quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

[Observatório de Benfica] Maioria Absoluta. E agora?

Mário A. Florentino

Já muito foi dito e escrito sobre o resultado das eleições de 30 de janeiro, que deram a maioria absoluta ao Partido Socialista e uma grande vitória a António Costa. O que poderemos então esperar para esta legislatura de quatro anos?

Nem tudo é mau. Na vertente econômica, é possível que as coisas melhorem um pouco. Estando o PS liberto da pressão (o ministro Santos Silva chamou-lhe chantagem) dos partidos da extrema-esquerda e da esquerda radical, poderá aplicar uma política econômica mais favorável às empresas e ao crescimento. A escolha dos ministros nas áreas econômicas já poderá dar uma indicação nesse sentido. Aguardemos pelos nomes.

Já nas empresas e outros organismos públicos, as coisas tenderão a piorar. Se, mesmo sem maioria absoluta no Parlamento, o PS tendia a colocar nos lugares-chave os seus amigos, sendo acusado de atuar como “dono disto tudo”, então imagine-se o que poderá fazer com maioria absoluta. Conseguirá Marcelo refrear o ímpeto de assalto ao poder dos “boys” e “girls” socialistas?

Na Assembleia da República deu-se uma viragem à direita, com o aumento do número de deputados do Chega e da IL, de dois para vinte, em contraponto com a redução do BE e do PCP, de trinta e um para onze. Assim, apesar da maior estabilidade governativa resultante da maioria, o ruído do debate parlamentar será refletido na sociedade, pelo que não se julgue que serão tempos demasiado calmos em termos de conflitualidade e pequenas crises. Não serão.

Um partido com as características do Chega, com doze deputados eleitos pelo povo, tenderá a criar muitas polémicas mediáticas. Temas que até agora têm estado fora dos principais debates, como a imigração, a ideologia do gênero, a cultura de cancelamento, etc., passarão a estar no centro do debate. Como, de resto, já acontece em toda a Europa.

Noutras áreas, como a educação, a saúde ou a segurança social, é previsível que a Iniciativa Liberal marque a agenda e o debate político (como até aconteceu já um pouco na campanha). Isso será muito positivo para os portugueses, porque estas áreas precisam de uma mentalidade menos estatista e mais liberal. Os portugueses devem poder fazer as suas escolhas livremente, como acontece no Norte da Europa. A este nível, poderemos tornar-nos mais europeus. O próprio PS, com a sua ala mais moderada (que felizmente ainda existe, apesar dos seis anos de geringonça), poderá aderir a algumas destas ideias mais liberais e favoráveis a uma escolha livre e responsável. 

Finalmente, o papel do Presidente da República. Marcelo, o grande jogador político, o homem que prevê antecipadamente todos os cenários e contra-cenários, nem ele deve por um momento ter imaginado que o PS teria maioria absoluta. Que nada o favorece. Sentirá mais responsabilidades, e terá de abandonar o seu papel de “Presidente das selfies”. Precisará de muita criatividade. Com ou sem vichyssoise.

Aguardam-se tempos interessantes, a nível político e social. Aqui estaremos para acompanhar.

Fica BEM 👍

A eleição de oito deputados pela Iniciativa Liberal. Se, com apenas um deputado, a IL conseguiu trazer muitos temas importantes – sobretudo nas áreas econômicas – para o debate público, e inclusivamente definir a agenda da campanha, então imagine-se o que será capaz com oito deputados na casa da democracia. Ainda por cima, oito quadros muito competentes e bem-preparados. Já ninguém parece ter dúvidas que a IL veio para ficar. Com mais liberalismo econômico, ganham todos os portugueses, sobretudo os mais desfavorecidos.  

Fica MAL 👎

Rui Rio. A certa altura, parecia que a campanha lhe estava a correr bem, e até que poderia ganhar. Afinal saiu-lhe tudo ao contrário. Perdeu votos para a direita, e não conquistou o centro, o seu objetivo obsessivo (contra tudo e contra todos). Não é que a campanha tenha sido má, mas tudo o que fez antes, ao longo de quatro anos de oposição, não foi apenas mau, foi péssimo. Deixa o PSD com contas certas, mas de rastos.  

Título e Texto: Mário A. Florentino, Benfica, 3 de fevereiro de 2022

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9 comentários:

  1. Até onde sei, esta foi a segunda vez que o PS vence com maioria absoluta. A primeira foi em 2009, com o senhor Sócrates. Dois anos depois, Portugal mendigava. Curioso como a maioria do povo português carece de amor-próprio; não lhe causa nenhum embaraço depender de dinheiro que vem do estrangeiro.
    Essa ausência de orgulho patriota lembra um vírus, todos sabemos quem o criou e dissemina. Faz lembrar o livro “A 25ª Hora”, de Virgil Gheorghiu, narrando a história de Iohan Moritz, alude a um verme que a União Soviética inoculara nos cérebros dos romenos…
    E este status ou way of life vai perdurar, tristemente.

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    1. Veremos como se comporta agora este novo PS, os momentos históricos são, apesar de tudo, diferentes desse tempo de Sócrates. Mas não estou tão pessimista como alguns. Afinal de contas, no total de número de votos a direita subiu e a esquerda desceu.

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    2. Só uma correcção de pormenor: a primeira foi em 2005. Em 2009, ganhou de novo mas sem maioria absoluta - e isto apesar de (ou talvez graças a), à porta das eleições, aumentar os funcionários do Estado acima da inflação esperada

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  2. Sobre o senhor Rui Rio: muito provável que muitos simpatizantes do PSD não tenham esquecido o comportamento desse senhor perante o seu correligionário, Pedro Passos Coelho, enquanto este foi primeiro-ministro.

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    1. Em meu entender, o decisivo para a maioria absoluta do PS foi o voto útil da extrema-esquerda. Mas sobre isso falarei no meu texto desta semana. Abraço.

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    2. Estou convicto de algo semelhante ter acontecido com o PCP e alguns dos seus militantes e eleitores ocasionais. Muitos militantes não compreenderam que o partido tenha permitido a degradação dos serviços públicos e dado o silêncio nas ruas em troca de alguns favores políticos quase simbólicos. E o PCP perdeu muitas câmaras porque perdeu muitos eleitores ocasionais que costumavam votar CDU nas eleições locais apesar de serem eleitores habituais do PSD ou até CDS em eleições nacionais: até à geringonça, estes eleitores, mesmo se não partilhavam nenhuma da ideologia comunista, respeitavam a coerência do PCP em não ceder nos seus valores e o seu trabalho nas autarquias.

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    3. Caro João Sousa. Obrigado pelo seu comentário. Sim, tem toda a razão. O PCP perdeu essa coerência histórica e isso ter-lhe-á custado muitos votos. O mesmo poderá ter acontecido com o BE (não que seja coerente como o PCP, mas também perdeu por ter apoiado o PS). Um fenómeno interessante de seguir será o novo Parlamento, em que PCP+BE têm 9 deputados, ao passo que os novos partidos Chega e IL têm mais do dobro.

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  3. Agradeço a interação com os comentaristas.

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