Até um ET já ouviu California Dreamin' — simplesmente a grande canção-símbolo dos anos 60, que todos amam — mesmo quem odeia os anos 60 e tudo o que aquela maldita década representa. Um sucesso avassalador de apenas 2 minutos e meio, onde os vocais só duram um minuto e a letra só tem uma estrofe. Ironicamente, é mesmo uma ironia com os babacas californianos deslumbrados: a situação cantada naquela música tão vibrante é a paisagem depressiva do frio no inverno. "Todas as folhas estão marroms / E o céu é cinza / Fui para uma igreja / E fingi rezar / Se eu estivesse na Califórnia / Eu estaria aquecido". Bang. Fim. Ou melhor, foi o Grande Começo. Big Bang.
Os Mamas & Papas surgiam
no vídeo desse cavalo de batalha como um protótipo de uma família americana
perfeita: maravilhosamente entrosados, felizes, inocentes, exibindo o melhor do
otimismo de uma época em seu visual (a)berrante.
Amor aos montes era o
que eles transpiravam em cada foto singela, intimista, tocante. E tudo explodiu
com aquela canção inesquecível, que mais do que marcou época. Eles fizeram
uma época e definiram o que aquele tempo foi e deveria ser.
E tiveram o que mereciam: 40
milhões de discos vendidos em 5 álbuns, em apenas 3 anos. Deviam durar pra
sempre.
Mas... como disse o cientista que inventou os replicantes para o seu filho artificial Rutger Hauer em Blade Runner, "a lâmpada que brilha mais forte é a que se apaga mais rápido". E, olhando em retrospecto, o fim deles já era inevitável desde o início, por sua própria matéria-prima instável. O último ato estava contido no primeiro. Basta olhar como tudo começou. Peraí. Agora, bateu um flashback.
O John Phillips não devia se meter com jovenzinhas. Depois de uma série de fracassos com bandas folk que deram em nada e um casamento morno, eis que um dia ele bateu os olhos naquela chave de cadeia, digo, naquela ninfetinha loira e linda de morrer: Michelle Gilliam devia ter sido só mais um caso, mas em vez de acender uma faísca, ela provocou um incêndio no coração do músico. Mais que depressa, John se divorciou, e poucos meses depois já estava casado com aquela princesinha hippie descolada de Hollywood. Coitado. Ele seria apenas o primeiro da fila de maridos e amantes daquela destruidora de lares.
Foi aí que o parceiro
canadense Denny Doherty ficou de saco cheio e resolveu chutar o pau da barraca,
partindo pra um projeto novo e ousado: um grupo vocal de dois casais, com a
parte instrumental a cargo de músicos contratados e não-creditados. Parecia
sacanagem. E era mesmo. Das boas. Só faltava uma cantora. Uma GRANDE cantora. A
garantia infalível que dessa vez tudo ia dar certo. E eis que surge Cass
Elliott. Com 100 quilos de peso e toneladas de talento, ela esmagou a
concorrência e foi aprovada em todos os testes. O único que não
acreditou nela foi o próprio big boss. Phillips estava convencido que o
visual dos integrantes seria vital, e nunca poderiam ser populares com o
tamanho de Cassie. Well, dane-se o que ele pensava. Ela se impôs e o
grupo estourou nas paradas. Michelle era o rostinho bonito que atraía a atenção
de todos na mídia visual. John era o chefão compositor. Denny era o
instrumentista-mor, sempre de viola na mão.
E Cassie era a grande voz, o coração e a alma musical de interpretação visceral e insuperável que os fez gigantes.
Antes de tudo, o nome: o
quarteto se chamava The Magic Cyrcle, que eles nunca gostaram muito. Mas um
dia, assistindo um programa de televisão, viram uma entrevista coletiva com os
motoqueiros da seita Hell's Angels dizendo: "Agora saca essa, rei...
Algumas pessoas chamam nossas mulheres de vagabundas, mas nós chamamos elas de mammas!"
Cass adorou e disse: "Ei! Eu também quero ser uma mamma!" Michelle se
juntou a ela e as duas ficaram dançando em volta da cama, gritando: "Nós
somos as mammas!" Sobrou pra Denny e John, que se entreolharam e
disseram um pro outro: "Papas?"
Logo em seguida, houve um
adultério na família. Ou algo parecido. Sei lá, entende? É tudo um lance de
cabeça.John amava Michelle, que amava
Denny, que amava Cassie, que amava toda a quadrilha. Todo mundo de cabeça
feita.Amor e ácido fluíam no sangue
deles tão naturalmente quanto a música que ficava cada vez mais psicodélica.
Os valores da família
tradicional estavam sendo explodidos e indo pro espaço, junto com os neurônios.
O que mais chocava os pais e mães da sociedade conservadora é que a juventude
estava ficando cada vez mais parecida com... bem, com os Mamas &
Papas. Essa ironia foi insuportável para os velhos, mas quando eles sacaram o que estava acontecendo já era tarde demais. Os adolescentes estavam fugindo para o campo, vivendo em comunas, praticando amor livre, fumando maconha, viajando em LSD, ouvindo música indiana, vestindo roupas estranhas, repudiando as glórias da civilização ocidental, absorvendo a cultura oriental, saindo pelados, protestando contra a guerra no Vietnã, idolatrando comunistas e atacando nossos bravos soldados. O pior pesadelo dos caretas era o paraíso dos garotos.
Papas. Essa ironia foi insuportável para os velhos, mas quando eles sacaram o que estava acontecendo já era tarde demais. Os adolescentes estavam fugindo para o campo, vivendo em comunas, praticando amor livre, fumando maconha, viajando em LSD, ouvindo música indiana, vestindo roupas estranhas, repudiando as glórias da civilização ocidental, absorvendo a cultura oriental, saindo pelados, protestando contra a guerra no Vietnã, idolatrando comunistas e atacando nossos bravos soldados. O pior pesadelo dos caretas era o paraíso dos garotos.
E então veio California Dreamin' . A trilha sonora perfeita para uma viagem de ácido. O estouro de vendas foi tão inacreditável que nem em sonhos alguém podia achar uma resposta americana mais inusitada para a tal da"Invasão Britânica" de bandas de rock do outro lado do Atlântico. No mesmo ano em que os Beatles e os Rolling Stones tomavam o mundo de assalto com a Beatlemania e com "Satisfaction" e Bob Dylan reinventava o rock(e inventava a música pop engajada com "Like a Rolling Stone") a América respondeu com outro fenômeno à altura.
Os Mamas & Papas eram uma
banda absurda, um caldeirão de experiências hippies e uma família alternativa
que provocava escândalo pelo simples fato de existir. Não tinha nada a ver, mas
de repente tudo se encaixava.Eles fizeram a
contracultura se encaixar neles, e não o contrário. Sacou, bicho?
1966 foi tão decisivo para
consolidar a identidade de uma década hippie quanto 1977 foi para os punks.
Enquanto na Inglaterra o Brian Wilson afiava as garras do extraordinário Pet
Sounds dos Beach Boys, o quarteto americano se exilou nas Ilhas Virgens no
Caribe e viajou em piscinas de ácido lisérgico. E compondo músicas num ritmo
prodigioso.
O resultado veio naquele ano
quando os Mamas & Papas vieram dar á luz o seu primeiro album, mostrando
que nem mesmo eles esperavam tamanho sucesso de público, e mal podiam acreditar
em seus próprios olhos e ouvidos:
If You Can Believe Your
Eyes And Ears subiu como um foguete ao primeiro lugar nas paradas,
decolando do Marco Zero do Movimento Hippie. Seminal, revolucionário,
inigualável. Faltam palavras...
De repente, ninguém é de
ninguém. De repente, tudo é possível. O mundo vira de cabeça pra baixo. Jovens
contestadores pregam liberdade total contra tudo o que seus pais acreditam na
sociedade mais livre do mundo, e ao mesmo tempo apóiam os piores ditadores mais
opressores e assassinos de todos. Paradoxos se chocam em paroxismos de
contradições extremas. Deu pra entender? Que bom que não. Se você lembra dos
anos 60, é porque não os viveu. E então bate a onda. É a lisergia. Quando você
menos espera, começa a ver os postes andando e os prédios derretendo. Daí vem a
sinestesia.
O que você acha disso?
"Estou cheirando os sons e lambendo as cores. O que você quer que eu
ache?" Num momento, seu carro está cruzando a avenida. No instante
seguinte, está voando no espaço sideral, singrando as estrelas, pousando nos
anéis de Saturno. "Estou há 2000 anos-luz de casa, conversando com ETs de
QI 10 milhões. Altos papos."
É tudo tão lindo e colorido.
Ninguém quer saber de voltar pra Terra e alimentar o establishment
bicho-grilo. É melhor fazer o paraíso aqui no campo, criando os nossos filhos:
Sol, Lua, Rio, Vento, Algodão... São os anos loucos. E logo essa loucura se
voltaria contra eles, destruindo a banda, pedaço a pedaço.
John descobriu que Michelle
estava tendo um caso de paixão escondida com Denny. As tensões no grupo
explodiram.
O divórcio foi violento e ela foi expulsa da banda. Houve uma cena. Gritos. Lágrimas. "Eu fui demitida por meu marido e rejeitada por meus melhores amigos! Pra mim, era o fim da minha vida!..." Houve uma substituição. Não deu certo. Chamaram ela de volta. Michelle voltou. O casamento aos poucos foi retomado. As peças se reencaixaram. E tudo isso entre o primeiro e o segundo album.
O mundo era deles. Um LP após
o outro, os Mamas &; Papas vieram, viram e venceram. Até que o poder lhes
subiu á cabeça (ou foi também o efeito colateral das drogas psicodélicas?) e
resolveram dar um passo maior que as pernas: organizaram o mesmo Festival de
Monterrey onde deviam tocar como atração principal, e na correria do trabalho
de24 horas seguidas, nem tiveram
tempo de ensaiar. Resultado: o show mais esperado deles foi uma apresentação de
performance medíocre. Ninguém entendia ninguém.
Pra sacudir a cabeça e renovar
a inspiração, decidiram viajar á Inglaterra e trocar figurinhas com os
bichos-grilos ingleses. Tudo parecia ir bem. Numa festa de arromba bancada pela
gravadora em Londres, Cass conversava abobrinha com aquele poser do Mick
Jagger, o pior cantor do mundo, e o mais fabricado pela mídia como símbolo
sexual, mesmo sendo magricela e feio pra caralho. Não houve nenhum bate-boca,
até que de repente... alguém falou o que não devia.
Foi aí que a merda aconteceu.
Papa John fez um comentário
pra lá de ofensivo sobre Mama Cass na presença dela e de outros convidados.
Considerando o grau do envolvimento pessoal de todos eles, nem quero imaginar o
nível do que foi que ele disse.
A gordinha desceu o braço no
magrelo e quebrou o barraco, indo embora sem olhar pra trás. Foi a primeira
integrante a sair da banda em caráter irrevogável e se lançar em carreira solo.
E então tudo aconteceu bem depressa. Um ano depois, ela teve que voltar para
gravar mais um último album com eles por obrigação contratual. As vendas não
foram o que se esperavam. Um fiasco. O fim veio a galope.
As carreiras dos ex-membros da
família acompanharam os desvios da contracultura. O mesmo vale pras vidas
pessoais. Mama Michelle se casou sucessivamente com Dennis Hopper e Jack
Nicholson, os dois astros de Easy Rider — Sem Destino, o
filme-totem da geração hippie.
Mama Cass morreu de ataque
cardíaco em 1974.
Papa John também morreu de
problemas do coração em 2001.
Tio Denny morreu de um aneurisma
em 2007.
E depois de colecionar maridos e
amantes, a vadia da Michelle anda por aí, mais
ou menos viva.
Bem, não esquenta. Eles já
tinham dado tudo o que podiam e viveram suas vidas intensamente.
Felizes ou infelizes, é melhor
viver plenamente. Rimou. Yeah. É isso aí. Bang. Fim.
Título, Imagens e Texto: Ernesto
Ribeiro, 01-8-2012
Muuuuuuito obrigado, irmão Jim.
ResponderExcluirSó uma correção nos créditos finais:
É "Ribeiro" e não "Rodrigues".
Tudo bem ? Pergunta: por acaso, sabes o significado gnóstico (?) do trecho da letra de "Age Of Aquarius" ? Ex.:
ResponderExcluir"Quando a lua estiver na sétima casa
E Júpiter alinhar-se com Marte
Então a paz guiará os planetas
E o amor dirigirá as estrelas"
Será que na frase "Quando a lua estiver na sétima casa" tem algo a ver com "7º Chakra (coronário)" ou "Libra, (7ª casa do zodíaco)" ?
E qto ao resto do verso ?
Obrigado