sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Uma primavera de girassóis

O povo está vestido de verde e amarelo, as bandeiras do Brasil estão nas varandas, nos carros, motos e caminhões... E não é pela Copa do Mundo de Futebol


Ana Paula Henkel

Étienne de La Boétie, francês, filósofo, escritor e fundador da “filosofia política moderna” na França foi para muitos apenas o grande amigo do eminente ensaísta Michel de Montaigne. Mesmo na França, La Boétie é uma figura que não saiu das sombras do quase anonimato. Nenhum retrato dele sobreviveu e sua vida é mal documentada, embora Montaigne o compare a Sócrates como “uma bela alma por trás de um rosto feio”. No entanto, ele é um dos teóricos políticos franceses mais influentes do século 16, embora seja mais conhecido hoje por seu ensaio Discurso da Servidão Voluntária, em que ele explora por que a maioria muitas vezes capitula voluntariamente às demandas de uma pequena minoria dominante.

Nesta curta obra, escrita por volta de 1550, o francês faz uma crítica à legitimidade de alguns governantes, chamados por ele de “tiranos”, e aborda as maneiras com que os povos podem se submeter voluntariamente ao governo de um só homem. A primeira abordagem vem pelo hábito: quem está acostumado à servidão tende a não questioná-la. Logo em seguida, La Boétie visita a servidão pela religião e pela superstição, algo que se cria em torno da figura do líder. Mas, para o filósofo, não são apenas esses dois métodos para criar a servidão voluntária. A chave da dominação consiste em envolver o dominado na própria estrutura da dominação, uma pirâmide de poder: o tirano domina meia dúzia, essa meia dúzia domina 600, esses 600 dominam 6 mil, e abaixo desses 6 mil vêm todos os outros.

Para La Boétie, os que estão em volta do tirano são os menos livres de todos, pois, se as outras pessoas são simplesmente obrigadas a obedecer, esses, além disso, querem antecipar os desejos do tirano para não perderem seus postos. Dessa maneira, escolhem, livremente, a própria servidão. Em o Discurso da Servidão Voluntária, La Boétie propõe a reflexão sobre uma questão que está na base da política, seja em 1552, seja em 2022: o motivo que leva as pessoas a obedecerem sem enxergar o que, de fato, está em jogo ou acontecendo — e o que pode levar uma pessoa a abrir mão de sua própria liberdade. A servidão voluntária de La Boétie mergulha na perda do desejo de liberdade, uma vez que “os homens, enquanto neles houver algo de humano, só se deixam subjugar se forem forçados ou enganados”.

E o brasileiro foi enganado por muito tempo. Obedeceu a regimes totalitários psicológicos que aprisionaram a independência intelectual e foi alimentado a pão e circo durante tempo demais. O brasileiro foi ludibriado por um sistema perfeito que fingia proteger a liberdade, que fingia se preocupar com a nação, que fingiu por muito, muito tempo que o voto representaria sua voz no Parlamento, que o Congresso trabalhava a favor do povo e que as instituições funcionavam. Mas no meio do caminho tinha um 2018, tinha um 2018 no meio do caminho. E no meio desse caminho, o povo, alimentado pelas migalhas de pouco pão, mas com fartura de circo, conheceu Adam Smith, Thomas Sowell, Jordan Peterson, Olavo de Carvalho… e tantos outros pensadores da liberdade. Liberdade preciosa que já era objeto de extrema preocupação e visita em 1552 na França de La Boétie.

E foi exatamente no caminho do calabouço intelectual em que se encontrava o brasileiro que Olavo de Carvalho, aquele das mil teorias conspiratórias que são realidade hoje, apareceu para falar de um tal “teatro das tesouras”. Eu não faria justiça aos ensinamentos do professor se tentasse colocar aqui, mesmo de maneira direta, a brilhante explicação de Olavo daquilo que foi uma mentira, um transe durante anos e anos no Brasil. A visão que Olavo nos trouxe um divisor de águas no caminho de nossa atual independência intelectual — a que, de fato, está alimentando nossa independência política — está em um artigo espetacular de 2002 para o jornal O Globo, com o título “A mão de Stalin está sobre nós”. Ali, Olavo desnuda o roteiro macabro que assolou o Brasil durante tempo: o teatro das tesouras, a falsa dicotomia entre PT e PSDB — fios do mesmo tecido político.

“Neste país há três e não mais de três correntes políticas organizadas: o socialismo fabiano que nos governa, o socialismo marxista e o velho nacional-esquerdismo janguista. O socialismo fabiano distingue-se do marxista porque forma quadros de elite para influenciar as coisas desde cima em vez de organizar movimentos de massa. Seu momento de glória veio com a administração keynesiana de Roosevelt, que, a pretexto de salvar o capitalismo, estrangulou a liberdade de mercado e criou uma burocracia estatal infestada de comunistas, só sendo salva do desastre pela eclosão da guerra.

Muitos querem insistir que os brasileiros estão fora de seus empregos, longe de suas casas — há 18 dias! — simplesmente por não aceitarem o resultado das eleições. Mas eles sabem que não é apenas isso

No poder, os fabianos dão uma maquiada na economia capitalista, enquanto fomentam por canais aparentemente neutros a disseminação de ideias socialistas, promovem a intromissão da burocracia em todos os setores da vida (não necessariamente os econômicos) e subsidiam a recuperação do socialismo revolucionário. Quando este está de novo pronto para a briga, eles saem de cena envergando o rótulo de “direitistas”, que lhes permitirá um eventual retorno ao poder como salvadores da pátria se os capitalistas voltarem a achar que precisam deles para deter a ascensão do marxismo revolucionário. Então novamente eles fingirão salvar a pátria enquanto salvam, por baixo do pano, o socialismo.

A articulação dos dois socialismos era chamada por Stalin de “estratégia das tesouras”: consiste em fazer com que a ala aparentemente inofensiva do movimento apareça como única alternativa à revolução marxista, ocupando o espaço da direita de modo que esta, picotada entre duas lâminas, acabe por desaparecer. A oposição tradicional de direita e esquerda é então substituída pela divisão interna da esquerda, de modo que a completa homogeneização socialista da opinião pública é obtida sem nenhuma ruptura aparente da normalidade. A discussão da esquerda com a própria esquerda, sendo a única que resta, torna-se um simulacro verossímil da competição democrática e é exibida como prova de que tudo está na mais perfeita ordem.

“(…) No governo, nossos fabianos seguiram sua receita de praxe: administraram o capitalismo como se fossem capitalistas, ao mesmo tempo que espalhavam a doutrinação marxista nas escolas, demoliam as Forças Armadas, instituíam novas regras de moralidade pública inspiradas no marxismo cultural da Escola de Frankfurt, neutralizavam por meio da difamação midiática as lideranças direitistas, criavam um aparato de repressão fiscal destinado a colocar praticamente fora da lei a atividade capitalista e, last not least, subsidiavam com dinheiro público o crescimento do MST, a maior organização revolucionária que já existiu na América Latina. Em suma: fingiam cuidar da saúde do capitalismo enquanto destruíam suas bases políticas, ideológicas, culturais, morais, administrativas e militares, deixando o leito preparado para o advento do socialismo.”

Ah! Olavo… que falta você faz. Você tentou nos avisar, mesmo lá do Estado da Virgínia, nos EUA, mas disseram que você não batia bem das ideias — e hoje sabemos os motivos para tanta perseguição, para tantos ataques. O sistema precisava te calar. Mas chega aí, professor. Olha o que está acontecendo nas ruas, estradas, casas e mentes no Brasil. Olha a sua semente, Olavo. O povo está discutindo comunismo, socialismo, Foro de São Paulo — outra “loucura” da sua cabeça que está agora não apenas diante de nós, mas querendo engolir o Brasil. O povo não está aceitando o que fizeram com as nossas eleições, com o nosso Congresso, com a nossa Suprema Corte, com a nossa Constituição! Você está vendo daí, professor? O povo está vestido de verde e amarelo, as bandeiras do Brasil estão nas varandas, nos carros, motos e caminhões… E nem é pela Copa do Mundo de Futebol que está para começar. As bandeiras estão amarradas nos pescoços das pessoas e das crianças, viraram capas de super-heróis, Olavo. A primavera de girassóis chegou!

“É golpe!”, eles gritam. O exército está nas ruas, fato. Mas não o exército das Forças Armadas com tanques e soldados, mas os soldados pelo Brasil com as forças armadas. Uma multidão insuportável, munida de patriotismo, cooperação, resiliência e fé. Gente que não tem vergonha de cantar o hino e orar pelo país. Gente que entendeu a Parábola do Talentos, registrada no Evangelho de Mateus (25:14-30) e que foca em sua parte final a questão da necessidade da vigilância e da realidade do juízo vindouro. Jesus diz, ali naquele sermão e muito claramente, que nesse dia os salvos e os ímpios serão separados. A Parábola dos Talentos foi contada por Jesus na semana em que Ele foi traído e vale muito a pena sua leitura e reflexão para os dias de hoje. O que cada um de nós está fazendo pelo país e contra a tirania a que fomos submetidos?

Muitos querem insistir que os brasileiros estão fora de seus empregos, longe de suas casas — há 18 dias! — simplesmente por não aceitarem o resultado das eleições. Mas eles sabem que não é apenas isso. Eles sabem que foram quatro anos de tentativas de desestabilizar um governo técnico não apenas pela imprensa carcomida e vendida, mas por meios ilegais e inconstitucionais através da carcomida e vendida banda podre do Poder Judiciário. Chega. O povo está dizendo chega. Podemos até voltar para nossas casas e para a vida cotidiana, mas a vida jamais voltará ao normal diante do que foi feito, diante do imundo caminho pavimentado para soltar um bandido que assaltou o Brasil e colocá-lo na Presidência.

De volta a La Boétie e ao Discurso da Servidão Voluntária, o francês aborda as razões pelas quais os seres humanos se submetem ao domínio de tiranos. Para ele, há três razões que levam o homem à servidão voluntária. Nascer na servidão; a estrutura de poder, na qual “o tirano submete uns por intermédio dos outros”; e a covardia, ou tornar-se “covarde” sob a tirania. La Boétie escreve que, “com a perda da liberdade, perde-se imediatamente a valentia (…). Perdem também a energia em todo o resto, têm o coração abatido e mole e não são capazes de grandes ações. Os tiranos o sabem e, à vista deste vício, fazem tudo para piorá-lo”. Por isso, seduzem os povos através de jogos, de maneira que, “assim ludibriados (…), divertiam-se com o vão prazer que lhes passava diante dos olhos e habituavam-se a servir com simplicidade igual à das crianças (…)”.

Senhor Alexandre, chega aí. O senhor vai ter de mandar prender muita gente. Milhares, milhões. O brasileiro está mostrando suas verdadeiras cores, e a covardia não é uma delas.

Em 1552, Étienne de La Boétie argumentou que a liberdade e o desejo por ela são os estados naturais da humanidade, e que, mesmo sob a tirania, a liberdade é facilmente recuperada:

“Resolva não servir mais, e aí está você, livre. Eu não quero que você o empurre ou o derrube, mas simplesmente não o segure mais, e você o verá, como um enorme colosso com a base retirada, desmoronar sob seu próprio peso e se desfazer”.

Pois é… Parece que um bando de “manés”, como diria uma figura tosca do quadro da tirania brasileira à la Étienne de La Boétie, vai continuar amolando, para o desespero dos malandros.

Título e Texto: Ana Paula Henkel, Revista Oeste, nº 139, 18-11-2022

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