Flávio Gordon
“Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que ‘Dele’ emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação” (Às Instituições e ao Povo Brasileiro, nota oficial dos comandantes das três forças armadas, em 11 de novembro de 2022)
Treze minutos! Foi o tempo que
Alexandre de Moraes levou para reagir à entrevista coletiva na qual o PL
apresentou o seu relatório técnico, elaborado por engenheiros do Instituto
Tecnológico da Aeronáutica (ITA), apontando problemas nas urnas eletrônicas
anteriores a 2020 e pedindo a anulação dos votos registrados nesses
equipamentos no segundo turno. E o fez da maneira habitual: com parcialidade e
politicagem rasteira. Sem, obviamente, ter tido tempo para cumprir o único
dever que lhe caberia enquanto presidente do tribunal eleitoral (já que,
desgraçadamente, existe no país um tribunal eleitoral), Moraes resolveu posar de
enxadrista político, tentando intimidar os querelantes por meio de despacho
dando prazo de 24 horas para inclusão de material também referente ao primeiro
turno da corrida eleitoral. Num contexto de colapso total do Estado de Direito,
e de omissão das instituições que deveriam resguardá-lo, já nem mais nos
espantamos que um magistrado trate abertamente como inimigo político uma das
partes em disputa judicial que lhe impende julgar. Eis o “novo normal”.
Mas, posto que estranhamente
acostumados a uma tão distópica situação nacional, precisamos com urgência
recobrar o senso de realidade e o brio coletivo para afirmar que, obviamente, a
brincadeirinha de Reich tropical ou de stalinismo moreno já foi longe demais. O
personagem em questão parece ter acreditado na fábula lisonjeira contada pela
imprensa sicofanta, que o vem tratando – a sério e de maneira elogiosa! – como
xerife. Sua cerimônia de posse na presidência do tribunal eleitoral teve tons
imperiais e esgares mussolinianos. Todavia, não há juízes-xerifes ou
juízes-imperadores numa república que se pretenda democrática. Numa tal
república, o cidadão Alexandre de Moraes é igual aos outros. Na condição de
servidor público de alto escalão, aliás, deveria sê-lo até um pouco menos, no
sentido de estar mais exposto a críticas e cobranças por parte da sociedade. O
seu poder, sobretudo, só pode derivar do que prevê a Constituição, na ausência
da qual perde toda a legitimidade.
Moraes e os outros ministros trataram pelo menos metade do eleitorado –
aquela metade que não simpatizava com o candidato deles – com deboche e rancor.
Aos anseios por transparência, responderam com censura e ameaças. Às dúvidas
sobre segurança, com piadinhas
Em relação ao relatório
técnico apresentado pelo Ministério da Defesa há alguns dias, a estratégia
havia sido mentir descaradamente e tentar enganar o público quanto ao teor, que
foi simplesmente invertido pela propaganda do tribunal eleitoral e pela
imprensa corrupta que lhe serve de assessoria de comunicação. Assim como haviam
feito em 2014 em relação à auditoria contratada pelo PSDB, cuja conclusão pela
inauditabilidade do sistema fora similar à do Ministério da Defesa, o tribunal
e a imprensa companheira também deturparam o conteúdo do documento. “O Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) recebeu com satisfação o relatório final do Ministério
da Defesa, que, assim como todas as demais entidades fiscalizadoras, não
apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas
e no processo eleitoral de 2022” – disse em nota o tribunal após o envio do
relatório. E a imprensa sabuja repetiu bovinamente.
O problema é que o documento
não dizia nada disso, tanto que, no dia seguinte, o Ministério da Defesa viu-se
na obrigação de desfazer as fake news. Em nota oficial intitulada “Relatório
das Forças Armadas não excluiu a possibilidade de fraude ou inconsistência nas
urnas eletrônicas”, o ministério informou ao público: “Com a finalidade de
evitar distorções do conteúdo do relatório enviado, ontem (9/11), ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), o Ministério da Defesa esclarece que o acurado
trabalho da equipe de técnicos militares na fiscalização do sistema eletrônico
de votação, embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da
existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo
eleitoral de 2022”.
A nota lembrava ainda os pontos sensíveis levantados pelo relatório: 1. Possível risco à segurança na geração dos programas das urnas eletrônicas devido à ocorrência de acesso dos computadores à rede do TSE durante a compilação do código-fonte; 2. Insuficiência dos testes de funcionalidade das urnas (Teste de Integridade e Projeto-Piloto com Biometria) para afastar a possibilidade da influência de um eventual código malicioso capaz de alterar o funcionamento do sistema de votação; e 3. Restrições ao acesso adequado dos técnicos ao código-fonte e às bibliotecas de software desenvolvidas por terceiros, inviabilizando o completo entendimento da execução do código, que abrange mais de 17 milhões de linhas de programação. E concluía: “em consequência dessas constatações e de outros óbices elencados no relatório, não é possível assegurar que os programas que foram executados nas urnas eletrônicas estão livres de inserções maliciosas que alterem o seu funcionamento.
Por isso, o Ministério da Defesa solicitou ao
TSE, com urgência, a realização de uma investigação técnica sobre o ocorrido na
compilação do código-fonte e de uma análise minuciosa dos códigos que
efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas, criando-se, para esses
fins, uma comissão específica de técnicos renomados da sociedade e de técnicos
representantes das entidades fiscalizadoras”.
O relatório da equipe
altamente qualificada contratada pelo PL resultou de uma tal investigação
técnica. Somado ao relatório da Defesa, o documento joga uma pá de cal na
falácia do “sistema 100% seguro”, “orgulho nacional”, “exemplo para o mundo” e
outras patacoadas impostas como mandamentos divinos. Diante desse novo
contexto, as autoridades eleitorais e seus porta-vozes não poderão simplesmente
continuar estigmatizando os críticos e calando as dúvidas. O “perdeu, mané”
talvez seja celebrado como glória nos convescotes no Copacabana Palace, onde os
torcedores vitoriosos – eles próprios árbitros da partida – podem tripudiar dos
rivais a uma distância segura, gargalhando ao lembrar dos pênaltis inexistentes
marcados a favor do seu time e das expulsões injustas de jogadores do time
adversário. Mas, do lado de fora do baile, uma sociedade em crescente ebulição
continua esperando por respostas. Uma sociedade que parece dizer cada vez mais
alto, com destemor e inabalável convicção: “Basta!”
Título e Texto: Flávio
Gordon, Gazeta do Povo, 23-11-2022, 19h46
O provocador de tumultos
Mourão cobra transparência do TSE
Moraes nega pedido do PL e condena partido a pagar multa de R$ 22 mi
Três comandantes das PMs ignoram reunião com Moraes
Catarse coletiva
Bolsonaro recorre ao TSE. Mas não quero alimentar falsas esperanças
A gota que faltava para levar o povo às ruas
Deputado de partido de Kassab tenta barrar "CPI do Xandão"
ResponderExcluirChristine KELLY
ResponderExcluir@christine_kelly
Avant que les choses ne changent je profite pour dire bien haut et fort que j’emmerde de tous ceux qui m’insultent depuis 4 ans.
Ça vient du cœur.
Que vergonha!!
ResponderExcluirMarcos Cintra, em depoimento à PF: ‘Fui induzido ao erro’