Leiam, por favor, o que o atual ministro da Fazenda, do Brasil, Guido Mantega, escreveu sobre o Plano Real, em 12 de julho de 1994, no jornal "Folha de S. Paulo":
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http://acervo.folha.com.br/fsp/1994/07/12/424 |
Diga-se o que quiser do Plano
Real, pelo menos num aspecto ele foi bem sucedido. Conseguiu excitar a
imaginação popular e passar a impressão de algo novo e diferente dos planos
anteriores.
Os arquitetos do real não
pouparam sua imaginação para lançar velhas ideias com aparência de novas, como
o Comitê da Moeda, Banco Central independente, ou a dolarização com
conversibilidade, mesmo que nada disso tenha sido utilizado.
Chegaram ao ponto de
reinventar os reis ou reais, uma nova moeda fantasiada do dólar e garantida por
um lastro que não exerce nenhum papel prático, uma vez que o real não é
conversível, a não ser o de dar a impressão de que o real vale tanto quanto a
moeda norte-americana.
E todo esse barulho para quê?
Para vestir com roupagens sofisticadas e muitos truques de ilusão, mais um
ajuste tradicional, calcado no corte de gastos sociais, numa contração dos
salários, num congelamento do câmbio e outros ativos e, sobretudo, num forte
aperto monetário com taxas de juros estratosféricas.
A parte mais imaginativa do
plano, que foi a superindexação da economia pela URV, revelou-se a mais
perversa, porque passou a ideia de que os salários estavam sendo perfeitamente
indexados e resguardados da inflação. Quando, na verdade, foram colocados em desvantagem
na conversão para a URV em relação a preços, tarifas e vários outros custos e
ainda perderam os reajustes automáticos que a lei salarial lhes garantia.
De primeiro de julho em diante
os salários serão pagos em real, que tem a aparência de ser uma moeda indexada,
como se tivesse herdado as virtudes da URV, porém é uma moeda desindexada e
totalmente vulnerável a corrosão inflacionária do real.
A regra de conversão dos
salários pela média e dos preços, tarifas e outros custos pelo pico, matou dois
coelhos de uma só cajadada. Reduziu preventivamente a demanda dos assalariados,
que poderia aumentar com a queda brusca da inflação e comprimiu os custos
salariais, dando uma folga para os preços.
Com esses artifícios, os
preços têm chance de apresentar alguma estabilidade por algum tempo, porque
desfrutarão de um conjunto de custos estáveis, como salários, tarifas,
matérias-primas importadas, aluguéis e tudo o mais que foi congelado por até 12
meses, sem a aparência de estar congelado.
E aqui também a ilusão
funcionou, porque vendeu-se a idéia de que o plano não utilizou o congelamento,
quando, na verdade, congelou o câmbio, tarifas, aluguéis e contratos. Só não
congelou mesmo os preços e deixou os salários no limbo de um semicongelamento,
com o ônus de correr atrás do prejuízo que será causado pela inflação do real.
Portanto, mais do que um plano
eficiente e bem concebido, o real é um jogo de aparências, que pode durar
enquanto não ficar evidente que as contas do governo não vão fechar por causa
dos juros altos, que o mercado sozinho não é capaz de conter os preços dos
oligopólios sem uma coordenação das expectativas por parte do governo, que os
salários não manterão o poder aquisitivo por muito tempo, que o real não vale
tanto quanto o dólar.
Mas não se deve subestimar a
eficiência das aparências e dos jogos de prestigiação nas artimanhas
eleitorais. As remarcações preventivas dos preços, junto com os congelamentos,
permitirão uma inflação moderada em julho e, talvez, uma ainda menor em agosto,
numa repetição da trajetória dos preços por ocasião da implantação da URV, que
subiram muito em fevereiro, na véspera da fase dois, elevando os índices de
inflação de março, e depois caíram em abril e só voltaram a subir em maio e
junho.
A questão é saber em quanto
tempo o grosso da população irá perceber que uma inflação moderada por si só,
acompanhada por um aperto monetário e recessão, não melhora sua situação, não
cria empregos e, na ausência de uma lei salarial e correções automáticas, pode
ser tão deletéria quanto uma inflação de 30% a 40% com indexação.
Colaboração: Rafael Picate
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