domingo, 17 de janeiro de 2021

Os passados da cabeça

O ministro da Economia manda esvaziar prateleiras de supermercados; a ministra da Saúde quer confiscar empresas; do ministério da Justiça saem documentos manipulados… e nós a ver cornos no Capitólio

Helena Matos

As cirurgias aos doentes com cancro são adiadas (ainda mais) e os computadores prometidos aos alunos em março do ano passado nunca chegaram. Mas o que leva os portugueses a manifestar-se? A vinda de Marine Le Pen a Lisboa.

Portugal é um país literalmente passado da cabeça: quanto mais a nossa vida se agrava e o regime se esboroa, mais nos indignamos com o longínquo e nos tornamos indiferentes ao que nos toca.

Assim, fazem-se manifestações porque uma dirigente política francesa vem a Lisboa, mas caso alguém se manifeste por aquilo que está a acontecer neste país ou nesta mesma cidade de Lisboa, logo se vê oportunamente rodeado de suspeições várias como aconteceu a Ljubomir Stanisic aquando dos protestos dos proprietários de restaurantes.

O nosso corpo está aqui, mas o cérebro está onde o leva a agenda mediático-socialista (eu sei que estas duas palavras se tornaram sinônimas, mesmo assim insisto no pleonasmo). Todos os dias, gente que a si mesma atribui certificados de democrata discute como ilegalizar aqueles que eles definem como fascistas. Simultaneamente medidas em catadupa normalizam o que é próprio das ditaduras.

Agora dá-se como certo que os velhos residentes em lares ilegais não terão o seu voto recolhido. Quando nos passou pela cabeça que em Portugal se inibiria o direito de voto a alguém em função da natureza da sua residência? Nunca, claro. Nós somos uma república. Estamos imbuídos dos princípios da igualdade, da solidariedade… Para lá do óbvio – não foram os velhos que escolheram ir para um lar ilegal, eles forampara lares ilegais porque não existem outros (e vão continuar sem existirporque deste modo a Segurança Social poupa o financiamento que teria de lhesgarantir caso os legalizasse) – não se pode aceitar que a natureza da residência defina quem pode ou não votar.

Indignações com este grave precedente? Os constitucionalistas que tanto constitucionalizam a propósito dos direitos adquiridos não têm agora nada a dizer? Ora, ora quem se pode preocupar com os votos dos velhos instalados em lares ilegais quando Marine Le Pen veio almoçar a Portugal? Isso sim é que é preocupante!

Disseram-nos que Portugal era um milagre e a nossa cabeça passou-se com tanta alegria. Depois do milagre da descrispação, do milagre do dinheiro para as reposições, do milagre do futebol, do milagre do Festival da Eurovisão, éramos outro milagre no combate ao Covid. 

Todos os dias a nossa cabeça partia à descoberta dos falhanços em geografias políticas rigorosamente selecionadas. Um dia, no meio de mais umas notícias sobre o horror do Covid nos EUA e do desastre da estratégia seguida pelos suecos, descobrimos que o inferno era aqui. E o país o que discute? Manaus. Sim, Manaus. Por que Manaus no Brasil e não a Bélgica, país onde o número de mortos ultrapassa tudo o que se pode imaginar? Ou com a Argentina, o país que uma “quarentena eterna” não salvou do Covid mas garantiu a fome (sim, na Argentina outrora grande potência agrícola, agoraexiste fome)? Ora, porque como toda a gente sabe a culpa das consequências do Covid no Brasil é de Bolsonaro.

Já a culpa das consequências do mesmo Covid pelo mundo varia em função da simpatia ou do respeitinho que esses governos têm ou impõem nas redacções e organizações internacionais. No topo da tabela da desresponsabilização está o governo de Portugal, país onde a culpa dos maus números é sempre dos portugueses que não cumprem como deviam as sábias instruções do seu governo. Portugal, recordo, é o país em que não se conhece um caso de contágio por Covid em nada que resulte da responsabilidade do Governo, como são os transportes públicos cheios e as filas resultantes da imposição de horários reduzidos nos supermercados, mas em que, dos parques infantis aos passeios ao ar livre, se considera perigoso tudo o que não seja ficar encerrado em casa.

Em conclusão, os governos de esquerda terão sempre um Manaus para entreter a cabeça dos portugueses. E quanto pior as coisas correrem em Portugal mais vamos andar empenhados em apedrejar o ódio de estimação do momento e mais tempo vamos gastar em combates que nada têm a ver com a nossa vida presente.

Pode o Governo, numa espécie de treino antecipado para a Venezuela que seremos, mandar, em nome da regulação da concorrência, esvaziar prateleiras de supermercados e interferir desastradamente nas taxas cobradas pelas empresas de distribuição pois grupos como o agora nomeado para combater o racismo inventarão todos os dias um caso para  gerar comoções e fúrias.

Pode o procurador José Guerra manter-se no cargo apesar das evidentes falhas no seu curriculum e das ainda mais evidentes tentativas do ministério da Justiça para as esconder que ninguém perguntará o porquê de tanta manobra pois esgotaremos a nossa indignação com a morte dos veados numa herdade. Ou dos cães num canil. Ou dos ursos lá longe.

Pode a ministra Temido continuar a privar milhares de portugueses de tratamentos médicos unicamente por razões ideológicas pois o foco das nossas preocupações estará no combate ao heteropatriarcado. Ou no combate ao que designam como alterações climáticas.

Pode António Costa acusar quem o critica de liderar uma “campanha internacional contra Portugal” …

Podem o que quiserem porque nós estaremos sempre com a cabeça longe. Enquanto não se perceber isto não se percebe por que razão está antecipadamente derrotado o espaço da direita mesmo quando ganha.

Nunca nos passou pela cabeça que viesse a ser assim. Mas é assim que é.

Título e Texto: Helena Matos, Observador, 17-1-2021

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