A primeira-ministra da Nova Zelândia é a cara do autoritarismo do século 21
Brendan O'Neill
A tirania passou por uma
reforma. Ela não é mais uma bota pisando um rosto humano. Não é um policial
grosseiro arrastando você até uma cela por ter ou expressar uma ideia
“perigosa”. Não é um padre amarrando você a uma roda de tortura. Não, o
autoritarismo agora é bem-vestido. É educado. Tem um sorriso largo e fala com
uma voz doce. Ele não chega pela bota de um soldado no crânio, mas com um
movimento delicado de inclinar a cabeça. E seu nome é Jacinda Ardern.
A primeira-ministra da Nova Zelândia, a líder mundial preferida de todo esquerdista on-line, viralizou depois que um discurso chocante feito por ela na ONU começou a circular. Diante das lideranças reunidas do mundo todo, a senhora Ardern soou o alarme sobre uma nova “arma de guerra”. É “perigosa”, ela anunciou. E oferece uma “ameaça” grave para a humanidade. Essa arma pode nos arrastar para o “caos”. Precisamos tomar uma atitude agora, ela pediu aos poderosos, para podermos desativar essa arma e “colocar o mundo em ordem de novo”.
O que é essa arma terrível,
essa munição hostil, que Arden quer tão apaixonadamente desativar? A liberdade
de expressão.
Ela estava falando de palavras. Sério. De ideias, de discordâncias, de divergências. O foco de seu discurso foi a suposta praga da “desinformação e das fake news on-line”. Precisamos atacá-la, Ardern afirmou. Ela reconheceu que algumas pessoas estão preocupadas que “até mesmo as abordagens mais leves à desinformação” possam parecer “hostis aos valores da liberdade de expressão”. Estamos mesmo. Mas, mesmo assim, as elites globais precisam acabar com as bobagens virtuais porque elas podem “provocar o caos”, declarou a premiê.
Nesse embalo, ela declarou que o discurso às vezes pode ser uma “arma de guerra”. Algumas pessoas usam armas de fato para fazer o mal, outras usam palavras: “As armas podem ser diferentes, mas os objetivos daqueles que as perpetuam costumam ser os mesmos… reduzir as habilidades de outras pessoas se defenderem”. “Guerra é paz”, afirmou o Grande Irmão. A Grande Irmã Jacinda Ardern enxerga isso de forma um pouco diferente: guerra é fala. Palavras machucam, ideias matam — essa é a declaração da queridinha global contra a liberdade.
E ela realmente está falando
de ideias. Políticos modernos que retorcem as mãos diante das “fake news” ou
da “desinformação” em geral estão só falando das crenças de que não gostam.
Dessa forma, na ONU, Jacinda Ardern citou o ceticismo em relação à mudança
climática como um exemplo de uma dessas “armas de guerra” que podem provocar o
“caos”. “Como lidar com a mudança climática se as pessoas não acreditam que ela
existe?”, perguntou. Criticar o alarmismo da mudança climática e questionar as
afirmações histéricas do lobby ecológico de que bilhões de
pessoas vão morrer e a Terra vai arder se não reduzirmos de forma drástica
nossas emissões de carbono são um debate político totalmente legítimo. Ao
tratá-los como uma espécie de terraplanismo, como “desinformação”, as novas
elites tentam demonizar os dissidentes e tratar as pessoas cujas opiniões são
diferentes das suas como equivalentes intelectuais dos belicistas. Barack Obama
também afirma que as “fake news” sobre a mudança climática — que, para
ele, incluem colocar o movimento ambientalista sob uma “perspectiva muito
negativa” — são uma ameaça para a segurança da humanidade. Seja malvado com os
ecologistas, e as pessoas vão morrer.
Discorde
do consenso woke sobre qualquer coisa — da mudança climática à
covid-19 —, e você corre o risco de ser rotulado de desinformante maligno
Podem me chamar de “arma de
guerra”, mas acredito que a liberdade de expressão deve incluir a liberdade de
ser negativo — até mesmo muito negativo — sobre os ecoativistas. Aliás, os
ativistas cujo alarde sobre o fim do mundo pode genuinamente ser chamado de
desinformação. Mas eles nunca são rotulados dessa forma. Isso porque as “fake
news” não significam mais informações enganosas. Elas significam
divergência. Discorde do consenso woke sobre qualquer coisa —
da mudança climática à covid-19 —, e você corre o risco de ser rotulado de
desinformante maligno.
Na verdade, uma das coisas
mais chocantes sobre o discurso da primeira-ministra Ardern foi a afirmação de
que, se as elites ignorarem as “fake news”, “as regras que valorizamos”
vão correr risco. Esse é o clamor mais comum do autoritarismo do século 21: o
discurso pode ter um impacto desestabilizante e até potencialmente fatal, em
especial se ele estiver relacionado a grandes crises, como a mudança climática
ou a covid-19. Então os “negacionistas do clima” são uma ameaça para o futuro
da raça humana e, portanto, é legítimo silenciá-los. Os “negacionistas do lockdown”
ameaçam incentivar a disseminação de uma infecção viral e, assim, é legítimo
amordaçá-los. O espectro da crise é usado com cinismo para calar qualquer um
que discorde do novo consenso global. Imagens do apocalipse são mobilizadas
para justificar a censura dos encrenqueiros. “Caos”, como afirma Ardern, é o
que vai acontecer se suas ideias perigosas e irresponsáveis tiverem rédea
solta.
Para entender como o desejo de
silenciar a “desinformação” pode ser autoritário, basta lembrar alguns líderes
do mundo que também usaram a plataforma da ONU para pedir controles de
expressão mais rigorosos. Muhammadu Buhari, o brutal governante da Nigéria,
destacou as “muitas experiências desagradáveis com o discurso de ódio e
desinformações desagregadoras” de sua nação e se juntou aos pedidos de
silenciar a “onda de desinformação e ‘fake news’”. Sergey Lavrov,
ministro das Relações Exteriores russo, lamentou a “desinformação” sobre seu
país. A plateia que aplaude Jacinda Ardern por se pronunciar sobre as “fake
news” está implicitamente celebrando Buhari e Lavrov também. Eles estão
alinhados com a rainha woke quando se trata de escorraçar as “fake
news” da esfera pública.
A liberdade de expressão está
em perigo. E ela não está só sendo ameaçada pelos ditadores óbvios — como
governantes corruptos da Nigéria e os tiranos teocráticos do Irã —, mas também
por uma mulher sorridente e politicamente correta que é fervorosamente bajulada
pelos sinalizadores da virtude no mundo todo. O discurso de Jacinda Ardern na
ONU expôs o punho de ferro do autoritarismo que se esconde dentro da luva de
veludo do pensamento woke. De seu lockdown feroz,
que proibiu até os cidadãos neozelandeses de voltarem ao próprio país, à sua
longa guerra contra o discurso “extremista”, essa é uma mulher que posa de
liberal, mas não sabe o que isso significa. Se você quer uma imagem do futuro,
não pense em uma bota sobre um rosto humano, imagine Jacinda Ardern colocando o
braço ao redor dos seus ombros e dizendo a você com um sorriso aberto que é
preciso sacrificar a sua liberdade para salvar o mundo do caos.
Título e Texto: Brendan O'Neill, da Spiked, Revista Oeste, nº 133, 7-10-2022
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Revista Oeste, edição nº 133, 7 de outubro de 2022
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