sábado, 9 de janeiro de 2021

Como a esquerda fabricou um demônio folclórico

A reação histérica ao mais recente livro de Jordan Peterson está totalmente desconectada de tudo o que ele de fato disse

Andrew Doyle, da Spiked

Os críticos de Jordan Peterson [foto] têm feito tudo o que podem para divulgar seu próximo livro, Beyond Order: 12 More Rules for Life (“Além da ordem: mais 12 regras para a vida”). O famoso psicólogo clínico anunciou a publicação em seu canal no YouTube, e em questão de horas a obra estava sendo amplamente denunciada nas redes sociais pelo discurso de ódio presente no conteúdo. É um belo feito de imaginação coletiva, considerando que ninguém ainda tinha lido o livro.

Boa parte do furor ocorreu porque os funcionários do escritório canadense da editora, a Penguin Random House, pediram que o livro fosse cancelado. Depois que se registraram diversas reclamações, eles confrontaram a gerência em uma reunião na qual alguns caíram no choro e compartilharam as próprias histórias sobre como o terrível professor Peterson, com suas opiniões “problemáticas”, havia causado transtorno emocional em suas vidas. De acordo com uma matéria da Vice, “um funcionário falou da radicalização de seu pai, e outro afirmou que a publicação do livro afetaria negativamente uma pessoa não binária de quem era amigo”.

Esse é apenas o exemplo mais recente de uma nova tendência de funcionários ativistas ameaçando entrar em greve por questões ideológicas. Na empresa de streaming de áudio Spotify, os funcionários recentemente exigiram controle editorial da recém-adquirida série de podcast de Joe Rogan, depois de conseguirem remover diversos episódios considerados controversos. No gigante editorial Hachette, os empregados ameaçaram se demitir depois que The Ickabog, livro infantil de JK Rowling, foi anunciado. Todas essas revoltas internas fracassaram, possivelmente porque figuras como Rowling, Rogan e Peterson são populares demais para ser canceladas. É de perguntar como um artista menos lucrativo se sairia nessas circunstâncias.

Quando resenhei 12 Rules for Life, notei que existem dois Jordan Peterson. O primeiro é um professor da Universidade de Toronto com interesse específico em sistemas de crenças religiosos e ideológicos, e o segundo é “um notório agitador da alt-right […] um provocador transfóbico cujas palestras não passam de discurso de ódio”. Como comentei, apenas o primeiro existe de fato. Os ataques virulentos a Peterson que vimos nas redes sociais nos últimos dias só podem ser descritos como uma espécie de histeria. Ele foi chamado de “apologista do nazismo” e “fascista” por pessoas cuja familiaridade com seu trabalho se resume a artigos de má-fé e um punhado de citações seletivas tiradas de contexto. Peterson é rotineiramente chamado de “extrema-direita”, ainda que os principais pressupostos da extrema-direita de fato — uma ideia de superioridade racial ou nacional, amparada pelo autoritarismo e pela adoração do Estado — representem o completo oposto de sua visão. Muitos críticos tentaram ampliar a definição de “extrema-direita” — incorporando o conservadorismo cultural, uma crença na importância da responsabilidade pessoal e uma consciência das diferenças entre os sexos biológicos — de modo que ela pudesse ser aplicada a Peterson. Esse é o equivalente de anexar chifres de plástico a um buldogue para poder chamá-lo de monstro.

Claro, existem características subsidiárias em comum com a extrema-direita: homofobia, sexismo e outros pontos de vista reacionários. Mas chamar alguém de “extrema-direita” apenas com base nessas questões — em especial quando são imaginadas, e não amparadas por evidências — é uma forma de analfabetismo político. A oposição de Peterson ao feminismo é bem documentada, e existem discussões legítimas que é possível ter sobre os méritos de suas opiniões. Mas ainda que alguém estivesse convencido de que elas são equivalentes ao machismo, isso não seria suficiente para justificar o epíteto de “extrema-direita”. Se fosse o caso, então não seria mais possível fazer uma distinção entre Benny Hill e Hermann Göring.

Você acredita que livros devem ser cancelados porque você discorda do conteúdo?

A determinação de distorcer as ideias de Peterson está em pé de igualdade com a febre em torno de JK Rowling, cujas opiniões compassivas e matizadas sobre as maneiras como o feminismo crítico de gênero e o ativismo trans estão em conflito foram consideradas prova de que ela é o diabo encarnado. Essa monstrificação de figuras públicas, com base nas evidências mais frágeis, é indicativo de uma doença cultural e intelectual que seríamos tolos de ignorar. Existem todos os tipos de motivos razoáveis para implicar com as opiniões de Peterson, mas por que se tornou tão difícil para tantas pessoas apresentar um contra-argumento sem recorrer a um catastrofismo adolescente?

Vamos considerar as palavras de um funcionário júnior da Penguin Random House. Peterson, aparentemente, é “um ícone do discurso de ódio e da transfobia” e “um ícone da supremacia branca, independentemente do contexto do livro”. Quando pressionadas a entrar em detalhes, essas pessoas invariavelmente afirmam a capacidade de intuir os sentimentos particulares de Peterson; mas simplesmente declarar que seus oponentes ideológicos alimentam intenções malignas apenas comprova o seu desejo de que deveriam fazê-lo. É por isso que a acusação de “dog whistling” — “apito de cachorro”, ou seja, enviar sinais secretos que apenas os seguidores de alguém conseguem ouvir — é tão comum. Como um de seus críticos afirmou no Twitter, “uma coisa que Peterson faz consistentemente é acenar e jogar ossos para seus seguidores de extrema-direita, expressando-se em termos vagos ou ambíguos que lhe permitem afirmar que é claro que não quis dizer AQUILO”. É preciso ter um tipo grave de narcisismo para presumir que você é capaz de adivinhar o funcionamento secreto da mente de alguém simplesmente porque decidiu que deve ser assim.

Nem deveria ser preciso dizer que, se você acredita que livros deveriam ser cancelados porque você discorda do conteúdo, uma carreira no mercado editorial provavelmente não é para você. Precisamos enfrentar essa nova realidade dos nossos tempos: a de que existe uma parcela considerável da população adulta cuja educação chega ao nível superior, mas mesmo assim é incapaz de pensamento crítico e carece das competências básicas de argumentação. Pior ainda, muitos dos comentários mais ferozes sobre Peterson — incluindo zombar dele por um vício em benzodiazepina causado pelo diagnóstico de câncer de sua esposa — vêm daqueles que acreditam ser, eles mesmos, defensores solidários e virtuosos da justiça. Se essas pessoas de fato estão “do lado certo da história”, então o futuro da humanidade parece bem desolador.

A tese principal de Peterson é que a vida é insuportável sem uma noção de propósito, e que isso pode ser conquistado por meio da responsabilidade social e de assumir o controle da própria vida. Ele acredita que as civilizações entram em colapso sem estrutura, que é por isso que as crianças deveriam ser socializadas de acordo com os parâmetros éticos que estabelecemos para nós mesmos. Ele defende a ideia de que a ciência e a tecnologia melhoraram nossa vida, mas não satisfazem nossa necessidade de sentido. É por isso que seu trabalho se concentra nas histórias que se repetem nas antigas tradições e crenças religiosas. Existe uma sabedoria nessas narrativas, ele argumenta, ainda que seus elementos sobrenaturais não tenham base na realidade.

Se você considera essas opiniões repulsivas, é sempre possível refutá-las ou optar por não se expor ao trabalho de Peterson. Se você precisa se render a argumentos facilmente contestáveis, ou se convencer de que ele faz parte da “alt-right” ou “está lado a lado com o fascismo” para justificar sua oposição, então você não está em condições de reclamar se não for levado a sério. Gritar agressões àqueles que apreciam os textos de Peterson, ou exigir que seu livro seja cancelado, não é comportamento digno de um membro responsável de uma sociedade civilizada. Se você não gosta do trabalho dele — seja por causa do conteúdo de fato ou do que você apenas imaginou que ele seja —, então simplesmente não compre seus livros. Problema resolvido.

Precisamos nos perguntar como foi que chegamos ao ponto em que adultos estão dispostos a aceitar descaracterizações tão grandes de figuras públicas sem nem tentar se envolver com a realidade do que elas dizem e pensam. Precisamos retificar a ignorância histórica que dilui os termos “nazista” e “fascista” e os transforma em insultos sem sentido. Precisamos restaurar o pensamento crítico em nosso sistema de educação para contrapor a degradação contínua do discurso público e político. Precisamos considerar como alguém com mais de 16 anos acredita que lançar ofensas é uma forma eficaz de contra-argumentação. Isso não é apenas sobre Jordan Peterson; é sobre o tipo de histeria que ele inspira em uma sociedade infantilizada. Alguma coisa precisa mudar.


Andrew Doyle é comediante e colunista da Spiked. Seu novo livro, My First Little Book of Intersectional Activism (escrito sob o pseudônimo de Titania McGrath), está disponível na Amazon. Revista Oeste, nº 42, 8-1-2021

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