Ou: Quando os verdadeiros
progressistas são os conservadores. Ou ainda: Reacionário é o silêncio!
Reinaldo Azevedo
Pois é… A França assistiu
neste domingo à maior manifestação popular em 20 anos, segundo avaliação da imprensa do
país. Milhares de pessoas foram às ruas para protestar contra a proposta do
governo socialista de François Hollande, que transforma a união civil de
homossexuais — que é legal no país — em casamento propriamente dito, o que
implica, entre outras consequências, a legalização da adoção de crianças por
parceiros do mesmo sexo. O governo foi surpreendido pelo tamanho do protesto.
As estimativas mais modestas falam em pelo menos 350 mil pessoas. Os
organizadores, como sempre, vão bem além do dobro e chegam a um milhão. No
máximo ou no mínimo, o fato é que ninguém esperava tanta gente na rua por causa
de um tema ligado ao que se convencionou chamar “costumes”. A Igreja Católica,
os partidos conservadores e outras correntes religiosas, como evangélicos e
islâmicos, apoiaram o protesto contra a proposta do governo, que muda, é
evidente, o conceito de família.
Reinaldo Azevedo
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Foto: Benoit Tessier/Reuters |
Atenção, meus caros! Não vou
aqui debater se é positivo ou negativo haver casamento, se a adoção é
moralmente lícita ou não. Todos sabem o que penso. Já escrevi diversos textos a
respeito. Se há tema em que as posições se extremam, com ignorâncias vazando
para todos os lados, é esse. O debate se perde em impressionismos sobre o
caráter congênito ou não da homossexualidade, e não se se chega a lugar nenhum.
O ponto que me interessa é outro.
Em qualquer democracia do
mundo, mesmo naquelas consideradas mais “avançadas”, temas relativos a costumes
e comportamento — sexualidade, constituição da família, aborto — são objetos de
disputas políticas, como tenho insistido aqui há muito tempo. Não se demonizam,
por princípio, correntes de opinião porque pensam isso ou aquilo. O debate não
é interditado. Ao contrário: ele vai para a praça pública. E há partidos
políticos, como há na França, nos EUA e em toda parte, que se engajam na defesa
de pontos de vista que podem não ser considerados os “corretos” pela “imprensa
progressista”. A razão para isso acontecer é simples e plenamente explicável
pelo regime democrático: há pessoas na sociedade que pensam exatamente aquilo,
que estão na contracorrente do que é considerado influente e certo em
determinadas áreas do pensamento.
Faço aqui uma nota à margem
antes que continue: o governo Hollande está metendo os pés pelas mãos em
diversas áreas. Intuo que uma manifestação contra o casamento gay não assumiria
aquela dimensão se não houvesse um descontentamento mais geral com o governo.
De todo modo, foi o tema que levou as pessoas à praça, e partidos políticos não
tiveram nenhum receio de assumir a defesa da chamada “família tradicional”.
Mais: isso não foi considerado um pecado de lesa-democracia. Também a
militância gay francesa sabe que se trata de uma questão política e está
preparada para enfrentar o debate.
No Brasil…
A França tem 66 milhões de habitantes, pouco menos de um terço da população brasileira. Vamos supor, pela estimativa menor, que houvesse no domingo 350 mil pessoas na praça. É como se 750 mil brasileiros decidissem marchar contra o casamento gay em Banânia, com o apoio de eventuais partidos de oposição. Seria um deus nos acuda. Analistas alarmistas logo enxergariam, sei lá, o risco de “fascistização” do Brasil. Houvesse o apoio da Igreja Católica e dos evangélicos ao protesto, como houve na França, seríamos confrontados com tratados sobre o caráter laico do estado, a influência do fundamentalismo cristão na política e bobagens congêneres.
A França tem 66 milhões de habitantes, pouco menos de um terço da população brasileira. Vamos supor, pela estimativa menor, que houvesse no domingo 350 mil pessoas na praça. É como se 750 mil brasileiros decidissem marchar contra o casamento gay em Banânia, com o apoio de eventuais partidos de oposição. Seria um deus nos acuda. Analistas alarmistas logo enxergariam, sei lá, o risco de “fascistização” do Brasil. Houvesse o apoio da Igreja Católica e dos evangélicos ao protesto, como houve na França, seríamos confrontados com tratados sobre o caráter laico do estado, a influência do fundamentalismo cristão na política e bobagens congêneres.
Dei uma passeada pela imprensa
francesa. Nem as esquerdas embarcaram nessa porque, afinal, se reconhece o
direito que têm as pessoas que discordam de dizer “não”. E NOTEM, LEITORES,
COMO OS QUE SE OPÕEM AO PARTIDO SOCIALISTA NÃO TÊM RECEIO DE DIZER O QUE PENSAM
E DE OCUPAR A PRAÇA. Atenção: pesquisas de opinião indicavam uma maioria
folgada em favor do projeto do governo. O apoio caiu bastante, mas, consta,
ainda é majoritário. A oposição ocupou as ruas contras um real — ou suposto —
pensamento majoritário.
Aborto e kit gay
Lembrem-se o que se deu por aqui em 2010 e em 2012 com os debates sobre, respectivamente, o aborto e o kit gay. O PT sabia que, se explorados com eficiência pelos adversários (o que não aconteceu nem num caso nem em outro), a defesa que Dilma fizera da legalização do aborto e o desastrado material didático autorizado por Fernando Haddad poderiam render prejuízos eleitorais. Fez o quê?
Lembrem-se o que se deu por aqui em 2010 e em 2012 com os debates sobre, respectivamente, o aborto e o kit gay. O PT sabia que, se explorados com eficiência pelos adversários (o que não aconteceu nem num caso nem em outro), a defesa que Dilma fizera da legalização do aborto e o desastrado material didático autorizado por Fernando Haddad poderiam render prejuízos eleitorais. Fez o quê?
Com a colaboração de amplos
setores da imprensa, recorreu a ações preventivas e acusou os adversários de
estarem explorando de maneira “indevida”, “antidemocrática” e “fascista” temas
que, diziam, nada tinham a ver com eleição. NÃO TINHAM? Como assim? Então
governos e governantes não devem responder por suas escolhas? Ora, é claro que
tinham!
Em vez de os petistas serem
confrontados com suas opiniões, como estão sendo os socialistas franceses, os
adversários é que se viram na contingência de se defender. Haddad autorizou a
produção de um material que sustentava ser a bissexualidade superior à
heterossexualidade, mas seu adversário é que ficou sob acusação.
Ditadura de opinião e
oposição banana
O nome disso é ditadura de opinião, que só se instala quando se tem uma oposição meio banana, não é? Vejam lá: os partidos e grupos que se opõem a Hollande não tiveram receio de convocar um protesto contra uma medida do governo — que, reitero, tinha o apoio folgado da maioria. Alguém se lembra de as oposições, no Brasil, convocarem alguma manifestação em 10 anos de governo petista, fosse para protestar contra a corrupção, o aborto, o casamento gay ou a rebimboca da parafuseta?
O nome disso é ditadura de opinião, que só se instala quando se tem uma oposição meio banana, não é? Vejam lá: os partidos e grupos que se opõem a Hollande não tiveram receio de convocar um protesto contra uma medida do governo — que, reitero, tinha o apoio folgado da maioria. Alguém se lembra de as oposições, no Brasil, convocarem alguma manifestação em 10 anos de governo petista, fosse para protestar contra a corrupção, o aborto, o casamento gay ou a rebimboca da parafuseta?
Ao contrário! Os nossos
oposicionistas fazem questão de tentar provar o seu credo politicamente
correto. Se vocês procurarem, encontrarão entrevistas de FHC e de Aécio Neves
censurando a suposta abordagem — QUE, REITERO, NÃO FOI FEITA — de temas como
aborto e kit gay em campanhas tucanas. A nossa oposição mais organizada não
consegue ir além do administrativismo e do economicismo. Quantos se deixam
mobilizar por esse discurso?
Não! Não estou afirmando que
se devam transformar temas relativos a costumes em cavalos de batalha
eleitorais. Mas sustento, sim, que alternativas políticas têm de ser
construídas também com valores alternativos — alternativos à força dominante da
política num dado momento. É assim no Chile. É assim nos EUA. É assim na França.
É assim na Alemanha. É assim em toda parte em que vigora o regime democrático.
No Brasil, até os flagrados
com a mão na massa são tratados com deferência pelos oposicionistas. Por
incrível que pareça, o petista Olívio Dutra conseguiu ser mais duro com José
Genoino, que teve a cara de pau de assumir uma vaga na Câmara mesmo condenado a
mais de sete anos de cadeia pelo Supremo, do que os tucanos. Sempre que coube a
um deles se manifestar, lá vieram os salamaleques aos passado “nobre” do
militante comunista… Parece que temos uma oposição vocacionada para pedir
desculpas.
Caminhando para a conclusão
Entenderam o meu ponto? A realização plena da democracia só se dá com o confronto de ideias e de posições. Não existe uma política que se exerça negando a política. A menos que o governo Dilma se desconstitua em meio a uma crise que não está no horizonte, será muito difícil às oposições construir um discurso alternativo. E olhem que o governo é ruim pra chuchu. Uma coisa é certa: com conversa econômico-administrativista, não se vai muito longe.
Entenderam o meu ponto? A realização plena da democracia só se dá com o confronto de ideias e de posições. Não existe uma política que se exerça negando a política. A menos que o governo Dilma se desconstitua em meio a uma crise que não está no horizonte, será muito difícil às oposições construir um discurso alternativo. E olhem que o governo é ruim pra chuchu. Uma coisa é certa: com conversa econômico-administrativista, não se vai muito longe.
As democracias, reitero,
costumam exacerbar, nos limites da legalidade e da institucionalidade, as
divergências porque isso é próprio do sistema. No Brasil, a regra tem sido a
acomodação. Não é por acaso que, por aqui, alguns bananas demonizem os
republicanos nos EUA porque, dizem, eles tentariam impedir Barack Obama de
governar, chantageando-o com o abismo fiscal. Errado! É o contrário! Eles
obrigam o governo a negociar e exercitam a democracia. Em Banânia, sem dúvida,
faz-se o contrário: o STF decide que o a atual distribuição do Fundo de
Participação dos Estados é inconstitucional, por exemplo, e o Congresso não
vota nada no lugar na certeza de que se dará um jeitinho…
É assim que se fabrica uma das
piores escolas do mundo, uma das piores saúdes do mundo, uma das piores
seguranças do mundo, uma das maiores cargas tributárias do mundo. E, sem
dúvida, uma das maiores desigualdades do mundo. Tenta-se viver, no país,
uma política que é, de fato, a morte da política. Trata-se de uma condenação ao
atraso.
Concluo
Volto à França. Pouco importa se você é favor do casamento gay ou contra; a favor da adoção de crianças por homossexuais ou contra. O fato é que o protesto dos “conservadores” franceses foi uma evidência de que a França ainda respira; de que ainda há por lá uma sociedade “progressista”, que aposta no confronto de ideias.
Volto à França. Pouco importa se você é favor do casamento gay ou contra; a favor da adoção de crianças por homossexuais ou contra. O fato é que o protesto dos “conservadores” franceses foi uma evidência de que a França ainda respira; de que ainda há por lá uma sociedade “progressista”, que aposta no confronto de ideias.
Reacionário é o silêncio das
falsas conciliações.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 15-01-2013
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