Estou farto, refarto deste tipo e deste paleio. Tem um fonds de commerce, que é a corrupção: Portugal
tem há séculos um atraso relativo, em numerosos domínios, em relação à maior
parte dos países com os quais partilha o continente? Corrupção. As dívidas
privada e pública não têm precedentes, pelo seu montante? Corrupção. O País não
cresce, mas cresce o desemprego, a emigração e o desespero? Corrupção.
Tem costas largas, a
corrupção. E que bom seria que o Mundo fosse tão simples: contratava-se o Dr.
Paulo Morais para inteirar a Assembleia de Republica, entretanto depurada de
gente fortemente suspeita, das medidas legislativas que esta devia tomar;
refundiam-se as leis penais, incluindo processuais, eliminando truques, obstáculos
e alçapões; davam-se meios e poderes aos magistrados do Ministério Público, que
entretanto também sofreria uma varredela justiceira. E o País floresceria,
finalmente liberto desta cáfila que o sufoca.
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Foto: Ricardo Morais Junior/Global Imagens |
É que os partidos, a
administração pública, as instituições, tudo está minado de corruptos. Tanto
que o próprio Morais, que já andou pela política militante, se afastou com
nojo. E fez mal, porque o eleitorado (ao menos a parte do eleitorado que entope
indignada as caixas de comentários dos jornais on-line) não deixaria certamente
de lhe confiar o voto, dando-lhe a oportunidade de expulsar do templo,
democraticamente, os vendilhões.
Claro que os vendilhões se
haveriam de defender, exigindo-lhe um mínimo de prova ou consistência. Por
exemplo, quando Paulo destaca "o peso do caso BPN e das Parcerias
Público-Privadas (PPP), entre outros, na dívida pública", acrescentando
que "68% da dívida privada é resultante da especulação imobiliária",
e salientando que "só cerca de 15% da divida privada se pode atribuir aos
alegados excessos dos portugueses", conviria porventura fazer a
demonstração.
É que, no caso BPN, haverá
decerto quem devesse ter feito companhia ao Dr. Oliveira e Costa; e a
nacionalização foi manifestamente um erro (num juízo ex post facto, porque
durante o processo não faltaram vozes isentas a defendê-la), assim como ainda
hoje não se compreende que a SLN tenha sido deixada de fora. Mas eram corruptos
todos os envolvidos? Teixeira dos Santos, porventura o principal responsável
pela decisão, também? E é esta história lamentável, cujo custo total será,
supõe-se, de aí uns 6,5 mil milhões, que explica a dívida pública, que já vai
aí nuns 200 mil milhões?
No caso das PPPs, o que se vai
sabendo das blindagens dos contratos e do desequilíbrio dos direitos e
obrigações das partes desperta (mais: impõe) suspeitas. Mas o problema será
fácil de resolver, isto é, é fácil fazer a prova da corrupção, e renegociar os
contratos com base nisso? Entendamo-nos: eu sou pela renegociação, e acho que
ela só tardou e deu poucos resultados por causa do medo pânico de abalar
interesses da União, da banca internacional e da nossa - mas isto nada tem
directamente a ver com corrupção.
68% da dívida privada resulta
de especulação imobiliária?! 68%? Não será 68,04%? Aqui este paisano estava
convencido que aquela dívida resultava, na sua maior parte, do crédito à
habitação; que este era concedido com garantias sobre os imóveis (garantias
mais garantidas não há); que a procura de imóveis resultou do juro baixo que o
Euro permitiu e das leis do arrendamento salazaro/comunista. Morais vê aqui
"especulação" e sonha com os especuladores na cadeia - afinal os
especuladores são uma subcategoria de corruptos.
Com Paulo Morais temos sempre
direito ao dedo em riste, ao olhar indignado, aos lábios trementes, e às
acusações descabeladas. Boa parte do que diz não dá matéria para queixas-crime,
excepto contra incertos. E no único caso que lhe ouvi a acusar uma pessoa
concreta, a acusação não tinha fundamento.
Paulo Morais faz mal à luta
contra a corrupção. Esta é para gente com poucas ilusões e muito conhecimento
sobre os homens, o Estado e a tradição. E implica trabalho, paciência, frieza e
realismo. Não implica discursos moralistas de Catões de aldeia.
Texto: José Meireles Graça, Forte Apache, 04-05-2013
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