Não há contradição entre desprezar
indivíduos por suas visões repugnantes e, ao mesmo tempo, defender seu direito
de expressá-las
Rodrigo Constantino
As redes sociais surgiram como
plataformas neutras para dar voz a quem quer que fosse, mas com o passar do
tempo passaram a instrumentos de manipulação pela esquerda, com direito a
perseguição velada ou escancarada de conservadores. Foi a eleição de Trump em
2016 que acendeu todas as luzes de alerta para as Big Techs, e o establishment,
percebendo a perda do controle do debate, passou a pressionar essas empresas
para que agissem como censores e filtrassem os “discursos de ódio” da direita.
Em síntese, essas grandes
plataformas, como Twitter, YouTube e Facebook, tornaram-se manipuladores numa
guerra contra os conservadores. É o que sustenta, com bastante embasamento,
Peter J. Hasson em The Manipulators. A mídia mainstream,
o Partido Democrata e a academia seriam instituições com visão estreita de
mundo, porém arrogantes, e dispostas a impor essa visão limitada aos demais,
considerados “deploráveis” por eles.
O controle da esquerda sobre a
educação e a mídia tem sérias consequências para a vida dos norte-americanos
comuns, conforme o autor. É desse modo que ideias como “masculinidade tóxica”,
“privilégio branco” e “pronomes neutros” vazam para o discurso dominante: elas
germinam nos escritórios de acadêmicos da extrema esquerda, migram para as
redações de notícias e editoriais do The New York Times, encontram
eco nas mentes dos políticos democratas e, em seguida, são estampadas no
currículo obrigatório da sua escola local.
O advento das redes sociais serviu para furar essa bolha, quebrar esse monopólio da esquerda, e é contra isso que estão reagindo. Os cidadãos comuns se viram “empoderados” para expressar suas opiniões, reportar eventos e atingir uma ampla audiência sedenta de uma visão alternativa. Os “intelectuais” não gostaram do resultado, e desde então vêm tentando manipular o debate para um resgate da hegemonia “progressista”.
A postura predominante nessas
redes sociais é análoga a uma seita, com direito a hereges, pecados, expurgo e
salvação. Se acontecer de você ver o mundo de uma maneira diferente, se você
for um liberal clássico ou libertário ou mesmo, cruzes, um conservador, se você
acredita que uma universidade é um lugar onde qualquer ideia, por mais
repugnante que seja, pode ser debatida e refutada, você não está apenas errado,
você é imoral e precisa ser ou calado para sempre, ou enviado para a reeducação
forçada.
O perigo é essa intolerância
mascarada de tolerância levar a ações violentas em nome da paz. Claro, quando
você acredita que o discurso que se opõe ao seu ponto de vista é uma forma de
violência em si, então você pode justificar a violência real — ou a censura —
como uma questão de autodefesa. Aqueles que adotam os métodos fascistas se
sentem com a consciência tranquila por se enxergarem como antifascistas.
Uma resposta honesta à eleição
de 2016 do establishment “progressista” de esquerda teria sido
perceber que os conservadores têm sucesso on-line porque
apresentam um ponto de vista alternativo que muitos norte-americanos querem
ouvir e que a grande mídia exclui em boa parte. Em vez disso, diz Hasson, eles
declararam guerra a Trump e seus apoiadores. A grande mídia tornou-se um braço
de propaganda do Comitê Nacional Democrata, e a multidão esquerdista se voltou
para os gigantes das Big Techs e exigiu que eles silenciassem as vozes da
direita.
O autor expõe vários fatos e
declarações de funcionários do alto escalão dessas plataformas para corroborar
sua crítica, e não resta nenhuma dúvida: essas empresas estão usando seus
algoritmos e às vezes o arbítrio subjetivo de suas equipes de “censores” para
filtrar conteúdo com base na visão política e ideológica, sem nenhum critério
objetivo ou transparente.
A menos que sejamos capazes de falar o que pensamos, não podemos inovar
Os esquerdistas não precisam
banir todos os conservadores das mídias sociais; eles só precisam dominar as
redes sociais da mesma forma que dominam a mídia tradicional, mantendo um
simulacro de pluralismo. Funcionários já revelaram que é mais fácil ser um
marxista do que um republicano nessas empresas, e que o ambiente de trabalho é
bastante hostil a conservadores. Com base nesse viés, eles mascaram com os slogans de
combate às fake news e aos “discursos de ódio” o que é, na
prática, pura perseguição ideológica.
Na mesma linha de denúncia a
esse ataque à liberdade de expressão, Andrew Doyle lançou o pequeno livro Free
Speech and Why It Matters. Ele aborda mais a situação britânica, mas o
alerta serve para o mundo todo. Ao longo da última década, muitas pessoas
detectaram um padrão de pequenas mudanças em nossa cultura, diz ele, uma
espécie de reconfiguração gradativa em desacordo com nossos direitos conquistados
a duras penas de autonomia pessoal. Entre 2014 e 2019, quase 120 mil
“incidentes de ódio não criminais” foram registrados por forças policiais na
Inglaterra e no País de Gales, para se ter ideia.
Quando aqueles que anseiam por
uma sociedade mais justa também clamam por censura, nós nos vemos presos em
terreno desconhecido. Como devemos reagir quando as pessoas que desejam nos
privar de nossos direitos acreditam sinceramente que o estão fazendo para nosso
bem? A oposição à liberdade de expressão nunca desaparece, razão pela qual deve
ser novamente defendida a cada geração. É um privilégio que foi negado à
esmagadora maioria das sociedades na história humana. E ela morre quando o povo
se torna complacente e considera suas liberdades garantidas.
Doyle usa o caso de Galileu
para lembrar que as “heresias” de hoje podem ser as certezas de amanhã, e que
por isso mesmo devemos ser mais humildes e mais tolerantes com os discursos dos
outros, mesmo quando nos parecem absurdos. O autor não poderia destacar mais a importância
dessa liberdade: para ele, a liberdade de expressão é o pilar de nossa
civilização. E esse pilar está hoje ameaçado.
Em sua opinião, a liberdade de
expressão é um princípio que transcende as noções de “esquerda” e “direita”
porque todas as formas de discurso político dependem de sua existência. Sim,
pessoas desagradáveis tendem a usar seu discurso para apresentar ideias
reacionárias ou asquerosas, mas o direito humano que lhes permite fazer isso é
precisamente o mesmo que nos permite contra-atacar.
A liberdade de expressão é a
medula da democracia. Sem ela, nenhuma outra liberdade existe. É detestada por
tiranos porque dá poder a seus súditos cativos. É vista com desconfiança pelos
puritanos porque é a fonte da subversão. A menos que sejamos capazes de falar o
que pensamos, não podemos inovar ou mesmo começar a dar sentido ao mundo.
Hoje, Doyle reconhece que a
oposição mais firme contra a censura vem de comentaristas de direita, mas
lembra que há algumas décadas não era assim. Quem está no poder faz toda a
diferença, e por isso mesmo os defensores da liberdade de expressão precisam se
descolar de sua defesa por alianças políticas, e passar a defendê-la com base
apenas em princípios.
Historicamente, a censura foi
sempre decretada pelo Estado, mas com a ascensão das mídias sociais como a
praça pública de fato, as grandes corporações de tecnologia agora têm domínio
sobre os limites aceitáveis do discurso popular. E é aí que mora o perigo
moderno. É por isso, diz ele, que o argumento de que as empresas privadas devem
ser livres para discriminar à vontade não é mais persuasivo ou viável. Elas
afirmam ser plataformas comprometidas com o princípio da liberdade de expressão
e, ao mesmo tempo, se comportam como editores que buscam impor limitações às opiniões
que podem ser expressas.
Quem sai em defesa da
liberdade de expressão e contra a censura, porém, acaba sendo misturado aos
extremistas e radicais que querem apelar para essa liberdade somente para
espalhar bizarrices. “Defender a liberdade de expressão significa defender os
direitos daqueles cujo discurso desprezamos”, lembra o autor. Ideias
incontroversas não requerem tal proteção. Supor que defender o direito de
expressão de outra pessoa é uma forma de aprovação de seu conteúdo é um erro
grave que desencoraja muitos de nós a defender o princípio.
Não há contradição em
desprezar indivíduos por suas visões repugnantes e, ao mesmo tempo, defender
seu direito de expressá-las. É esse conceito e esse princípio que estão
faltando hoje para muitos poderosos que comandam as “praças públicas” da era
moderna.
Título e Texto: Rodrigo Constantino, revista Oeste, 51, 12-3-2021, 9h20
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