Investigadores portugueses
conseguiram controlar a sépsis em animais através de um medicamento usado no
tratamento do cancro, uma descoberta que em breve será testada em pessoas e que
poderá salvar, pelo menos, dezenas de milhares de vidas por ano
Luís Ferreira Moita, que dirige a Unidade de Imunidade Inata e Inflamação do Instituto de Medicina Molecular (IMM), é o investigador responsável pela descoberta e explicou à agência Lusa que o objetivo foi encontrar uma forma de compreender a sépsis e os seus mecanismos porque se trata da "principal causa de morte nas unidades de cuidados intensivos e a terceira causa de morte hospitalar".
Apesar da dimensão desta
doença (que consiste numa infeção generalizada que leva à falência de órgãos),
o tratamento médico continua a usar "os mesmos princípios de atuação de há
50 anos, baseados no controlo imediato do foco de infeção por antibióticos --
cada vez mais potentes - e medidas de suporte de órgãos".
"A sépsis é uma área de
medicina que continua órfã de soluções eficazes", disse Luís Ferreira
Moita, que se propõe alterar este quadro.
Os investigadores começaram
por "basear-se nos mecanismos da doença. Sabemos que há mediadores
inflamatórios (substâncias no organismos) que são importantes para o início da
sépsis, ou seja, a doença não acontece sem eles", explicou. "Pensámos
que, se, de alguma forma, pudéssemos bloquear a produção destes mediadores,
poderíamos modificar a progressão natural da doença", adiantou.
Para tal, foram testados cerca
de 2.300 fármacos aprovados para uso clínico num ensaio "in vitro"
(em cultura de células), com o objetivo de observar os que modificavam a
produção dos mediadores.
Os investigadores encontraram
vários fármacos com estas características, dos quais dez foram posteriormente
testados no modelo animal (ratos). Para isso foi provocada uma infeção
abdominal muito grave nos animais, capaz de lhes provocar a morte em 48 horas,
e depois administrado um medicamento citoestático (usado no tratamento de
cancros, nomeadamente no da mama), mas em doses muito mais baixas (cerca de 10
por cento da dose normalmente usada nos tumores).
O fármaco em questão revelou
um efeito anti-inflamatório e de proteção de órgãos e tem a vantagem de já ser
aprovado - ainda que para outra indicação terapêutica - o que permite
ultrapassar algumas fases de testes iniciais de tolerância e segurança.
Os animais "ficaram
completamente protegidos", contou, revelando que o artigo que descobre em
pormenor a descoberta e os mecanismos de atuação dos fármacos foi publicado em
novembro na revista Immunity.
A descoberta - que está
patenteada e protegida em mais de 140 países - satisfez os investigadores que estão,
contudo, prudentes: "Não estamos à espera de reproduzir totalmente o
efeito que observámos no modelo animal, porque se isso fosse verdade estaríamos
a falar de mais de um milhão de vidas que poderiam ser salvas anualmente".
"Mesmo que se consiga
apenas uma percentagem pequena, na ordem dos 10%, em todo o mundo, se esta
terapia for aplicada estamos a falar de dezenas de milhares de pessoas que,
todos os anos, podem ver as suas vidas melhoradas ou a sua vida salva",
disse.
Ângelo Chora, outro investigador
que fez parte do projeto, disse à Lusa que o "ponto de viragem"
deu-se quando foram testados os fármacos nos animais em choque sético e estes
sobreviveram todos, enquanto o grupo de controlo morria em 48 horas.
"Percebemos que tínhamos
algo de potente, bom e especial", contou.
O próximo passo vai ser dado
em breve, quando o fármaco for testado em 20 doentes, num ensaio clínico no
Hospital de Santa Maria, em Lisboa, que também será inovador porque
"normalmente os ensaios clínicos são patrocinados pela indústria
farmacêutica e oriundos de outros países. Este tem origem na investigação
básica e é patrocinado pela universidade", disse.
Numa primeira fase, que deverá
durar um ano, será envolvido um pequeno grupo de doentes e, se os resultados
forem promissores, este número vai ser alargado rapidamente para uma população
muito maior.
Título e Texto: Lusa/Visão,
02-11-2013
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