Dado que a trapaça do “apoio às famílias” acabou rapidamente desmontada, o dr. Costa viu-se obrigado a recorrer a múltiplos delírios socialistas, na esperança, razoável, de que se tornassem coletivos
Alberto Gonçalves
Na quarta-feira, o seguinte texto surgiu no Twitter do dr. Costa: “A Linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto-Vigo traduz as grandes opções estratégicas que definimos para #Portugal em 2015: estarmos na primeira linha da luta contra as alterações climáticas, mudando o paradigma de mobilidade e investindo na ferrovia, e promovermos a coesão interna.”
É escusado apurar se o autor
disto foi o dr. Costa ou um empregado. A linguagem de trapos, a estonteante
sucessão de clichés ordinários e a proliferação de patranhas chegam e sobram
para consagrar um estilo. Se não chegassem, e sobrassem, o estilo seria
evidente na fotografia que acompanha o texto: uma imagem do dr. Costa em típica
gargalhada, rodeado por figurinhas do socialismo autárquico, todas a rir em
obediência ao chefe, todas com as mãos papudas cruzadas sobre os abdomens
dilatados. Banha-da-cobra, de facto. Uma pessoa olha para aquilo, palavras e
imagem, e percebe imediatamente estar no movediço terreno da tramoia, e das
criaturas a evitar com o zelo com que se evita a rubéola.
Uma pessoa, vírgula. Nunca
devemos subvalorizar a inclinação de boa parte da humanidade para acreditar em
mentirosos flagrantes. Uma parte, felizmente menor, até acredita em políticos.
E uma parte menoríssima, infelizmente com residência em Portugal, acredita no
dr. Costa. É para estes que o dr. Costa fala e, no sentido muito livre e
irresponsável do termo, “governa”. E é deles que o dr. Costa ri.
Se repararam, a referida patranha trata dos comboios velozes, que agora se anunciam para 2030 como em 1999 o eng. Guterres, pai espiritual desta gente, os anunciara para 2009, e como em 2009 o eng. Sócrates, esse, os anunciara para 2013 ou lá quando era. Há aqui um padrão, uma técnica comum: sempre que a crise aperta, e as intrujices triviais não são suficientes, acena-se com alucinações de prazo longo ou indefinido, e de benefício pelo menos discutível. Entretanto, ganha-se tempo para fazer o que é preciso: distribuir fortunas pornográficas entre amigos para “estudos” e adjudicações apressadas e convencer o eleitorado de que vem aí o próximo “desígnio nacional”, por estapafúrdio ou insultuoso que seja.
Na crise estrutural a que
descemos, e que é uma mera antecipação da desgraça sem retorno a que desceremos
em breve, os “desígnios” voltam à ribalta, na habitual mitificação de Grandes
Obras que se justificam somente pela grandeza das verbas envolvidas. A “alta
velocidade” ferroviária, cuja serventia, pertinência ou viabilidade não se
discutem, é apenas um exemplo. Dado que a trapaça do “apoio às famílias” acabou
rapidamente desmontada, o dr. Costa viu-se obrigado a recorrer a múltiplos
delírios socialistas, na esperança, razoável, de que se tornassem coletivos.
Outro dos delírios é a TAP,
perdão, que a TAP vai à vida dela após 4 mil milhões impecavelmente investidos.
O delírio a que me refiro é o “novo” aeroporto “de Lisboa”. Uma curiosidade
sobre o novo aeroporto de Lisboa é o consenso em construí-lo onde calhar exceto
em Lisboa, na Ota ou no Montijo, em Alcochete ou Santarém, em Vermoim ou Ponte
da Barca. Uma segunda curiosidade é o consenso em construí-lo, ponto: é
fascinante que uma necessidade sentida há 53 anos, quando a Portela recebia à
rasquinha 2 milhões de passageiros/ano, continuou a ser sentida em 2019, quando
a Portela continuava a receber à rasquinha 27 milhões de passageiros, e
continua a ser sentida hoje, quando a Portela continua a receber à rasquinha
uns 22 milhões de passageiros. Quantos estrangeiros deixam de visitar o nosso
lindo cantinho por falta de vaga no atual aeroporto da capital? Ninguém sabe,
ninguém quer saber. À semelhança do que acontece com os comboios, o objetivo é
anunciar pechisbeques vistosos, torrar dinheiro nos respectivos preliminares e
encolher os ombros no momento em que a coisa cair no esquecimento ou nos tribunais.
Não tarda, movido pelo excesso de desespero ou pela carência de vergonha (é
complicado distinguir), o dr. Costa anuncia um foguetão de patente nacional.
Falta só um bocadinho. Há duas
semanas, o dr. Costa lembrou a existência da Agência Espacial Portuguesa, que
bem precisava ser lembrada. Daqui a jurar que Portugal colonizará Marte em
2045, por causa das “alterações climáticas” e do “paradigma da mobilidade”, é
um saltinho. Um saltinho que um vendedor de fancaria executa sem qualquer
dificuldade. Enquanto por cá andar, o vendedor de fancaria dará saltos cada vez
maiores.
A questão é que o dr. Costa
pode prometer tudo e os portugueses podem engolir tudo. Ao contrário dele, a
realidade não engana, e entra dia após dia pelos rombos abertos de um país em
frangalhos, governado por matraquilhos e presidido por um entertainer.
É o clássico círculo vicioso: à medida que o presente fica insuportável, são de
esperar mais “apostas no futuro”, mais “opções estratégicas”, mais mentiras
desmesuradas. E mais miséria, verdade seja dita. Mas, em #Portugal, a verdade
não se diz.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
1-10-2022
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