… pensar e tentar montar o pensamento de um jeito que leve os outros a pensar também — ou pelo menos a se divertir, que não é menos importante que pensar
Guilherme Fiuza
Nunca escrevo em primeira
pessoa, porque não interessa a ninguém, mas vou quebrar a regra pra falar de
uma coisa boa. E, já que o mundo virou de cabeça pra baixo, primeira pessoa
pode ser considerada última. Então, vamos falar aqui em última pessoa, lá do
fundão da classe, jogando conversa fora que ninguém é de ferro.
Talvez uma mistura do ofício
de contar histórias com a missão de tentar entender a História com o bonde
andando. Pensar e tentar montar o pensamento de um jeito que leve os outros a
pensar também — ou pelo menos a se divertir, que não é menos importante que
pensar. Enfim, o Augusto Nunes sempre me pareceu um cara que se diverte com
coisa séria (não tente fazer isso em casa; ou melhor: tente, mas vá com
cuidado).
Voltando ao início de 2020,
num corredor da Jovem Pan, tava na cara do Augusto que ele estava prestes a se
atracar com um brinquedo novo — e, como já dito, aí a coisa fica séria. E
ficou.
O projeto era de uma revista — esta aqui que você está lendo. Interrompo aqui este texto em última pessoa pra dizer, do fundão da classe, que isto não é uma propaganda floreada da Revista Oeste. Juro que não. Vou até mudar aquela formulação lá do início: não estou quebrando a minha regra de nunca escrever em primeira pessoa pra falar de uma coisa boa. Pensando bem, este texto é pra falar de uma coisa ruim — que aconteceu praticamente junto com o nascimento da Oeste.
Mas, voltando: era um projeto
de revista, o que não me dizia muita coisa. Eu já tinha parado de ler revistas
havia um bom tempo, pelo menos do jeito cativo que se lia antigamente. Já tinha
me desobrigado até de ler as matérias da última revista com a qual eu
colaborara — sem que isso seja um juízo sobre os que trabalhavam nela. Apenas
não me identificava com a maior parte do que era feito ali. Só que agora era
invenção do Augusto, e um cara que sabe se divertir com coisa séria nunca está
de brincadeira.
Apesar da afinidade que fomos
desenvolvendo ao longo dos anos, nosso único encontro profissional tinha
acontecido duas décadas antes. Um encontro prosaico. Augusto era colunista de
um dos primeiros sites jornalísticos brasileiros, o NoMínimo,
e eu fazia lá um papel inventado pelo Marcos Sá Corrêa: sob o pseudônimo de
Salomão Antunes, eu me passava por um velho jornalista encostado na seção de
cartas, com a incumbência de responder aos leitores. Eram respostas sempre
incisivas e sem coerência alguma, além de meio rabugentas.
Ou seja: minha única
experiência de trabalho com o Augusto Nunes era, basicamente, intrigar os
leitores dele.
Salomão Antunes não teria espaço nos dias de hoje. Um moralista caricato não teria graça como personagem fictício no meio de uma epidemia de moralismo real — que encontrou sua apoteose na epidemia viral. Foi nesse cenário de imprensa convertida em patrulha que nasceu a Revista Oeste.
Nasceu para afirmar a
liberdade — o que alguns anos atrás talvez soasse até retórico. Augusto Nunes,
J. R. Guzzo, Kaíke Nanne & cia. tinham um bom projeto. Mas não tinham ideia
de que ele nasceria precisamente junto com uma pandemia e se tornaria
tragicamente importante. Tragicamente, porque ninguém de boa-fé deseja
relevância por contraste. E a Missão 2020 foi contrastar a imprensa convertida
em central de especulação mórbida.
Vamos em frente.
Título e Texto: Guilherme Fiuza, revista Oeste, nº 41, 1-1-2021, 10h13
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