quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Catarse coletiva

Rodrigo Constantino

"Há uma parcela da nossa sociedade que considera que o nosso processo [eleitoral] tem problemas. Eu, de minha parte, vejo que nós precisamos dar mais transparência a esse processo. Não bastam, pura e simplesmente, respostas lacônicas do nosso Tribunal Superior Eleitoral no sentido de contestar eventuais denúncias ou denúncias ou argumentações", disse o vice-presidente e senador eleito Mourão, durante viagem oficial a Portugal.

Sobre a população ainda nas ruas após mais de vinte dias, Mourão disse: "As manifestações não são golpistas. Isso é uma coisa que vocês da imprensa estão colocando. É uma manifestação de gente que não se conformou com o processo, que considera que o processo é viciado. Essas pessoas não estão na rua de forma desordeira. Estão num processo de, digamos, catarse coletiva, no sentido de aceitar algo que eles consideram que não foi correto."

O termo catarse provém do grego “kátharsis” e é utilizado para designar o estado de libertação psíquica que o ser humano vivencia quando consegue superar algum trauma como medo, opressão ou outra perturbação psíquica. A catarse representa a cura de um paciente, que é alcançada através da expressão verbal de experiências traumáticas recalcadas. Mas os manifestantes não querem curar um trauma, e sim impedir que um pesadelo se torne realidade.

A velha imprensa tenta dar um ar de mau perdedor ao povo que não engoliu ainda a vitória de Lula, mas é este mesmo o caso? Participei de um podcast americano com enorme audiência nesta quarta, e ao ter de explicar para os estrangeiros o que se passa no Brasil, foi necessário fazer um breve resumo desde o começo, quando o ministro supremo Lewandowski rasgou a Constituição para garantir direitos políticos a Dilma.

Nesse exercício de relembrar passo a passo a escalada autoritária e ilegal do nosso Poder Judiciário, tudo para soltar, tornar Lula elegível e perseguir bolsonaristas, fica muito claro que o Brasil não é um país sério, mas sim uma republiqueta das bananas mergulhada no caos jurídico. Alguns episódios que revelei foram encarados com grande desconfiança pelos apresentadores, que tiveram de checar as informações na internet durante o programa. Eles ficaram incrédulos com alguns relatos, que são mesmo surreais demais.

Quando contei, por exemplo, que um grande empresário teve a visita da polícia federal em sua casa pelo “crime” de dar uma curtida num comentário de um grupo fechado de WhatsApp, o entrevistador quase caiu da cadeira. O Brasil não é para amadores – ou para gringos. Alexandre de Moraes, com sua pinta de vilão do 007, abusou tanto do poder que nem é possível listar numa conversa de poucas horas tudo que ele já fez ao arrepio da Constituição da qual deveria ser o guardião.

Em suma, catarse coletiva pode ser uma expressão adequada para ilustrar o povo revoltado, chocado, mas é preciso contextualizar: quem não está estarrecido com tudo que foi feito pelo sistema podre para recolocar o ladrão na cena do crime está ou hibernando há anos ou sem lastro ético algum. Qualquer brasileiro decente está indignado e traumatizado com tudo isso. E de preferência lutando com todas as suas armas para reverter a situação.

Título e Texto: Rodrigo Constantino, Gazeta do Povo, 23-11-2022, 15h32

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