sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Jacinda Ardern é o rosto da tirania gentil

A primeira-ministra da Nova Zelândia é a cara do autoritarismo do século 21


Brendan O'Neill

A tirania passou por uma reforma. Ela não é mais uma bota pisando um rosto humano. Não é um policial grosseiro arrastando você até uma cela por ter ou expressar uma ideia “perigosa”. Não é um padre amarrando você a uma roda de tortura. Não, o autoritarismo agora é bem-vestido. É educado. Tem um sorriso largo e fala com uma voz doce. Ele não chega pela bota de um soldado no crânio, mas com um movimento delicado de inclinar a cabeça. E seu nome é Jacinda Ardern. 

A primeira-ministra da Nova Zelândia, a líder mundial preferida de todo esquerdista on-line, viralizou depois que um discurso chocante feito por ela na ONU começou a circular. Diante das lideranças reunidas do mundo todo, a senhora Ardern soou o alarme sobre uma nova “arma de guerra”. É “perigosa”, ela anunciou. E oferece uma “ameaça” grave para a humanidade. Essa arma pode nos arrastar para o “caos”. Precisamos tomar uma atitude agora, ela pediu aos poderosos, para podermos desativar essa arma e “colocar o mundo em ordem de novo”.

O que é essa arma terrível, essa munição hostil, que Arden quer tão apaixonadamente desativar? A liberdade de expressão.

Ela estava falando de palavras. Sério. De ideias, de discordâncias, de divergências. O foco de seu discurso foi a suposta praga da “desinformação e das fake news on-line”. Precisamos atacá-la, Ardern afirmou. Ela reconheceu que algumas pessoas estão preocupadas que “até mesmo as abordagens mais leves à desinformação” possam parecer “hostis aos valores da liberdade de expressão”. Estamos mesmo. Mas, mesmo assim, as elites globais precisam acabar com as bobagens virtuais porque elas podem “provocar o caos”, declarou a premiê.

Nesse embalo, ela declarou que o discurso às vezes pode ser uma “arma de guerra”. Algumas pessoas usam armas de fato para fazer o mal, outras usam palavras: “As armas podem ser diferentes, mas os objetivos daqueles que as perpetuam costumam ser os mesmos… reduzir as habilidades de outras pessoas se defenderem”. “Guerra é paz”, afirmou o Grande Irmão. A Grande Irmã Jacinda Ardern enxerga isso de forma um pouco diferente: guerra é fala. Palavras machucam, ideias matam — essa é a declaração da queridinha global contra a liberdade. 

E ela realmente está falando de ideias. Políticos modernos que retorcem as mãos diante das “fake news” ou da “desinformação” em geral estão só falando das crenças de que não gostam. Dessa forma, na ONU, Jacinda Ardern citou o ceticismo em relação à mudança climática como um exemplo de uma dessas “armas de guerra” que podem provocar o “caos”. “Como lidar com a mudança climática se as pessoas não acreditam que ela existe?”, perguntou. Criticar o alarmismo da mudança climática e questionar as afirmações histéricas do lobby ecológico de que bilhões de pessoas vão morrer e a Terra vai arder se não reduzirmos de forma drástica nossas emissões de carbono são um debate político totalmente legítimo. Ao tratá-los como uma espécie de terraplanismo, como “desinformação”, as novas elites tentam demonizar os dissidentes e tratar as pessoas cujas opiniões são diferentes das suas como equivalentes intelectuais dos belicistas. Barack Obama também afirma que as “fake news” sobre a mudança climática — que, para ele, incluem colocar o movimento ambientalista sob uma “perspectiva muito negativa” — são uma ameaça para a segurança da humanidade. Seja malvado com os ecologistas, e as pessoas vão morrer.

Discorde do consenso woke sobre qualquer coisa — da mudança climática à covid-19 —, e você corre o risco de ser rotulado de desinformante maligno

Podem me chamar de “arma de guerra”, mas acredito que a liberdade de expressão deve incluir a liberdade de ser negativo — até mesmo muito negativo — sobre os ecoativistas. Aliás, os ativistas cujo alarde sobre o fim do mundo pode genuinamente ser chamado de desinformação. Mas eles nunca são rotulados dessa forma. Isso porque as “fake news” não significam mais informações enganosas. Elas significam divergência. Discorde do consenso woke sobre qualquer coisa — da mudança climática à covid-19 —, e você corre o risco de ser rotulado de desinformante maligno.

Na verdade, uma das coisas mais chocantes sobre o discurso da primeira-ministra Ardern foi a afirmação de que, se as elites ignorarem as “fake news”, “as regras que valorizamos” vão correr risco. Esse é o clamor mais comum do autoritarismo do século 21: o discurso pode ter um impacto desestabilizante e até potencialmente fatal, em especial se ele estiver relacionado a grandes crises, como a mudança climática ou a covid-19. Então os “negacionistas do clima” são uma ameaça para o futuro da raça humana e, portanto, é legítimo silenciá-los. Os “negacionistas do lockdown” ameaçam incentivar a disseminação de uma infecção viral e, assim, é legítimo amordaçá-los. O espectro da crise é usado com cinismo para calar qualquer um que discorde do novo consenso global. Imagens do apocalipse são mobilizadas para justificar a censura dos encrenqueiros. “Caos”, como afirma Ardern, é o que vai acontecer se suas ideias perigosas e irresponsáveis tiverem rédea solta.

Para entender como o desejo de silenciar a “desinformação” pode ser autoritário, basta lembrar alguns líderes do mundo que também usaram a plataforma da ONU para pedir controles de expressão mais rigorosos. Muhammadu Buhari, o brutal governante da Nigéria, destacou as “muitas experiências desagradáveis com o discurso de ódio e desinformações desagregadoras” de sua nação e se juntou aos pedidos de silenciar a “onda de desinformação e ‘fake news’”. Sergey Lavrov, ministro das Relações Exteriores russo, lamentou a “desinformação” sobre seu país. A plateia que aplaude Jacinda Ardern por se pronunciar sobre as “fake news” está implicitamente celebrando Buhari e Lavrov também. Eles estão alinhados com a rainha woke quando se trata de escorraçar as “fake news” da esfera pública.

A liberdade de expressão está em perigo. E ela não está só sendo ameaçada pelos ditadores óbvios — como governantes corruptos da Nigéria e os tiranos teocráticos do Irã —, mas também por uma mulher sorridente e politicamente correta que é fervorosamente bajulada pelos sinalizadores da virtude no mundo todo. O discurso de Jacinda Ardern na ONU expôs o punho de ferro do autoritarismo que se esconde dentro da luva de veludo do pensamento woke. De seu lockdown feroz, que proibiu até os cidadãos neozelandeses de voltarem ao próprio país, à sua longa guerra contra o discurso “extremista”, essa é uma mulher que posa de liberal, mas não sabe o que isso significa. Se você quer uma imagem do futuro, não pense em uma bota sobre um rosto humano, imagine Jacinda Ardern colocando o braço ao redor dos seus ombros e dizendo a você com um sorriso aberto que é preciso sacrificar a sua liberdade para salvar o mundo do caos.

Título e Texto:  Brendan O'Neill, da Spiked, Revista Oeste, nº 133, 7-10-2022

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