chegar ao trono de França, terá dito que Paris valia bem uma
missa. E se o poder, para o PCP e o BE, valer bem a austeridade? E se, mesmo
perante um apertão de Bruxelas, optarem por argumentar que, embora a solução
seja má, com a “direita neo-liberal” no governo seria muito pior?
É inútil, por tudo isto,
procurar adivinhar qual é a estratégia deste ou prever a próxima jogada
daquele. Na política portuguesa, quase todos estão neste momento reféns uns dos
outros, isto é, destituídos de iniciativa, à espera do que vai acontecer. Sim,
é isto que é uma verdadeira crise política.
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