A Escócia irá provavelmente
votar contra o absurdo que Alex Salmond representa. Oxalá!
Victor Ângelo
Num almoço recente, em que se
discutia o referendo sobre a independência da Escócia, Mark, coronel do
exército de Sua Majestade, contou-nos a sua experiência pessoal. Casado há
muito com uma escocesa proveniente de um dos clãs das terras altas do norte do país,
disse-nos que a família da mulher continua a olhar para ele com desconfiança e
a tratá-lo de maneira distante. A razão é clara: Mark é inglês. Na Escócia
profunda continua a existir uma gama de preconceitos negativos contra todos os
que vêm do lado sul da velha fronteira, ou seja, os ingleses. É aí, nas águas
turvas do pântano identitário e das ideias feitas, dos simplismos, que Alex
Salmond, o líder do governo escocês e campeão do movimento independentista, vai
à pesca de votos. O resto está resolvido.
A devolução e a
descentralização do poder constam do quadro constitucional vigente, que já
concede autonomia total à Escócia em matérias tão importantes como as relativas
à produção das suas próprias leis, à educação, saúde, finanças e organização
política interna. Até a Igreja da Escócia é independente da Igreja da
Inglaterra!Salmond, como outros populistas em outros cantos da Europa, sabe que
os sentimentos nacionalistas estão a dar votos. Deita então mais achas para a
fogueira ao acenar com miragens de maior riqueza - os recursos do petróleo do
mar do Norte ficariam então na Escócia livre - e de uma sociedade a funcionar
melhor, uma vez liberta do peso dos pobres, que seriam contidos do outro lado
da fronteira. Fica, no entanto, calado quando lhe dizem que a independência
traria um impasse infindável, no que respeita à integração na UE. A Espanha
opor-se-ia, com unhas e dentes, à candidatura de adesão que pudesse resultar de
um voto favorável à independência a 18 de setembro. O mesmo aconteceria com a
Itália, a França e outros, para não estar a mencionar o governo de Londres.
Convém acrescentar que mesmo um processo de associação à moda da Noruega parece
inaceitável para certos estados-membros.
Os nacionalismos arrebatados -
incluindo em Portugal, com toda a retórica extremista que por aí anda sobre as
vantagens que teríamos se viéssemos a sair da moeda única - têm sido a desgraça
da Europa, ao longo dos tempos. Agora são, acima de tudo, uma distração
política potencialmente perigosa, que desvia as atenções dos verdadeiros
problemas: o impacto da globalização nas economias e no emprego europeus, o
relacionamento com a Rússia e com as margens sul e oriental do Mediterrâneo, a
radicalização de cariz religioso e cultural em certos países da UE, a precariedade
social crescente, sem esquecer a complexa crise política que agora está a
minar, muito a sério, o processo de construção europeia.
A Escócia irá provavelmente
votar contra o absurdo que Salmond representa. Oxalá! Mesmo que isso não venha
a retirar muito vento às velas independentistas da Catalunha - e a Catalunha é
um problema bem mais sério, capaz de abalar a estabilidade política e económica
de Espanha, o que também acabaria por ter um enorme impacto em Portugal -
permitirá esfriar alguns entusiasmos separatistas noutras partes da Europa. E
ajudar a Grã--Bretanha a concentrar-se na questão que de facto vai condicionar
o seu futuro: a relação com a UE. É aí que a porca torce o rabo. Se a opinião
pública britânica se virar contra a Europa - esse risco é cada vez maior - as
consequências serão enormes. A possibilidade da deriva britânica passa mais por
Londres e Bruxelas que por Edimburgo
Título e Texto: Victor Ângelo, VISÃO, 12-09-2014
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