O ministro da Economia manda esvaziar
prateleiras de supermercados; a ministra da Saúde quer confiscar empresas; do
ministério da Justiça saem documentos manipulados… e nós a ver cornos no
Capitólio
Helena Matos
As cirurgias aos doentes com
cancro são adiadas (ainda mais) e os computadores prometidos aos alunos em março
do ano passado nunca chegaram. Mas o que leva os portugueses a
manifestar-se? A vinda de Marine Le Pen a Lisboa.
Portugal é um país literalmente passado da cabeça: quanto mais a nossa vida se agrava e o regime se esboroa, mais nos indignamos com o longínquo e nos tornamos indiferentes ao que nos toca.
Assim, fazem-se manifestações
porque uma dirigente política francesa vem a Lisboa, mas caso alguém se
manifeste por aquilo que está a acontecer neste país ou nesta mesma cidade de
Lisboa, logo se vê oportunamente rodeado de suspeições várias como
aconteceu a Ljubomir Stanisic aquando dos protestos dos proprietários de restaurantes.
O nosso corpo está aqui, mas o
cérebro está onde o leva a agenda mediático-socialista (eu sei que estas duas
palavras se tornaram sinônimas, mesmo assim insisto no pleonasmo). Todos os
dias, gente que a si mesma atribui certificados de democrata discute como
ilegalizar aqueles que eles definem como fascistas. Simultaneamente medidas em
catadupa normalizam o que é próprio das ditaduras.
Agora dá-se como certo que os velhos residentes em lares ilegais não terão o seu voto recolhido. Quando nos passou pela cabeça
que em Portugal se inibiria o direito de voto a alguém em função da natureza da
sua residência? Nunca, claro. Nós somos uma república. Estamos imbuídos dos
princípios da igualdade, da solidariedade… Para lá do óbvio – não foram os
velhos que escolheram ir para um lar ilegal, eles forampara lares ilegais porque não existem outros (e vão continuar sem existirporque deste modo a Segurança Social poupa o financiamento que teria de lhesgarantir caso os legalizasse) – não se pode aceitar que a natureza da
residência defina quem pode ou não votar.
Indignações com este grave
precedente? Os constitucionalistas que tanto constitucionalizam a propósito dos
direitos adquiridos não têm agora nada a dizer? Ora, ora quem se pode preocupar
com os votos dos velhos instalados em lares ilegais quando Marine Le Pen veio
almoçar a Portugal? Isso sim é que é preocupante!
Disseram-nos que Portugal era um milagre e a nossa cabeça passou-se com tanta alegria. Depois do milagre da descrispação, do
milagre do dinheiro para as reposições, do milagre do futebol, do milagre do
Festival da Eurovisão, éramos outro milagre no combate ao Covid.
Todos os dias a nossa cabeça partia à descoberta dos falhanços em geografias políticas rigorosamente selecionadas. Um dia, no meio de mais umas notícias sobre o horror do Covid nos EUA e do desastre da estratégia seguida pelos suecos, descobrimos que o inferno era aqui. E o país o que discute? Manaus. Sim, Manaus. Por que Manaus no Brasil e não a Bélgica, país onde o número de mortos ultrapassa tudo o que se pode imaginar? Ou com a Argentina, o país que uma “quarentena eterna” não salvou do Covid mas garantiu a fome (sim, na Argentina outrora grande potência agrícola, agoraexiste fome)? Ora, porque como toda a gente sabe a culpa das consequências do Covid no Brasil é de Bolsonaro.
Já a culpa das consequências
do mesmo Covid pelo mundo varia em função da simpatia ou do respeitinho que
esses governos têm ou impõem nas redacções e organizações internacionais. No
topo da tabela da desresponsabilização está o governo de Portugal, país onde a
culpa dos maus números é sempre dos portugueses que não cumprem como deviam as
sábias instruções do seu governo. Portugal, recordo, é o país em que não se
conhece um caso de contágio por Covid em nada que resulte da responsabilidade
do Governo, como são os transportes públicos cheios e as filas resultantes da
imposição de horários reduzidos nos supermercados, mas em que, dos parques
infantis aos passeios ao ar livre, se considera perigoso tudo o que não seja
ficar encerrado em casa.
Em conclusão, os governos de
esquerda terão sempre um Manaus para entreter a cabeça dos portugueses. E
quanto pior as coisas correrem em Portugal mais vamos andar empenhados em
apedrejar o ódio de estimação do momento e mais tempo vamos gastar em combates
que nada têm a ver com a nossa vida presente.
Pode o Governo, numa espécie
de treino antecipado para a Venezuela que seremos, mandar, em nome da regulação
da concorrência, esvaziar prateleiras de supermercados e interferir desastradamente nas taxas cobradas pelas empresas de distribuição pois grupos
como o agora nomeado para combater o racismo inventarão todos os dias um caso
para gerar comoções e fúrias.
Pode o procurador José Guerra
manter-se no cargo apesar das evidentes falhas no seu curriculum e das ainda
mais evidentes tentativas do ministério da Justiça para as esconder que ninguém
perguntará o porquê de tanta manobra pois esgotaremos a nossa indignação com a
morte dos veados numa herdade. Ou dos cães num canil. Ou dos ursos lá longe.
Pode a ministra Temido
continuar a privar milhares de portugueses de tratamentos médicos unicamente
por razões ideológicas pois o foco das nossas preocupações estará no combate ao
heteropatriarcado. Ou no combate ao que designam como alterações climáticas.
Pode António Costa acusar quem
o critica de liderar uma “campanha internacional contra Portugal” …
Podem o que quiserem porque
nós estaremos sempre com a cabeça longe. Enquanto não se perceber isto não se
percebe por que razão está antecipadamente derrotado o espaço da direita mesmo
quando ganha.
Nunca nos passou pela cabeça
que viesse a ser assim. Mas é assim que é.
Título e Texto: Helena
Matos, Observador,
17-1-2021
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