Humberto Pinho da Silva
Certa ocasião acompanhei meu pai a exposição
coletiva de fotografia. Tratava-se de trabalhos a preto e branco – na época
ainda não existiam rolos a cores – de grande beleza.
O tema era a cidade do Porto. Meu pai observou-as
atentamente, primeiro de perto, depois afastando-se um pouco, semicerrava as
pálpebras para melhor as apreciar.
Como no salão permanecessem fotógrafos, aproveitou
para trocar pareceres. Um senhor, apercebendo-se que (o meu pai) era
jornalista, acercou-se no intuito de lhe mostrar trabalhos.
Eram fotos de rara beleza (nesse tempo não existia
computador, que permitisse recortar, realçar, apagar e alterar tonalidades;
apenas filtros).
Entre as que mostrou havia uma foto, tirada na
Ribeira, que mostrava esbelta menina – não teria mais de seis anos – descalça e
de calcinhas.
A petiza era iluminada por misterioso raio de sol
que realçava ainda mais a sua beleza. Em segundo plano, em tênue sombra,
descortinava-se grupo de garotinhos seminus, secando ao sol, após terem nadado
no rio. Meu pai, encantado, perguntou-lhe se podia publicá-la.
Rasgou-se o semblante do homem, declarando que até
agradecia. Logo que entrou na redação de "O Comércio do Porto", levou
a foto para a mostrar ao Sr. Manuel Filipe (filho do diretor).
Como não estivesse disponível, apareceu-lhe o
escritor Costa Barreto, que o levou para salinha mobilada com mesa de
pé-de-galo de madeira maciça, cercada de pesados cadeirões. Logo que a viu
considerou que era um grande furo jornalístico
E virando-se para meu pai, acrescentou: “Agora só falta o texto. Ninguém como você, pode escrever prosa romântica e poética”.
Decorrido dias a "Reportagem Gráfica"
saiu. Não correram mais de duas semanas, quando foi avisado para ir falar com o
Costa Barreto, que lhe confidenciou o seguinte:
"Não me diga que a acharam pornográfica!? Ou
não gostaram da legenda ‘O rio, a piscina do povo’?!”
"Nada disso!”, atalhou, serenamente, Costa
Barreto, “queriam saber se você era de confiança... Porque a foto, juntamente
com outras, foi exposta em Milão. Exposição que pretendia mostrar a miséria em
que se vivia em Portugal!... Mas descanse... acreditaram que desconhecia o
facto, assim como o jornal”.
Claro que o matutino não publicou mais trabalhos
do fotógrafo. Nesse recuado tempo não se brincava com a polícia...
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, janeiro de 2024
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O trabalho de menino é pouco...
Pobre Camões, que tão mal o trataram
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