Em 2016, votei no prof. Marcelo porque receei a vitória daquele dr. Nóvoa e porque eu devia estar maluco. À época, não tinha excessivo respeito pelo prof. Marcelo. Hoje não tenho nenhum
Alberto Gonçalves
A 9 de Janeiro, para
justificar novo “confinamento”, ou a prisão domiciliária de milhões de pessoas,
o prof. Marcelo acusou os portugueses de quebrarem o “pacto de confiança” e
passarem o Natal a contaminar-se com o vírus.
A 10 e 11 de janeiro, o prof.
suspeitou estar infectado e desatou, “de duas em duas horas”, a submeter-se a
testes à Covid, cujos resultados oscilantes mandou publicar no “site” da
presidência e cuja reputação saiu arruinada do episódio.
A 12 de Janeiro, o prof.
Marcelo afirmou-se “muito irritado” com as autoridades da saúde, não por estas
terem voltado a cancelar o tratamento a inúmeros cancerosos, condenando-os a
uma morte quase certa, nem por continuarem a desprezar os hospitais privados no
combate à epidemia, mas por não lhe darem um esclarecimento escrito sobre a
participação dele num debate televisivo.
Ainda a 12 de janeiro, o prof.
Marcelo propôs à AR o prolongamento do estado de emergência até ao fim do mês,
agora com a possibilidade de “medidas de controlo de preços e combate à
especulação ou açambarcamento de determinados produtos”.
A 13 de Janeiro, data de uma
“comunicação” do dr. Costa que oficializou a situação ditatorial no país,
soube-se também que o Ministério Público andou a espiolhar dois jornalistas,
embora sobre ambas as coisas o prof. Marcelo ficasse calado.
A 14 de Janeiro, o prof.
Marcelo achou “inevitável” o aumento da dívida, visto que “não há outro
remédio”, e que é “importante” que a PGR investigue o que ocorreu com os
jornalistas investigados pela PGR, supostamente “doa a quem doer”.
A 15 de Janeiro, o prof.
Marcelo já fez mais de 80 (oitenta) testes à Covid e prepara-se para apoiar o
“confinamento” até à Primavera, Deus sabe de que ano.
Em menos de uma semana, eis uma compilação representativa do homem que ocupou a chefia do Estado nos sessenta meses anteriores e que, salvo envenenamento por zaragatoas, a ocupará nos sessenta que se seguem. Desprezo pelos cidadãos. Paternalismo. Demagogia. Hipocondria. Privilégio. Egocentrismo. Obsessão com o próprio umbigo. Pavor face à eventual impopularidade desse umbigo. Horror ao confronto.
Fogachos autoritários.
Indiferença estratégica perante as ações calamitosas, e frequentemente
criminosas, do governo. Desdém dedicado às consequências ou inconsciência das
mesmas. Apreço pela conversa fiada. Relativa infantilização do cargo e do mundo
em redor. Nestes dias, faltou apenas a apetência do prof. Marcelo em despir-se
à nossa frente, talvez desaconselhado pelo frio.
Em 2016, votei no prof.
Marcelo porque receei a vitória daquele dr. Nóvoa, porque imaginei que servisse
de contrapeso à frente de esquerda no poder e porque eu devia estar maluco. À
época, não tinha excessivo respeito pelo prof. Marcelo. Hoje não tenho nenhum.
Os estragos que o dr. Costa
causou nestes cinco anos só têm rival na placidez com que o prof. Marcelo os
permitiu e legitimou. Não é uma surpresa que um caudilho com um passado
estalinista e um presente desprovido de escrúpulos lidere um projeto autocrata
e ruinoso. Porém, confesso relativa surpresa com o incondicional beneplácito do
prof. Marcelo no processo, aliás indispensável ao respectivo êxito. A
prepotência do pior primeiro-ministro desde Vasco Gonçalves não dispensou o
pior presidente desde Américo Thomaz ou o dr. Sampaio, que pelo menos não
tiravam “selfies”.
Segundo diversos comentadores,
e um ou dois que sinceramente estimo, a reeleição do prof. Marcelo é a garantia
de que o PS não toma conta de tudo. Percebo a ideia. Infelizmente, a ideia não
percebe a realidade. Sob a atentíssima vigilância do prof. Marcelo, o PS
conquistou o Tribunal de Contas, o Banco de Portugal, a Procuradoria-Geral da
República e uma infinidade de órgãos secundários e terciários por aí abaixo e
pelo país afora.
Além disso, com inédita
desfaçatez, o PS transformou o compadrio em moeda de troca, o empobrecimento em
modo de vida e, sob a conivência jovial do prof. Marcelo, a impunidade em
habitat natural.
Na resistência à ofensiva
totalitária dos socialistas, o prof. Marcelo é a aldeia do Asterix, se a aldeia
do Asterix oferecesse um banquete aos romanos e a chave honorífica a um
centurião. Em lugar da garantia de que o PS não toma conta de tudo, o prof.
Marcelo parece garantir de que ao PS não escapa nada, incluindo, dadas as
circunstâncias, a própria presidência da República.
Dadas as circunstâncias, é
inútil especular sobre o que seria de nós caso Belém estivesse nas mãos de um
marxista confesso. Basta constatar o que é de nós estando Belém assim como
está. E concluir que dificilmente poderíamos estar mais condenados à desgraça.
De facto, convém ao dr. Costa ter um alegado “social-democrata”, ou
“liberal-social” ou lá o que é a amparar-lhe o fanatismo e a inépcia. Um
camaradinha do partido evidenciaria em excesso a arbitrariedade do regime – um
“adversário” (risos) suaviza-a e ajuda a simular “pluralismo” e “democracia”,
principalmente entre os distraídos e os comatosos. E principalmente na ausência
de oposição.
Corre por aí que não compete
ao prof. Marcelo substituir-se a uma oposição com a vitalidade dos pisa-papéis.
Formalmente, é verdade. Na prática, nunca foi tão necessário um presidente
capaz de escrutinar o governo e afrontar os seus abundantes excessos. E nunca,
antes do prof. Marcelo, um presidente abdicou tão radicalmente dessa função.
Durante cinco anos, o prof.
Marcelo preferiu a “estabilidade”. Haverá mais cinco anos para confirmar que a
“estabilidade” dele não se distingue da nossa miséria, material e não só. Mas,
desta vez, não com o meu voto. É melhor perder com decência que ganhar com
vergonha.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
16-1-2021
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