Feliz fim de mundo dizia a
manchete do jornal venezuelano Tal Cual no dia de dezembro marcado para ser o
último, com base no calendário maia. De certa forma, o mundo acabou e, de tão
felizes, não nos demos conta.
Como baratas que sobrevivem ao
inverno nuclear, o PMDB prepara-se para assumir o controle do Congresso
Nacional. São os mesmos de sempre, como diz o personagem de Beckett ao
perguntarem quem lhe deu uma surra na rua.
O calendário de Marco Maia terminou com uma ação importante: a compra de 1.500 iPads para os deputados. Medida econômica destinada a poupar montanhas de papel. Acontece que os iPads serão pregados nas mesas. É compreensível o medo de serem subtraídos. Tantos recursos, conhecimento e inovação foram gastos para criar uma tecnologia móvel e os deputados vão usá-la pregada. A esquerda no poder sempre pode argumentar: se a aristocracia reacionária pregou Cristo na cruz, qual o problema de pregar uma conquista tecnológica? O problema é que, se fizessem um aplicativo para celular, poderiam economizar os iPads, montanhas de papel e, naturalmente, os pregos. Todos os deputados têm celulares e do bolso dos assessores brotam celulares como dinheiro amassado do bolso dos bicheiros.
O calendário de Marco Maia terminou com uma ação importante: a compra de 1.500 iPads para os deputados. Medida econômica destinada a poupar montanhas de papel. Acontece que os iPads serão pregados nas mesas. É compreensível o medo de serem subtraídos. Tantos recursos, conhecimento e inovação foram gastos para criar uma tecnologia móvel e os deputados vão usá-la pregada. A esquerda no poder sempre pode argumentar: se a aristocracia reacionária pregou Cristo na cruz, qual o problema de pregar uma conquista tecnológica? O problema é que, se fizessem um aplicativo para celular, poderiam economizar os iPads, montanhas de papel e, naturalmente, os pregos. Todos os deputados têm celulares e do bolso dos assessores brotam celulares como dinheiro amassado do bolso dos bicheiros.
Do iPad vamos para o
Photoshop. É um programa, com muitas funções, para tratar imagens. Com o
Photoshop, os políticos sempre parecem mais novos do que sua idade real e as
contas, mais arrumadinhas do que autoriza a crise real. Algumas rugas em forma
de débito foram suprimidas. Dizem as notícias que as manobras feitas pelo
governo para formalizar a maquiagem, mobilizando estatais e o BNDES, deram um
prejuízo de R$ 4,7 bilhões, via mecanismo, forçado pela urgência, de comprar
ações na alta e vendê-las na baixa.
Na energia, Edison Lobão é a
cara do fim do mundo. Ele aconselhou a usar energia à vontade num momento em
que os reservatórios estão baixos, as empresas hidrelétricas se desidratam na
Bolsa e as térmicas a todo vapor emitem milhões de toneladas de gases de efeito
estufa. Em todo o mundo, o conselho dos dirigentes é usar energia com critério
e procurar economizá-la sempre que possível.
Lobão é generoso. Como Dilma,
que nos promete uma redução de 20% na conta de luz, nesta conjuntura
complicada. Como as térmicas encarecem a energia, a única saída será subsidiar
uma parte da redução. Parte do que Dilma nos dá com toda a pompa devolvemos
silenciosamente ao pagar a conta.
O sistema brasileiro é
considerado bom por muitos analistas do setor. Precisa de investimento e
gestão. Hidrelétrica fechada há quase 20 anos e central eólica funcionando sem
linhas de transmissão para distribuir a energia são sinais de desgoverno.
Costumo dizer que Barack Obama escolheu um Prêmio Nobel de Física para a pasta
de Energia; quis o destino, graças à coligação vitoriosa, que nosso ministro
fosse Lobão. Os vitoriosos impõem-nos condições constrangedoras. No passado,
decisões brasileiras com repercussão continental eram pelo menos comunicadas às
Comissões de Relações Exteriores do Congresso. Em alguns casos, falava-se até
com a oposição.
A Venezuela está sendo
governada por aparelhos. Eles são o vínculo de Hugo Chávez com a vida. Os
chavistas poderiam respeitar a Constituição e eleger Nicolás Maduro dentro de
um mês. Resolveram suprimir esse caminho, afirmando ser apenas uma formalidade
constitucional.
Um assessor especial
brasileiro viaja para Havana, discute com cubanos e venezuelanos e afirma: a
posição do Brasil é apoiar o adiamento das eleições na Venezuela. Os vitoriosos
não deveriam poder tudo. A política externa do Brasil não precisa coincidir
totalmente com a do PT. Ela é o resultado de um pacto com a maioria que elegeu
Dilma. E quando se trata de decisão de peso é preciso ao menos comunicar à oposição.
Marco Aurélio Garcia encarnou
o PT, o governo e o Brasil. Que viagem! Enquanto espera as malas na esteira,
proclama: a posição do Brasil é pelo adiamento das eleições na Venezuela.
Com o esfacelamento da
oposição, os vitoriosos deixaram de fazer política. Desfilam solitários. Um
partido substitui o País, que, por sua vez, é substituído por um assessor
especial.
Na crise energética de 2001,
fazíamos comissões, íamos ao Planalto, chamávamos o Pedro Parente, responsável
pela gestão do problema, ao Congresso. Hoje está tudo morto por lá. E o PMDB
prepara-se para roer os escombros. Esses dois momentos em que um setor vital
como a energia invade a agenda revelam a devastadora decadência da política no
Brasil.
Aos vencedores, as baratas.
Pena que a paisagem na oposição seja também tão desoladora. O calor do debate
político poderia levar-nos a pensar numa alternativa para tudo isso. A
alternativa não é fácil. Os grandes partidos da oposição parecem não se interessar
por ela. No mínimo, estariam se reunindo, discutindo os temas, lançando notas
sobre a energia, a posição do Brasil nas eleições da Venezuela, a maquiagem das
contas públicas.
Se a imprensa se tornou o
único setor que questiona tudo isso, melhor talvez fosse distribuir os iPads
aos repórteres. De que vale ser eleito como oposição e não realizar a tarefa?
Um certo mundo acabou. Ainda
não apareceram aquelas brumas do amanhecer nos rios do Pantanal. Elas nos dão a
ilusão de uma nova gênese, um outro mundo despontando gradualmente da névoa.
Não espero nenhum paraíso. É pedir muito que o Brasil tenha um ministro da
Energia à altura da importância do tema, que a política externa seja mais
democraticamente exercida, que as contas públicas não sejam maquiadas? E que o
Congresso funcione, a oposição se oponha?
Começam pregando iPads, daqui
a pouco vão comprar aviões para a linha de ônibus Madureira-Central do Brasil,
desativando sua capacidade de decolar. Começam com o ministro da Energia
estimulando o consumo e, daqui a pouco, o da Saúde aconselhará a fumar.
O mundo acabou de certa forma.
De tão felizes, não percebemos que está de pernas para o ar.
Título e Texto: Fernando Gabeira, Estado de S. Paulo, 18-01-2013
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