sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

De que falamos quando falamos em consenso?

Adolfo Mesquita Nunes
Se a política que nos trouxe a esta crise mereceu um consenso perigosamente transversal, será uma ilusão pensar que aquilo que nos pode tirar desta crise se obterá com consenso

Foto: Eduardo Martins
Duas vezes referi aqui a importância do consenso social. A primeira, a propósito da então anunciada redução da TSU, tal qual apresentada pelo governo. A segunda, a semana passada, a propósito do relatório do FMI sobre a redução da despesa.
Quer isto dizer que estou entre os que exigem o consenso social como pressuposto de todas as reformas que temos de empreender? Evidentemente que não.
O que nos trouxe aqui, já o repeti vezes sem conta, foi o modelo socialista de desenvolvimento que, ao longo de décadas, com maior ou menor gradação, foi sendo seguido em Portugal.
Esse modelo obteve um consenso político e social extraordinário. Meço bem as palavras: todos os partidos, à sua maneira, participaram do consenso socialista das últimas décadas.
Tanto assim foi que a oposição que se foi fazendo, à esquerda ou à direita, nunca questionou esse modelo socialista. Foi preciso que o país tivesse de pedir ajuda externa para que, pela primeira vez, aparecesse um embrião de reflexão, partidária mas não só, sobre o modelo de desenvolvimento que temos seguido.
Se as políticas que nos trouxeram a esta crise mereceram um consenso perigosamente transversal, será uma ilusão pensar que aquilo que nos pode tirar desta crise obterá, nos próximos tempos, qualquer coisa parecida com consenso.
Não tenhamos ilusões: quebrar com o modelo socialista é o caminho a seguir; e o modelo socialista é o caminho que mais consenso tem gerado. Conseguir romper o consenso com consenso não é propriamente coisa que se peça.
Nesse sentido, compreendo bem as recentes palavras do primeiro-ministro: as reformas não podem parar apenas porque não há consenso social sobre elas.
Quer isto dizer que devemos alhear-nos em absoluto desse consenso? Penso que não.
Enquanto comentador político, que fui, posso insistir, até com intransigência, na necessidade de imediata superação de um modelo com o qual não concordo. E posso até preferir que essa superação seja assumida por inteiro, de imediato, sem rodeios, sem olhar ao país social e político.
Como decisor político, sei que essa superação não acontece de forma instantânea. É feita de passos, avanços e recuos (que não podem ser desistências), cedências e compromissos, e só conseguirá ver a luz do dia se for feita com um mínimo de compreensão social.
Podemos ter a melhor reforma no papel, mas esta de nada servirá se nunca tiver saído do papel apenas porque não a soubemos implementar.
Nesse sentido, há um trabalho político que deve procurar uma compreensão social – que nunca será consensual – que crie condições à implementação das políticas. É o que, em minha opinião, deve ser feito se forem seguidas algumas das sugestões presentes no Relatório do FMI.
Por outro lado, se os efeitos positivos de uma reforma forem desproporcionalmente inferiores à perturbação social que a mesma causa, e tendo em conta a pragmática necessidade de compreensão social, então talvez valha a pena ponderar a calendarização da reforma. Foi o que, em meu entender, estava em causa com a TSU.
Mas não confundamos consenso social – esta necessidade de identificação do país com os objectivos perseguidos – com consenso publicado ou veiculado pela comunicação social.
Os comentadores que apoiaram as políticas que nos arruinaram, as associações que beneficiaram das políticas que nos arruinaram, as elites que conviveram bem com as políticas que nos arruinaram e os agentes sociais que fizeram parte das políticas que nos arruinaram são vozes que devemos sempre respeitar, mas às quais não temos de pedir autorização para governar.
Título e Texto: Adolfo Mesquita Nunes, Jurista e deputado do CDS, Jornal “i”, 18-01-2013

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