Rita Siza
Terceira vaga de manifestações
para forçar a saída da Presidente do Planalto, menos de um ano depois de ter
sido reeleita.
Brasília, foto: Evaristo Sá/AFP |
Convocados através das redes sociais, por
plataformas de oposição ao Governo como o Movimento Brasil Livre, Revoltados
Online e Vem Pra Rua, muitos milhares de pessoas desfilaram este domingo pelas
ruas de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Brasília, Salvador, Recife, Porto
Alegre e Belo Horizonte, em protesto contra a gestão da Presidente do Brasil,
Dilma Rousseff, que já entrou para a história como a detentora da pior taxa de popularidade
de qualquer ocupante do cargo desde que começaram a ser feitas sondagens.
Os protestos representavam mais um teste para o
Governo descredibilizado de Dilma Rousseff: foi a terceira vez, em seis meses,
que os brasileiros vieram para a rua exprimir a sua rejeição à Presidente. E
desta feita, algo que não tinha acontecido até aqui, os protestos contaram com
o apoio formal do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), a maior força
de oposição, em cujas fileiras (ou melhor, no topo) estão três aspirantes ao
cargo ocupado por Dilma.
O líder do partido e adversário directo nas
eleições de Outubro passado, Aécio Neves, apresentou-se na Praça da Liberdade
de Belo Horizonte, no seu estado natal de Minas Gerais, onde segundo as
estimativas dos organizadores, se concentraram cerca de 20 mil pessoas (10 mil,
nos cálculos da polícia). “Chega de tanta mentira, tanta corrupção e tanto
desprezo ao povo brasileiro. E viva vocês”, discursou o senador, em cima do
trio-eléctrico do Movimento Brasil Livre.
Aécio foi, porém, o único dos figurões tucanos (o
nome por que são conhecidos os sociais-democratas, por ser esta a mascote do
partido) a envolver-se com a multidão que gritava “Fora Dilma”. O apelo não é
partilhado nem pelo fundador e pêndulo moral do PSDB, Fernando Henrique
Cardoso, nem pelos dois aspirantes paulistas à presidência, o governador
Geraldo Alckmin e o senador José Serra, rivais internos de Aécio e com
estratégias distintas para recuperar o poder.
Quem marcou presença ao lado das plataformas
cidadãs anti-Dilma e anti-Governo (ou seja, anti-Partido dos Trabalhadores)
foram os representantes da ala mais conservadora da política brasileira. Como
aconteceu nos protestos de Março e Abril, um grupo francamente minoritário de
manifestantes, exibiu cartazes a favor da intervenção militar. “Nós apoiamos as
Forças Armadas”, diziam os simpatizantes da União Nacionalista Democrática e Pátria
Amada Brasil, que desfilaram com carros próprios no cortejo de São Paulo, onde,
segundo o instituto Datafolha, se juntaram 135 mil pessoas.
A contestação a Dilma, e o derrube do Governo, é o
elo comum entre todos os grupos (incluindo os organizadores do protesto) que
saíram à rua em 200 cidades brasileiras, incluindo oito capitais estaduais e
distrito federal. Como explicava à BBC Brasil o responsável do Movimento Brasil
Livre, Fábio Ostermann, “todos nós concordamos que o mote geral da manifestação
é o ‘Fora Dilma’”. “O nosso protesto é específico, pela saída da Presidente [do
poder] de qualquer jeito, seja por meio de destituição, cassação ou renúncia”,
completou o líder do Revoltados Online, Marcello Reis.
Outras questões prementes do debate público e
político brasileiro, como a crise económica e particularmente a questão da
corrupção (que não afecta só o Partido dos Trabalhadores da Presidente, mas
várias formações da base aliada do Governo e também da oposição) caíam fora do
âmbito do protesto. “Não queremos passar o vagão na frente da locomotiva”,
justificou Reis. “Temos prioridades, e no momento a prioridade é o derrube do
Governo”, acrescentou Fábio Ostermann, defendendo-se das acusações de
“indignação selectiva” que foram lançadas contra os organizadores dos protestos
pelos grupos que defendem a Presidente (e que se anteciparam aos protestos, com
a sua própria concentração “contra o ódio, a intolerância e o golpismo” em
frente ao Instituto Lula, em São Paulo).
Apesar de não constar da “pauta” dos
organizadores, a corrupção estava claramente na mente de muitos dos
manifestantes, que se apresentaram com faixas de louvor ao trabalho do juiz
federal Sergio Moro, que dirige a investigação Lava Jato; com cartazes a
pedir “cadeia para o chefe” dos corruptos, o ex-Presidente Lula da Silva; e com
slogans contra os restantes ramos do poder: “Congresso, Corrupto.
Judiciário, Corrupto”, gritou-se.
No imediato, as expectativas dos manifestantes
deverão ficar frustradas: apesar do número impressionante de pessoas nas ruas,
a mobilização não terá sido significativa ao ponto de abalar a base de
sustentação do Governo. A destituição pela via jurídica afigura-se tarefa
complexa e demorada: por enquanto, não estão cumpridos os critérios legais e
constitucionais para a impugnação do mandato de Dilma. Com a oposição dividida,
e o jogo de alianças no Congresso em mutação constante ao sabor das
conveniências, também não existem condições políticas para negociar a queda do
executivo. E a Presidente não sairá de mote próprio. “Estamos numa travessia e
nós vamos fazer dar certo. Podem ter certeza que o país vai voltar a crescer e
vamos reduzir a inflação”, disse na sexta-feira, na única referência oblíqua às
iniciativas de hoje.
A grande incógnita está, assim, do lado dos manifestantes.
Conforme notava Igor Gielow, o responsável da Folha de São Paulo em
Brasília, a dúvida este domingo era “aferir se as manifestações da era da rede
social têm musculatura para ultrapassar a categoria de ‘evento do Facebook’ e
influenciar de forma mais decisiva o debate” político.
O raciocínio é que perante uma mobilização
avassaladora, os agentes que têm na mão as cartas que podem fazer cair Dilma –
sobretudo os partidos e os juízes do Supremo Tribunal – sintam legitimada a sua
acção contra a Presidente. O quadro não terá mudado este domingo: segundo a
imprensa brasileira, o número de manifestantes terá equivalente ou maior do que
o protesto de Abril,
que na altura se estimou serem metade dos do protesto de Março. Pela estimativa de um vendedor
de camisas “Fora Dilma” na Avenida Paulista, saiu muito menos gente à rua hoje
do que em Abril. “O protesto está ruim de venda. Vendi 15 camisas, quando a esta
hora no último já tinha vendido 100”, comparava Cláudio, à reportagem da Folha.
Já ao final do dia, estimativas da Polícia Militar
apontavam para a presença nas ruas de 610 mil pessoas nas ruas das capitais dos
25 estados e do distrito federal, mais do que as 521 mil dos protestos de
Abril, mas muito menos do que os 1,7 milhões de brasileiros que se manifestaram
em Março.
Talvez por depender de movimentos difusos, a “rua”
não se substituiu ao “sistema” em termos de protagonismo. Como assinalou ao
PÚBLICO o cientista político Marcos Nobre, as forças decisivas – “e uma certa
elite brasileira” – compreenderam que nenhuma das alternativas, dentro de um
reduzido leque de opções efectivamente discutido para uma eventual saída de
cena de Dilma, vingou. “Dos vários obstáculos existentes à saída de Dilma, o
mais importante é a ausência de uma alternativa que seja capaz de catalisar o
apoio das forças sociais que querem estabilização”, explica.
Título e Texto: Rita Siza, Público,
17-8-2015
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