quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Marcellum Falcon

Pedro Candeias

Decidi espreitar:
O Falcon 50 da Presidência da República tem 6,97 metros de altura e 18,86 metros de envergadura, leva uma tripulação de três e suporta 12 passageiros e duas macas, consegue voar a 887 km/h e durante sete horas no máximo, e tem combustível suficiente para 5.500 quilómetros.

Ora, como o Catar fica a 7.500 km de Lisboa, o Falcon 50 em que Marcelo viaja para o Mundial2022 terá de fazer uma paragem para reabastecimento: o voo partiu às 07h30 do Aeródromo de Trânsito n.º1 de Lisboa e o Presidente da República esteve acompanhado por meia dúzia de militares que lhe bateram continência antes de entrar nesta aeronave construída por uma empresa chamada, adequadamente, Marcel Dassault.

O protocolo presidencial foi cumprido em Figo Maduro, um dia depois de o Presidente ter sido protocolarmente libertado na Assembleia da República, com alguns votos contra, para viajar até ao Mundial e assistir ao jogo de Portugal na quinta-feira. Tudo isto seria absolutamente normal – é assim há 200 anos –, não fosse um ligeiro problema reputacional deste pequeno emirado absurdamente rico com área equivalente à de Trás-os-Montes e Alto Douro.

E é aqui que se entrincheiram as convicções.

É normal que a mais alta figura do estado português se desloque a um evento cujo anfitrião viciou comprovadamente o sorteio de atribuição a seu favor? Marcelo não estará assim a validar um país sobre o qual recaem acusações de escravatura, intolerância perante as mulheres e a comunidade gay? Ou, pelo contrário, isto é uma oportunidade para entreabrir a porta de um mundo fechado ao progresso? Ou estaremos todos – jornalistas, comentadores, cidadãos, adeptos – apenas a ser hipócritas? Ou uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa completamente diferente?

A resposta a perguntas desta natureza será sempre matéria de opinião, mas factos são factos e, enfim, convém não esquecer isto: o Catar comprou o Mundial e o Catar contraria múltiplos valores e proíbe demasiadas coisas para um evento à escala planetária; sobretudo, um evento de um desporto coletivo em que várias vezes os mais fortes, mais ricos, mais altos e mais favorecidos perdem. O futebol, à sua maneira, é um motor para o elevador social e também de inclusão. Tê-lo no Catar é um paradoxo sancionado por 200 mil milhões de euros.

Mas é para lá que Marcelo viaja no Falcon, deixando para trás a guerra de palavras para assistir a uma parada das estrelas num país que não parece deste milénio [finalmente, o trocadilho Star Wars que justifica o título desta newsletter] para lá falar de direitos humanos. Desta vez, espera-se, um bocadinho mais a sério.

Fá-lo-á antes do jogo, durante o jogo ou depois do jogo, provavelmente num modelo flash interview presidencial em que tudo aquilo que se diz do futebol e da política é irremediavelmente chutado para canto. Porque o futebol e a política misturam-se, sim, como a manteiga no pão.

Título e Texto: Pedro Candeias, Expresso curto, 23-11-2022

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2 comentários:

  1. Processo de escolha
    O processo de escolha para as sedes das edições de 2018 e 2022 iniciou em janeiro de 2009, e as associações interessadas tinham até 2 de fevereiro de 2009 para enviar a documentação necessária.
    Inicialmente, onze propostas foram recebidas pela FIFA, porém o México decidiu desistir do processo,] e a candidatura da Indonésia foi rejeitada pela FIFA em fevereiro de 2010, após a Associação de Futebol da Indonésia não apresentar uma carta de garantia do governo indonésio para apoiar a candidatura.
    No final, havia cinco propostas para a competição, a Austrália, Catar, Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão. Os membros do Comitê Executivo da FIFA se reuniram em Zurique em 2 de dezembro de 2010 para votar e selecionar as sedes das duas edições.
    Dois membros foram suspensos antes da votação após alegações de corrupção em relação aos seus votos.
    A vitória do Catar foi classificada como tendo alto risco operacional pela mídia estadunidense, australiana e britânica.
    Foi severamente criticada após os escândalos de corrupção na FIFA.
    O Catar é o menor país em área e população que irá sediar uma Copa do Mundo FIFA, superando a Suíça, que havia sediado em 1954.

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  2. Já imaginou se fosse um presidente, de Direita assumida, que tanto quisesse passear no Qatar?! Imaginam os decibéis da "indignação"?!

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