Bourbier é a incômoda palavra que começa a se espalhar na França a
respeito da intervenção militar do país no Mali. A melhor tradução é
"atoleiro". Depois do entusiasmo inicial com a decisão do presidente
François Hollande de ajudar o Exército malinês a deter o avanço de radicais
islâmicos rumo à capital do país, Bamako, surgem dúvidas sobre se a intervenção
não está indo longe demais. Hollande mandou mais soldados - o contingente total
deve chegar a 2 mil - e, agora, blindados franceses participam de missões de
combate.
A título de enfrentar a ameaça terrorista no Norte da África, o presidente francês pode ter dado a um grupo de extremistas pouco expressivo a oportunidade de angariar apoio de outros radicais, transformando a ação numa "luta contra o neocolonialismo" ocidental. Na quarta-feira, 16, jihadistas tomaram um campo de gás da British Petroleum na Argélia, fazendo dezenas de reféns, entre eles 41 estrangeiros, e disseram que seu ataque era uma reação à ofensiva francesa.
A título de enfrentar a ameaça terrorista no Norte da África, o presidente francês pode ter dado a um grupo de extremistas pouco expressivo a oportunidade de angariar apoio de outros radicais, transformando a ação numa "luta contra o neocolonialismo" ocidental. Na quarta-feira, 16, jihadistas tomaram um campo de gás da British Petroleum na Argélia, fazendo dezenas de reféns, entre eles 41 estrangeiros, e disseram que seu ataque era uma reação à ofensiva francesa.
O governo argelino lançou uma
operação de resgate, e havia versões conflitantes sobre o resultado. Seja como
for, o pior dos cenários traçados por Paris, isto é, o revide de terroristas
contra interesses franceses e ocidentais, pode estar se tornando real.
O socialista Hollande, que se
elegeu prometendo reduzir a participação da França em ações militares no
exterior, como a que ajudou a derrubar o ditador líbio Muamar Kadafi, já começa
a ser criticado por ter assumido a responsabilidade de conter os terroristas
africanos. Para o ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin, de
centro-direita, Hollande foi contaminado pelo "vírus neoconservador",
numa referência aos "neocons", responsáveis por empurrar os Estados
Unidos para a Guerra do Iraque, vista como exemplo de "atoleiro".
No entanto, pode-se dizer que
a França não tinha alternativa, já que não é possível contar mais com a
liderança dos Estados Unidos em ações desse tipo, graças à "doutrina
Obama", que preconiza o crescente desengajamento militar americano. A
França surge assim como o único anteparo ocidental firme contra o extremismo
islâmico originado no Norte da África. Hollande pode ter lá seus próprios
compromissos ideológicos, mas parece ter percebido que, como chefe de Estado,
tem responsabilidades incontornáveis - e a segurança da França é a principal
delas.
O grande problema do conflito
no Mali é sua obscuridade. O governo americano, que tenta monitorar os grupos
radicais malineses, tem apenas uma compreensão "impressionista" sobre
esses extremistas, segundo o New York Times. Para o secretário-assistente de
Estado para assuntos africanos, Johnnie Carson, os jihadistas, afiliados à
Al-Qaeda, "não demonstraram capacidade de ameaçar os interesses americanos
e não ameaçaram atacar os Estados Unidos". Além disso, esses grupos ainda
não têm a musculatura que a Al-Qaeda de Osama bin Laden exibia, e muitos de
seus integrantes são apenas traficantes de drogas e outros criminosos que
aproveitaram a oportunidade para ganhar dinheiro. Contudo, a França não quis
pagar para ver e decidiu, ante a indecisão dos vizinhos do Mali, evitar que
esses radicais islâmicos, já presentes na Líbia e agora na Argélia,
conseguissem estabelecer uma espécie de Afeganistão, isto é, um santuário
terrorista, numa região tão estratégica para os europeus.
Para a França, assim como para
os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, que fornecem ajuda logística aos militares
franceses, interessa limitar seus objetivos militares e internacionalizar o
esforço de guerra contra os radicais islâmicos o mais rápido possível, envolvendo
os países africanos, principalmente a Argélia, que costuma ser implacável com
os extremistas islâmicos. O objetivo é duplo: esvaziar o discurso segundo o
qual Paris age conforme velhos interesses coloniais e permitir que os soldados
franceses voltem logo para casa, antes que o atoleiro os engula. Apesar de
todos os dilemas e problemas, no entanto, que não reste dúvida: ante a
perspectiva do fortalecimento de grupos terroristas instalados às portas da
Europa, o Ocidente não poderia ficar de braços cruzados.
Editorial do jornal Estado de São Paulo, 18-01-2013
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