sábado, 2 de julho de 2011

Primeira prova de Passos Coelho


João Marcelino
1 No que diz respeito à forma, o debate do Programa do Governo mostrou um Executivo que se comporta de maneira diferente perante as perguntas da oposição. Se José Sócrates passava por cima de muitas perguntas - bastava que as achasse irrelevantes ou incómodas -, Pedro Passos Coelho recorre às notas para ver se não falha nenhuma, dirigindo-se directamente a cada um dos deputados, mesmo àqueles que não são das primeiras linhas do respectivo partido. E onde Sócrates colocava ironia, quando não cinismo, o novo primeiro-ministro esforça-se por parecer humilde e educado.
Estamos perante dois estilos e uma estudada intenção de contrastar, em todos os aspectos, com a governação anterior.
Pedro Passos Coelho garantiu que não iria desculpar-se com a situação herdada, ou perder-se em referências às decisões do passado recente. Tem cumprido. E até nisso ele procura que esse contraste, subliminar mas intenso, seja evidente à generalidade da opinião pública.
2 No que diz respeito ao que realmente interessa, à substância, mais uma vez se prova que governar é sempre mais difícil do que fazer oposição.
Repare-se: no dia 1 de Abril, Pedro Passos Coelho garantia que não iria mexer, se chegasse ao cargo ao qual os portugueses quiseram que ele chegasse, nos subsídios de férias ou de Natal. Mas passados três meses, na sua primeira ida à Assembleia da República, decidiu fazer exactamente o contrário por motivos que só o futuro poderá julgar com todo o rigor.
A "contribuição especial", uma das tais medidas que iriam para além do assumido no caderno de encargos do empréstimo internacional, é o primeiro choque do novo chefe do Governo com o mundo real das decisões.

3 Este debate, que fora essa medida correu muito bem ao Governo, fica marcado pela boa estreia das Finanças (Vítor Gaspar, discreto mas seguro), da Justiça (Paula Teixeira da Cruz, intensa e ao mesmo tempo conciliadora), da Segurança Social (Pedro Mota Soares, genuíno e empenhado) e da Educação (Nuno Crato, um homem entusiasmado com a missão), e a discrição absoluta do titular da pasta da Economia, Álvaro Santos Pereira, cujo protagonismo na Assembleia ficou a aguardar um melhor timing, o qual será o de notícias positivas para o relançamento económico (coisa que não houve, antes pelo contrário).
Sobretudo Paula Teixeira da Cruz trouxe um rol de intenções muito positivas, no seu estilo enérgico que parece altamente recomendado para a missão. Ficou traçado um plano geral que não agride (qualquer corporação) mas também não defrauda (quem entende que este é um dos sectores que mais urgentemente têm de ser reformados). E ficou a promessa de um sério combate à corrupção e ao enriquecimento ilícito, duas verdadeiras chagas da sociedade portuguesa.
4 O Governo vai agora começar a trabalhar com algumas necessidades muito concretas, uma das quais é mostrar como irá cumprir a promessa de cortar, até final do ano, 1200 milhões de euros à despesa do Estado.
Pode dizer-se que o Governo de Pedro Passos Coelho parte com um ambiente de boa vontade como raramente se viu na Assembleia. Nem o PCP nem o Bloco se atreveram a apresentar moções de rejeição. O PS reiterou o apoio a todas as medidas que façam parte do acordo com os credores. Mesmo nas palavras o tom foi de rara simpatia pessoal e estudada distância política de que talvez só terá destoado o discurso final do PCP, a cargo de Francisco Lopes.
Urge agora cumprir as promessas, desde logo aquela que voltou à agenda no bom discurso final de Paulo Portas: que não haverá jobs for the boys. A sociedade portuguesa fica a aguardar que, para além das nomeações essenciais, de confiança política e pessoal nos gabinetes, tal venha a ser uma verdade. Até hoje, nunca o foi.
João Marcelino, Diário de Notícias, 02-06-2011
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