domingo, 14 de junho de 2020

O terrorismo virtual e a defesa da verdade

Como uma campanha sórdida de assassinato de reputação se tornou combustível para a defesa da liberdade

Ana Paula Henkel

Era quarta-feira, 3 de junho de 2020, e, como em todas as quartas-feiras, eu preparava mais um artigo para a Revista Oeste. Depois da morte de George Floyd por um policial e diante das manifestações daquela semana que acabaram em violentos protestos nos Estados Unidos, eu escrevia sobre o movimento dos direitos civis americanos nos anos 1960, Martin Luther King, Reagan, que em sua administração assinou uma lei declarando feriado nacional em homenagem ao ativista negro, e os legados de coragem e civilidade desses ícones não apenas da história americana, mas mundial.


Eu lia o discurso histórico de Martin Luther King, “I Have a Dream” (Eu Tenho um Sonho), em que o grande pacifista do movimento contra a segregação racial falava para uma multidão de 200 mil pessoas em Washington. Alguns discursos são lindamente escritos, mas mal proferidos. Outras vezes, vemos oradores naturalmente talentosos lutando com um material vazio. Mas “Eu tenho um sonho” de Martin Luther King tinha tudo e, 57 anos depois, podemos afirmar que é um dos melhores discursos proferidos de todos os tempos.

Foi quando, então, comecei a receber notificações de segurança no celular, dando conta de que alguém tentara invadir minha conta no Twitter. Deixei o artigo de lado por alguns minutos para verificar o que estava acontecendo e, a partir daquele momento, eu e minha família viveríamos alguns dias que jamais esqueceremos. Era como se a agressividade e a covardia que víamos na TV durante os violentos protestos organizados pela Antifa — grupo recentemente colocado na lista de organizações terroristas pelo governo americano — tivessem invadido minhas redes sociais.

Uma turba ideológica usa negros, mulheres e homossexuais em balaios coletivistas para manobras políticas

É muito importante salientar que o assassinato de George Floyd foi uma abominação moral e uma barbárie, e não pretendo me afastar da importância desse evento. Criminosos têm de sentir a mão pesada da Justiça, sejam eles civis ou policiais. Derek Chauvin, o policial que matou Floyd, antes de ser um mau policial, é um ser humano abjeto. A condenação do que aconteceu com Floyd foi amplamente demonstrada por todos os lados e apoiar manifestações pacíficas de qualquer natureza é primordial em qualquer democracia. No entanto, o endosso da violência e do sequestro de pautas legítimas por grupos políticos deve ser repudiado. E, para tal, só há uma alternativa: a liberdade para poder dizer a verdade.

Para o artigo que escrevia na quarta-feira 3, fiz o que sempre faço, aplicando a máxima deste veículo e do bom jornalismo: muita pesquisa. E foi em relatórios anuais e oficiais do Departamento de Justiça dos Estados Unidos que encontrei números que não corroboram com a narrativa de “racismo sistêmico por parte da polícia americana”, como se policiais estivessem matando negros indiscriminadamente. Só em 2019, por exemplo, houve mais de 10 milhões de operações policiais em todo o país. As estatísticas mostram que nove negros desarmados morreram (contra dezenove brancos) entre as 1004 pessoas que perderam suas vidas em confrontos com a polícia. E foram exatamente esses e outros dados do Departamento de Justiça que eu trouxe para o debate intelectualmente honesto em minhas redes sociais e em alguns programas de entrevistas. Tudo ia bem, até que os linchadores virtuais pinçaram um tuíte apenas de uma longa conversa, em que, entre outras declarações, afirmo que há racismo na sociedade, mas que os números não mostram “racismo sistêmico policial”. O trecho foi removido, utilizado fora do contexto e tornou-se base para mais uma tentativa de assassinato de reputação.

Depois de ser chamada de transfóbica por defender o esporte feminino contra as injustas políticas que autorizam transexuais, homens biológicos, a competirem com meninas e mulheres; depois de ser chamada de fascista por apoiar medidas econômicas da equipe de Paulo Guedes, essenciais para a saúde fiscal do Brasil, como a reforma da Previdência; havia chegado a hora de ser chamada de racista por apresentar números oficiais que, infelizmente, para a turba ideológica que usa negros, mulheres e homossexuais em balaios coletivistas para manobras políticas e ganho de poder, desmontam a falácia de que a corporação policial é racista e mata negros por puro preconceito.

O movimento bonzinho social começa com a socialização de nossos filhos

O que seguiu por quatro longos dias foi uma tempestade de ódio milimetricamente planejada. Intimidação, assédio moral, ameaças à integridade da minha família, calúnia, difamação, e todo o cardápio de quem não está interessado em discutir as razões dos altos índices de criminalidade nos bairros negros e nas periferias nos Estados Unidos e no Brasil, ou a falsa bondade de movimentos que apenas regurgitam teorias marxistas que até hoje não deram certo em nenhum lugar. Os números por mim trazidos não desmascaram apenas a narrativa de “racismo policial sistêmico”, mas expõem as desastrosas políticas públicas — ou a total falta delas — dos partidos de esquerda que dominam essas áreas. Também evidenciam as raízes de problemas socioeconômicos muito mais profundas e sérias do que o cântico entoado por movimentos que se intitulam “protetores das causas negras” como o Black Lives Matter.

Bob Woodson, veterano ativista negro dos direitos civis na década de 1960, emitiu uma ampla declaração na terça-feira sobre o movimento Black Lives Matter e a ideia de que o “racismo sistêmico” é a causa das dificuldades afro-americanas. O ex-chefe do Departamento Nacional de Justiça Criminal Urbana e hoje presidente do Woodson Institute, criado para desenvolver projetos culturais e socioeconômicos nas comunidades negras, disse: “Não sei o que é racismo sistêmico. Talvez alguém possa explicar o que isso significa. Esse movimento é moralmente falido e não propõe soluções concretas para os problemas. Alguns de nós, pessoas de direitos civis, precisam ter voz. A mídia sempre entrega uma câmera e um microfone aos baderneiros, mas não às pessoas que tentam encontrar caminhos. A questão central tem mais a ver com classe do que com raça. E agora a raça está sendo usada para desviar a atenção das falhas das pessoas que administram os centros e instituições que deveriam cuidar dos negros”. Bob Woodson, que marchou contra a segregação racial, também é chamado de — pasmem! — racista e preconceituoso.

Mas não acreditem em mim. Chequem vocês mesmos no site no Black Lives Matter a seguinte declaração: “Interromperemos o núcleo familiar prescrito pelo Ocidente, apoiando-nos como famílias ampliadas e ‘vilarejos’ que cuidam coletivamente um do outro, especialmente de nossos filhos, na medida em que mães, pais e filhos se sentirem confortáveis”. Entenderam? O movimento bonzinho social começa com a socialização de nossos filhos.

Sinalizadores da virtude gritam “acabem com a polícia”, mas têm seguranças armados para sua proteção

O racismo, em qualquer nível e contra qualquer etnia, pode e deve ser discutido e isso só acabará quando deixar de ser tema explorado politicamente e passar a ser algo humanitário. Ninguém quer discutir fome, liberdade, saúde, educação, criminalidade. Dá trabalho e não rende “likes” ou o selo de bondade e passe “agora você é um dos nossos” do Beautiful People. O racismo não é bandeira política. É algo que a humanidade precisa superar. Tentar apagar a história não apagará os erros do passado, mas as lições do que não devemos fazer para repeti-los. Tentar esconder dados não ajudará os que mais precisam de oportunidade e da proteção da polícia.

Fica mais óbvio a cada dia que os votos de negros — mais do que vidas negras — são importantes e o foco para muitos políticos. É por isso que esses políticos devem tentar manter os eleitores negros com medo, raiva e ressentimento. A harmonia racial seria um desastre para muitos políticos e movimentos sociais, que de sociabilidade não tem nada, apenas gana por poder. É preciso, então, tentar calar vozes, brancas ou negras, que desafiam as correntes ideológicas e remam contra a maré da hipocrisia e do aplauso fácil. A arena da falsa bondade existe para que os sinalizadores da virtude possam apagar os pecados de terem seguranças armados para sua proteção, enquanto gritam de seus condomínios “acabem com a polícia”.

Ataques à índole de alguém e não a seus argumentos é uma maneira de fazer as pessoas ficarem quietas e pararem de apresentar questões incômodas sobre economia e projetos políticos falidos. Por que crianças negras não têm um desempenho satisfatório nos sistemas escolares administrados por negros e partidos de esquerda? Por que quase 70% dos lares negros têm apenas um genitor presente? Por que a figura paterna nessas comunidades não é presente? Por que nos últimos 50 anos, US$ 22 trilhões foram gastos em programas de pobreza nessas comunidades nos Estados Unidos, mas apenas 30% chegaram às pessoas?

Nunca, nem durante meus 24 anos como atleta profissional, recebi tanto apoio

Algumas reflexões certamente ficam depois do vil e orquestrado ataque sofrido por mim e minha família nos últimos dias. A primeira delas é que existe — sim — uma “maioria silenciosa” que está disposta a aparecer quando injustiças, covardia e ameaças estão em curso. E isso é reconfortante. Soldados que aparecem na trincheira onde você está sendo bombardeado para aumentar sua força e capacidade de reação. Nunca — e, aqui, quero deixar registrado mais uma vez — recebi tanto amor e apoio nos meus 48 anos, nem durante meus 24 anos como atleta profissional. Registro minha gratidão à Revista Oeste, que numa campanha de apoio recolheu milhares de mensagens de carinho, aos antigos amigos virtuais (não gosto da palavra “seguidores”, não somos seita…), a muitas pessoas que xingaram e voltaram para se desculpar depois de ler mais do que dúbias manchetes, e aos quase 25 mil novos amigos virtuais em três dias em minhas redes. Obrigada. De coração. É uma honra tê-los por perto.

Minha maior reflexão fica no que sempre discutimos e defendemos aqui: a liberdade. A liberdade para falar a verdade. Em tempos de revisionismos históricos, da cultura do “cancelamento”, na qual filmes e expressões não podem existir mais porque sentimentos falam mais que a razão, fico com as palavras do jornalista norte-americano Tucker Carlson, que esta semana disse: “Tenha certeza de que se você defende a verdade eles virão atrás de você. A tentação é entrar em pânico. Não entre em pânico. Você tem que manter a cabeça para dizer a verdade. Diga a verdade. Se você mostrar fraqueza, eles te esmagarão. Se você se desculpar por dizer a verdade, estará apenas dando poder a pessoas ruins que te odeiam. Antes que você perceba, estará confessando crimes que não cometeu. Diga a verdade. Este momento vai passar, tudo passa. E quando tudo isso passar, olharemos incrédulos para trás, para tudo o que vimos. Mas, se você for honesto agora, mantenha sua dignidade. No final, ficará muito satisfeito com isso, a vida não vale a pena ser vivida sem ela”.

E pensar que em 1770, John Adams, um dos Pais Fundadores da América, já dizia: “Fatos são coisas teimosas; e quaisquer que sejam nossos desejos, nossas inclinações ou os ditames de nossas paixões, eles não podem alterar o estado de fatos e evidências”.
Título e Texto: Ana Paula Henkel, revista Oeste, 12-6-2020, 10h19

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