domingo, 14 de março de 2021

O pesque-pague de Luciano Huck

Ele quer concorrer à Presidência do país, mas apenas se tiver certeza de que vai ganhar

Alba Expider

Em 2021 parece que finalmente temos uma decisão: Luciano Huck quer concorrer com a certeza de que vai ganhar a Presidência da República. Aqui nós chegamos à alusão que está no título. Para quem não conhece, o pesque-pague é uma modalidade de pescaria em que você vai pescar com a certeza de que pegará o peixe. Você vai a uma fazenda ou lago, onde os peixes estão esperando para ser fisgados, lança sua isca, e paga depois por aqueles que conseguiu fisgar. Esqueça os desafios, as aventuras e o desbravamento da natureza, o importante é ter o peixe nas mãos. Nada contra a atividade, mas, para Presidência da República, essa “certeza” parece extremamente nebulosa. E ela se torna ainda mais difícil porque, depois que Jair Bolsonaro se tornou chefe do Executivo, a profissão tão sonhada de jogador de futebol foi substituída pelo desejo do cargo máximo da nação: todo mundo quer ser presidente do Brasil.

Não é de hoje que o apresentador global Luciano Huck vem flertando com a política. Desde 2018, Huck faz articulações, emite opiniões na internet e principalmente publica fotos com aqueles que ele acredita que vão fornecer uma espécie de capital político no futuro. Aliás, Luciano Huck parece uma espécie de Samara de O Chamado, filme de 2002. No filme, quem assistisse à fita da garota amaldiçoada morria no sétimo dia. O mesmo parece acontecer com Huck quando decide tirar uma foto com alguma figura importante: embora não chegue à morte, como no filme, o coadjuvante na cena geralmente tem a reputação jogada num abismo profundo.

Podemos comparar Luciano Huck com o youtuber Felipe Neto. O apresentador se parece muito com nosso cancelador oficial do Twitter: ambos são críticos do governo, têm soluções para qualquer problema, mas o passado da dupla santificada por boa parte da grande mídia a condena. Quando a decisão de se candidatar à Presidência da República for tomada, a vida inteira de Huck será revirada de cabeça para baixo por seus adversários. Sua fama de bom moço estará posta em xeque — “talvez você não seja tão iluminado quanto pensa” —, e chegamos ao questionamento acerca dessa possível candidatura: será que Luciano vai aguentar?

O ponto fraco da frágil candidatura tem um nome: casca. Duvida-se muito que o global, cercado de benesses e paparicos por trabalhar na emissora mais poderosa do país, tenha casca, estofo e demais escudos para aguentar uma campanha eleitoral. Ele tem inúmeras relações com políticos e personagens que sofrem processos, acusações ou até mesmo estão presos. Tudo isso será amplamente exposto. Até o momento, a única satisfação pública que Huck se viu obrigado a dar diz respeito ao jatinho adquirido com financiamento de banco público — brinquedo que custou 14 vezes o valor do capital social de sua empresa.

Façamos um exercício da candidatura de Luciano Huck. Vamos fingir estar em 2022 e o apresentador está confirmado para o pleito tão aguardado por muitos, inclusive por alguns governadores. Qual seria o partido da filiação? Podemos, Cidadania, PSB são grandes possibilidades dentro da carteira de investimentos de Huck. Mas que diferencial poderia ser suficientemente poderoso para a candidatura, de modo a garantir a “certeza” da vitória?

Um “conselheiro abençoado”, sempre com posicionamento blasé e pouca firmeza

O discurso anti-Bolsonaro não parece um grande diferencial. O presidente é chamado de genocida, negacionista, obscurantista e responsável por tudo o que acontece de ruim no país. Se sua bicicleta quebrar no caminho do trabalho ou da escola, fique tranquilo: culpe o presidente e você será abraçado. Esqueça as responsabilidades individuais de cada cidadão, a Câmara dos Deputados, os partidos, o Senado e até mesmo o STF. (Aliás, vamos lembrar que o próprio STF deu autonomia para que prefeitos e governadores pudessem determinar todas e quaisquer medidas contra o vírus chinês sem autorização do governo federal.) Continuaremos a culpar Jair Bolsonaro por tudo, certo? Dá like e também sobra uma vaga para ir ao Roda Viva, da TV Cultura. É um excelente começo de campanha.

O problema é que a maioria dos futuros candidatos está tentando a mesma fórmula, mas ela não está funcionando como todos pensavam. Mandetta, Sergio Moro, Doria, Ciro e, claro, Lula estão fazendo exatamente a mesma coisa de maneiras diferentes. Luciano Huck também segue o mesmo script, mas de forma menos afrontosa, menos direta. E aqui nós voltamos à pergunta-chave da eventual candidatura de Huck: como se diferenciar dos outros candidatos? Talvez o vocabulário ou o sapatênis. Esse é o desafio daquele que quer ter a “certeza” de que vai comandar a nação brasileira neste terceiro turno eterno.

A certeza fica menos assegurada quando dados apresentados pela Paraná Pesquisas mostram o presidente liderando com 30% as intenções de votos em cinco cenários. Parece que boa parte do povo não está comprando a cartilha do culpado por tudo. Qual seria o plano B de Luciano Huck? Ele continua sendo uma espécie de conselheiro abençoado do governo no Twitter, sempre com posicionamento blasé e pouca firmeza. Esqueça esquerda e direita, o importante é sempre parecer muito polido. Será que é isso que o povo brasileiro procura?

A eleição de Jair Bolsonaro no Brasil pode ter conferido ao cargo uma característica que muitos dos candidatos não têm: é preciso ter fibra para falar o que pensa, sem se importar muito com as palavras, estando certo ou não. Boa parte do povo admira isso — o establishment concordando ou não. Luciano Huck não tem o perfil de um estadista com coragem para dizer o que pensa porque isso custaria sua reputação ou comprometeria sua boa relação com empresários. Pelo menos é o que parece até aqui.

Huck é aquele tucano com nariz empinado, que fala bonito, mas não tem contundência e não passa verdade. É um candidato normal, um político boa-praça que quer estar bem com todo mundo e ao mesmo tempo acenar para a plateia dizendo que está fazendo o seu. Vamos esperar a hora “H” (sem trocadilhos) da decisão acerca da candidatura. Mas lembremos que para chegar perto da “certeza de ganhar” é necessário ter coragem de enfrentar todo o passado, o presente, e explicar muita coisa. Ou ir para Trancoso. Eu, se fosse Luciano, preferiria ficar em Trancoso.

Título e Texto: Alba Expider, revista Oeste, nº 51, 12-3-2021, 9h20

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