quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Liberdade de Opinião

 John Stuart Mill

Antes de deixar o assunto da liberdade de opinião, é adequado tomar nota daqueles que dizem que deve ser permitida a livre expressão de todas as opiniões, desde que seja com moderação, e não se ultrapassem os limites de uma discussão justa. Muito se podia dizer acerca da impossibilidade de fixar esses supostos limites; pois se o teste for o fato de aqueles cuja opinião é atacada ficarem ofendidos, penso que a experiência demonstra que haverá uma ofensa sempre que o ataque for eficaz e poderoso, e que qualquer oponente que puxe muito por eles (e a quem eles tenham dificuldade em responder) lhes parece imoderado, bastando para tal que mostre um sentimento forte sobre o assunto.

Mas esta consideração, embora seja importante do ponto de vista prático, funde-se com uma objeção mais básica. Sem dúvida que o modo de defender uma opinião pode ser bastante objetável e pode incorrer justamente em censura, ainda que a opinião seja verdadeira. Mas as principais ofensas do gênero são tais que é quase sempre impossível, a não ser que inadvertidamente revelemos os nossos pensamentos, que produzam convicção.

A mais grave entre elas é argumentar sofisticamente, suprimir fatos ou argumentos, deturpar os elementos do caso, ou descrever enganosamente a opinião oposta. Mas tudo isto é tão continuamente feito em boa-fé até ao cúmulo da exasperação por pessoas que não são consideradas ignorantes e incompetentes, e que em muitos outros aspectos poderão não merecer ser consideradas como tal, que raramente é possível classificar conscienciosamente a representação errada como moralmente culpável, com base em fundamentos adequados; e ainda menos podia a lei ter a presunção de interferir neste tipo de má conduta controversa.

Em relação àquilo que geralmente se entende por discussão imoderada, nomeadamente invectivas, sarcasmo, ataques pessoais e coisas do gênero, a denúncia destas armas mereceria mais compreensão se alguma vez se propusesse que fossem interditadas a ambos os lados; mas apenas se deseja restringir o seu uso contra a opinião prevalecente; contra a opinião não prevalecente, não só podem ser usadas sem desaprovação geral, como também aquele que as usar receberá elogios pelo seu empenho honesto e justa indignação.

Todavia, qualquer mal que resulte da sua utilização será maior quando forem usadas contra as opiniões comparativamente indefesas; e as opiniões dominantes são as beneficiárias quase exclusivas da vantagem injusta que se possa adquirir através deste modo de as defender.

A pior ofensa deste tipo que pode ser cometida por uma argumentação é estigmatizar como pessoas más e imorais aquelas que sustentam a opinião contrária. Aquelas que sustentam uma opinião impopular estão particularmente expostas a este tipo de calúnia, porque são em geral poucas e têm pouca influência, e ninguém a não ser elas próprias sente muito interesse em que lhes seja feita justiça; mas, devido à natureza do caso, esta arma é negada aos que atacam uma opinião prevalecente; não podem usá-la sem arriscar a sua segurança pessoal; e, mesmo se pudessem, isso não teria outro efeito senão virar-se contra a sua própria causa.

Em geral, as opiniões contrárias às comumente dominantes só podem ser ouvidas através de uma moderação deliberada da linguagem, e o mais cauteloso evitar ofensas desnecessárias, uma estratégia de que não se podem desviar sem começar logo a perder terreno: ao passo que o uso da vituperação desmedida por parte da opinião prevalecente impede de fato as pessoas de professar opiniões contrárias, e de escutar aqueles que as professam.

Por isso, a bem da verdade e da justiça, é muito mais importante restringir a utilização de linguagem vituperativa por parte de opiniões prevalecentes do que por parte de opiniões não prevalecentes; e, por exemplo, se fosse necessário escolher, haveria muito mais necessidade de desencorajar ataques ofensivos aos infiéis do que à religião.

No entanto, é óbvio que a lei e a autoridade não têm o direito de refrear qualquer deles, ao passo que a opinião deve, em todos os casos, determinar o seu veredicto a partir das circunstâncias do caso individual; condenando todas as pessoas — independentemente do lado de que se posicionem — em cuja defesa se manifeste malícia, reacionarismo, intolerância de sentimento ou falta de sinceridade; mas não inferindo estes vícios do lado que uma pessoa toma; ainda que seja o lado contrário ao seu; e dando honra merecida a quem, independentemente da opinião que sustente, tenha calma suficiente para perceber e descrever honestamente a verdadeira natureza dos seus oponentes e das suas opiniões, nem exagerando os seus aspectos negativos, nem deixando de mencionar os seus aspectos positivos, ou presumíveis aspectos positivos. Esta é a verdadeira moralidade da discussão pública: e ainda que seja frequentemente desrespeitada, fico feliz em pensar que há muitos polemistas que em grande medida a respeitam, e muitos mais que fazem um esforço consciencioso nesse sentido.

Título e Texto: John Stuart Mill, in “sobre a Liberdade”, páginas 87/90

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