Marco Antonio Villa
Luiz Inácio Lula da Silva tem
como princípio não ter princípio, tanto moral, ético ou político. O importante,
para ele, é obter algum tipo de vantagem. Construiu a sua carreira sindical e
política dessa forma. E, pior, deu certo. Claro que isso só foi possível porque
o Brasil não teve - e não tem - uma cultura política democrática. Somente quem
não conhece a carreira do ex-presidente pode ter ficado surpreso com suas
últimas ações. Ele é, ao longo dos últimos 40 anos, useiro e vezeiro destas
formas, vamos dizer, pouco republicanas de fazer política.
Quando apareceu para a vida
sindical, em 1975, ao assumir a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de
São Bernardo do Campo, desprezou todo o passado de lutas operárias do ABC. Nos
discursos e nas entrevistas, reforçou a falácia de que tudo tinha começado com
ele. Antes dele, nada havia. E, se algo existiu, não teve importância. Ignorou
(e humilhou) a memória dos operários que corajosamente enfrentaram - só para
ficar na Primeira República - os patrões e a violência arbitrária do Estado em
1905, 1906, 1917 e 1919, entre tantas greves, e que tiveram muitos dos seus
líderes deportados do País.
No campo propriamente da
política, a eleição, em 1947, de Armando Mazzo, comunista, prefeito de Santo
André, foi irrelevante. Isso porque teria sido Lula o primeiro dirigente
autêntico dos trabalhadores e o seu partido também seria o que genuinamente
representava os trabalhadores, sem nenhum predecessor. Transformou a si próprio
- com o precioso auxílio de intelectuais que reforçaram a construção e
divulgação das bazófias - em elemento divisor da História do Brasil. A nossa
história passaria a ser datada tendo como ponto inicial sua posse no sindicato.
1975 seria o ano 1.
Durante décadas isso foi
propagado nas universidades, nos debates políticos, na imprensa, e a repetição
acabou dando graus de verossimilhança às falácias. Tudo nele era perfeito. Lula
via o que nós não víamos, pensava muito à frente do que qualquer cidadão e
tinha a solução para os problemas nacionais - graças não à reflexão, ao estudo
exaustivo e ao exercício de cargos administrativos, mas à sua história de vida.
Num país marcado pelo
sebastianismo, sempre à espera de um salvador, Lula foi a sua mais perfeita
criação. Um dos seus "apóstolos", Frei Betto, chegou a escrever, em
2002, uma pequena biografia de Lula. No prólogo, fez uma homenagem à mãe do
futuro presidente. Concluiu dizendo que - vejam a semelhança com a Ave Maria -
"o Brasil merece este fruto de seu ventre: Luiz Inácio Lula da Silva".
Era um bendito fruto, era o Messias! E ele adorou desempenhar durante décadas
esse papel.
Como um sebastianista, sempre
desprezou a política. Se ele era o salvador, para que política? Seus áulicos -
quase todos egressos de pequenos e politicamente inexpressivos grupos de
esquerda -, diversamente dele, eram politizados e aproveitaram a carona
histórica para chegar ao poder, pois quem detinha os votos populares era Lula.
Tiveram de cortejá-lo, adulá-lo, elogiar suas falas desconexas, suas alianças e
escolhas políticas. Os mais altivos, para o padrão dos seus seguidores, no
máximo ruminaram baixinho suas críticas. E a vida foi seguindo.
Ele cresceu de importância não
pelas suas qualidades. Não, absolutamente não. Mas pela decadência da política
e do debate. Se aplica a ele o que Euclides da Cunha escreveu sobre Floriano
Peixoto: "Subiu, sem se elevar - porque se lhe operara em torno uma
depressão profunda. Destacou-se à frente de um país sem avançar - porque era o
Brasil quem recuava, abandonando o traçado superior das suas
tradições...".
Levou para o seu governo os
mesmos - e eficazes - instrumentos de propaganda usados durante um quarto de
século. Assim como no sindicalismo e na política partidária, também o seu
governo seria o marco inicial de um novo momento da nossa história. E, por
incrível que possa parecer, deu certo. Claro que desta vez contando com a
preciosa ajuda da oposição, que, medrosa, sem ideias e sem disposição de luta,
deixou o campo aberto para o fanfarrão.
Sabedor do seu poder,
desqualificou todo o passado recente, considerado pelo salvador, claro, como
impuro. Pouco ou nada fez de original. Retrabalhou o passado, negando-o somente
no discurso.
Sonhou em permanecer no poder.
Namorou o terceiro mandato. Mas o custo político seria alto e ele nunca foi de
enfrentar uma disputa acirrada. Buscou um caminho mais fácil. Um terceiro
mandato oculto, típica criação macunaímica. Dessa forma teria as mãos livres e
longe, muito longe, da odiosa - para ele - rotina administrativa, que estaria
atribuída a sua disciplinada discípula. É um tipo de presidência dual, um
"milagre" do salvador. Assim, ele poderia dispor de todo o seu tempo
para fazer política do seu jeito, sempre usando a primeira pessoa do singular,
como manda a tradição sebastianista.
Coagir ministros da Suprema
Corte, atacar de forma vil seus adversários, desprezar a legislação eleitoral,
tudo isso, como seria dito num botequim de São Bernardo, é "troco de
pinga".
Ele continua achando que tudo
pode. E vai seguir avançando e pisando na Constituição - que ele e seus
companheiros do PT, é bom lembrar, votaram contra. E o delírio sebastianista
segue crescendo, alimentado pelos salamaleques do grande capital (de olho
sempre nos generosos empréstimos do BNDES), pelos títulos de doutor honoris
causa (?) e, agora, até por um museu a ser construído na cracolândia paulistana
louvando seus feitos.
E Ele (logo teremos de nos
referir a Lula dessa forma) já disse que não admite que a oposição chegue ao
poder em 2014. Falou que não vai deixar. Como se o Brasil fosse um brinquedo
nas suas mãos. Mas não será?
Título e Texto: Marco Antonio Villa, historiador, professor
da Universidade Federal de são Carlos (UFSCAR),
Estado
de S. Paulo, 16-06-2012
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