John Stuart Mill
Antes de deixar o assunto da liberdade de opinião, é adequado tomar nota daqueles que dizem que deve ser permitida a livre expressão de todas as opiniões, desde que seja com moderação, e não se ultrapassem os limites de uma discussão justa. Muito se podia dizer acerca da impossibilidade de fixar esses supostos limites; pois se o teste for o fato de aqueles cuja opinião é atacada ficarem ofendidos, penso que a experiência demonstra que haverá uma ofensa sempre que o ataque for eficaz e poderoso, e que qualquer oponente que puxe muito por eles (e a quem eles tenham dificuldade em responder) lhes parece imoderado, bastando para tal que mostre um sentimento forte sobre o assunto.
Mas esta consideração, embora
seja importante do ponto de vista prático, funde-se com uma objeção mais
básica. Sem dúvida que o modo de defender uma opinião pode ser bastante
objetável e pode incorrer justamente em censura, ainda que a opinião seja
verdadeira. Mas as principais ofensas do gênero são tais que é quase sempre
impossível, a não ser que inadvertidamente revelemos os nossos pensamentos, que
produzam convicção.
A mais grave entre elas é
argumentar sofisticamente, suprimir fatos ou argumentos, deturpar os elementos
do caso, ou descrever enganosamente a opinião oposta. Mas tudo isto é tão
continuamente feito em boa-fé até ao cúmulo da exasperação por pessoas que não
são consideradas ignorantes e incompetentes, e que em muitos outros aspectos
poderão não merecer ser consideradas como tal, que raramente é possível
classificar conscienciosamente a representação errada como moralmente culpável,
com base em fundamentos adequados; e ainda menos podia a lei ter a presunção de
interferir neste tipo de má conduta controversa.
Em relação àquilo que
geralmente se entende por discussão imoderada, nomeadamente invectivas,
sarcasmo, ataques pessoais e coisas do gênero, a denúncia destas armas
mereceria mais compreensão se alguma vez se propusesse que fossem interditadas
a ambos os lados; mas apenas se deseja restringir o seu uso contra a opinião
prevalecente; contra a opinião não prevalecente, não só podem ser usadas sem
desaprovação geral, como também aquele que as usar receberá elogios pelo seu
empenho honesto e justa indignação.
Todavia, qualquer mal que resulte da sua utilização será maior quando forem usadas contra as opiniões comparativamente indefesas; e as opiniões dominantes são as beneficiárias quase exclusivas da vantagem injusta que se possa adquirir através deste modo de as defender.
A pior ofensa deste tipo que
pode ser cometida por uma argumentação é estigmatizar como pessoas más e
imorais aquelas que sustentam a opinião contrária. Aquelas que sustentam uma
opinião impopular estão particularmente expostas a este tipo de calúnia, porque
são em geral poucas e têm pouca influência, e ninguém a não ser elas próprias
sente muito interesse em que lhes seja feita justiça; mas, devido à natureza do
caso, esta arma é negada aos que atacam uma opinião prevalecente; não podem
usá-la sem arriscar a sua segurança pessoal; e, mesmo se pudessem, isso não
teria outro efeito senão virar-se contra a sua própria causa.
Em geral, as opiniões
contrárias às comumente dominantes só podem ser ouvidas através de uma
moderação deliberada da linguagem, e o mais cauteloso evitar ofensas
desnecessárias, uma estratégia de que não se podem desviar sem começar logo a
perder terreno: ao passo que o uso da vituperação desmedida por parte da
opinião prevalecente impede de fato as pessoas de professar opiniões
contrárias, e de escutar aqueles que as professam.
Por isso, a bem da verdade e
da justiça, é muito mais importante restringir a utilização de linguagem
vituperativa por parte de opiniões prevalecentes do que por parte de opiniões
não prevalecentes; e, por exemplo, se fosse necessário escolher, haveria muito
mais necessidade de desencorajar ataques ofensivos aos infiéis do que à
religião.
No entanto, é óbvio que a lei
e a autoridade não têm o direito de refrear qualquer deles, ao passo que a
opinião deve, em todos os casos, determinar o seu veredicto a partir das
circunstâncias do caso individual; condenando todas as pessoas —
independentemente do lado de que se posicionem — em cuja defesa se manifeste
malícia, reacionarismo, intolerância de sentimento ou falta de sinceridade; mas
não inferindo estes vícios do lado que uma pessoa toma; ainda que seja o lado
contrário ao seu; e dando honra merecida a quem, independentemente da opinião
que sustente, tenha calma suficiente para perceber e descrever honestamente a
verdadeira natureza dos seus oponentes e das suas opiniões, nem exagerando os
seus aspectos negativos, nem deixando de mencionar os seus aspectos positivos,
ou presumíveis aspectos positivos. Esta é a verdadeira moralidade da discussão
pública: e ainda que seja frequentemente desrespeitada, fico feliz em pensar
que há muitos polemistas que em grande medida a respeitam, e muitos mais que
fazem um esforço consciencioso nesse sentido.
Título e Texto: John Stuart
Mill, in “sobre a Liberdade”, páginas 87/90
Diversidade de opinião
Trapaça sem fim
Calores e omissões reveladores
Liberdade de opinião e liberdade de expressão
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