Como uma campanha sórdida de assassinato de
reputação se tornou combustível para a defesa da liberdade
Ana Paula Henkel
Era quarta-feira, 3 de junho
de 2020, e, como em todas as quartas-feiras, eu preparava mais um artigo para a
Revista Oeste. Depois da morte de George Floyd por um policial e diante
das manifestações daquela semana que acabaram em violentos protestos nos
Estados Unidos, eu escrevia sobre o movimento dos direitos civis americanos nos
anos 1960, Martin Luther King, Reagan, que em sua administração assinou uma lei
declarando feriado nacional em homenagem ao ativista negro, e os legados de
coragem e civilidade desses ícones não apenas da história americana, mas
mundial.
Eu lia o discurso histórico de
Martin Luther King, “I Have a Dream” (Eu Tenho um Sonho), em que o grande
pacifista do movimento contra a segregação racial falava para uma multidão de
200 mil pessoas em Washington. Alguns discursos são lindamente escritos, mas
mal proferidos. Outras vezes, vemos oradores naturalmente talentosos lutando com
um material vazio. Mas “Eu tenho um sonho” de Martin Luther King tinha tudo e,
57 anos depois, podemos afirmar que é um dos melhores discursos proferidos de
todos os tempos.
Foi quando, então, comecei a
receber notificações de segurança no celular, dando conta de que alguém tentara
invadir minha conta no Twitter. Deixei o artigo de lado por alguns minutos para
verificar o que estava acontecendo e, a partir daquele momento, eu e minha
família viveríamos alguns dias que jamais esqueceremos. Era como se a
agressividade e a covardia que víamos na TV durante os violentos protestos
organizados pela Antifa — grupo recentemente colocado na lista de organizações
terroristas pelo governo americano — tivessem invadido minhas redes sociais.
Uma turba ideológica
usa negros, mulheres e homossexuais em balaios coletivistas para manobras
políticas
É muito importante salientar
que o assassinato de George Floyd foi uma abominação moral e uma barbárie, e
não pretendo me afastar da importância desse evento. Criminosos têm de sentir a
mão pesada da Justiça, sejam eles civis ou policiais. Derek Chauvin, o policial
que matou Floyd, antes de ser um mau policial, é um ser humano abjeto. A
condenação do que aconteceu com Floyd foi amplamente demonstrada por todos os
lados e apoiar manifestações pacíficas de qualquer natureza é primordial em
qualquer democracia. No entanto, o endosso da violência e do sequestro de
pautas legítimas por grupos políticos deve ser repudiado. E, para tal, só há
uma alternativa: a liberdade para poder dizer a verdade.
Para o artigo que escrevia na
quarta-feira 3, fiz o que sempre faço, aplicando a máxima deste veículo e do
bom jornalismo: muita pesquisa. E foi em relatórios anuais e oficiais do
Departamento de Justiça dos Estados Unidos que encontrei números que não
corroboram com a narrativa de “racismo sistêmico por parte da polícia
americana”, como se policiais estivessem matando negros indiscriminadamente. Só
em 2019, por exemplo, houve mais de 10 milhões de operações policiais em todo o
país. As estatísticas mostram que nove negros desarmados morreram (contra
dezenove brancos) entre as 1004 pessoas que perderam suas vidas em confrontos
com a polícia. E foram exatamente esses e outros dados do Departamento de
Justiça que eu trouxe para o debate intelectualmente honesto em minhas redes
sociais e em alguns programas de entrevistas. Tudo ia bem, até que os
linchadores virtuais pinçaram um tuíte apenas de uma longa conversa, em que,
entre outras declarações, afirmo que há racismo na sociedade, mas que os números
não mostram “racismo sistêmico policial”. O trecho foi removido, utilizado fora
do contexto e tornou-se base para mais uma tentativa de assassinato de
reputação.
Depois de ser chamada de
transfóbica por defender o esporte feminino contra as injustas políticas que
autorizam transexuais, homens biológicos, a competirem com meninas e mulheres;
depois de ser chamada de fascista por apoiar medidas econômicas da equipe de
Paulo Guedes, essenciais para a saúde fiscal do Brasil, como a reforma da
Previdência; havia chegado a hora de ser chamada de racista por apresentar
números oficiais que, infelizmente, para a turba ideológica que usa negros,
mulheres e homossexuais em balaios coletivistas para manobras políticas e ganho
de poder, desmontam a falácia de que a corporação policial é racista e mata
negros por puro preconceito.
O movimento bonzinho
social começa com a socialização de nossos filhos
O que seguiu por quatro longos
dias foi uma tempestade de ódio milimetricamente planejada. Intimidação,
assédio moral, ameaças à integridade da minha família, calúnia, difamação, e
todo o cardápio de quem não está interessado em discutir as razões dos altos
índices de criminalidade nos bairros negros e nas periferias nos Estados Unidos
e no Brasil, ou a falsa bondade de movimentos que apenas regurgitam teorias
marxistas que até hoje não deram certo em nenhum lugar. Os números por mim
trazidos não desmascaram apenas a narrativa de “racismo policial sistêmico”,
mas expõem as desastrosas políticas públicas — ou a total falta delas — dos
partidos de esquerda que dominam essas áreas. Também evidenciam as raízes de
problemas socioeconômicos muito mais profundas e sérias do que o cântico
entoado por movimentos que se intitulam “protetores das causas negras” como o
Black Lives Matter.
Bob Woodson, veterano ativista
negro dos direitos civis na década de 1960, emitiu uma ampla declaração na
terça-feira sobre o movimento Black Lives Matter e a ideia de que o “racismo
sistêmico” é a causa das dificuldades afro-americanas. O ex-chefe do
Departamento Nacional de Justiça Criminal Urbana e hoje presidente do Woodson
Institute, criado para desenvolver projetos culturais e socioeconômicos nas
comunidades negras, disse: “Não sei o que é racismo sistêmico. Talvez alguém
possa explicar o que isso significa. Esse movimento é moralmente falido e não
propõe soluções concretas para os problemas. Alguns de nós, pessoas de direitos
civis, precisam ter voz. A mídia sempre entrega uma câmera e um microfone aos
baderneiros, mas não às pessoas que tentam encontrar caminhos. A questão
central tem mais a ver com classe do que com raça. E agora a raça está sendo
usada para desviar a atenção das falhas das pessoas que administram os centros
e instituições que deveriam cuidar dos negros”. Bob Woodson, que marchou contra
a segregação racial, também é chamado de — pasmem! — racista e preconceituoso.
Mas não acreditem em mim.
Chequem vocês mesmos no site no Black Lives Matter a seguinte declaração:
“Interromperemos o núcleo familiar prescrito pelo Ocidente, apoiando-nos como
famílias ampliadas e ‘vilarejos’ que cuidam coletivamente um do outro,
especialmente de nossos filhos, na medida em que mães, pais e filhos se
sentirem confortáveis”. Entenderam? O movimento bonzinho social começa com a
socialização de nossos filhos.
Sinalizadores da
virtude gritam “acabem com a polícia”, mas têm seguranças armados para sua
proteção
O racismo, em qualquer nível e
contra qualquer etnia, pode e deve ser discutido e isso só acabará quando
deixar de ser tema explorado politicamente e passar a ser algo humanitário.
Ninguém quer discutir fome, liberdade, saúde, educação, criminalidade. Dá
trabalho e não rende “likes” ou o selo de bondade e passe “agora você é um dos
nossos” do Beautiful People. O racismo não é bandeira política. É algo que a
humanidade precisa superar. Tentar apagar a história não apagará os erros do
passado, mas as lições do que não devemos fazer para repeti-los. Tentar
esconder dados não ajudará os que mais precisam de oportunidade e da proteção
da polícia.
Fica mais óbvio a cada dia que
os votos de negros — mais do que vidas negras — são importantes e o foco para
muitos políticos. É por isso que esses políticos devem tentar manter os
eleitores negros com medo, raiva e ressentimento. A harmonia racial seria um
desastre para muitos políticos e movimentos sociais, que de sociabilidade não
tem nada, apenas gana por poder. É preciso, então, tentar calar vozes, brancas
ou negras, que desafiam as correntes ideológicas e remam contra a maré da
hipocrisia e do aplauso fácil. A arena da falsa bondade existe para que os
sinalizadores da virtude possam apagar os pecados de terem seguranças armados
para sua proteção, enquanto gritam de seus condomínios “acabem com a polícia”.
Ataques à índole de alguém e
não a seus argumentos é uma maneira de fazer as pessoas ficarem quietas e
pararem de apresentar questões incômodas sobre economia e projetos políticos
falidos. Por que crianças negras não têm um desempenho satisfatório nos
sistemas escolares administrados por negros e partidos de esquerda? Por que
quase 70% dos lares negros têm apenas um genitor presente? Por que a figura paterna
nessas comunidades não é presente? Por que nos últimos 50 anos, US$ 22 trilhões
foram gastos em programas de pobreza nessas comunidades nos Estados Unidos, mas
apenas 30% chegaram às pessoas?
Nunca, nem durante
meus 24 anos como atleta profissional, recebi tanto apoio
Algumas reflexões certamente
ficam depois do vil e orquestrado ataque sofrido por mim e minha família nos
últimos dias. A primeira delas é que existe — sim — uma “maioria silenciosa”
que está disposta a aparecer quando injustiças, covardia e ameaças estão em
curso. E isso é reconfortante. Soldados que aparecem na trincheira onde você
está sendo bombardeado para aumentar sua força e capacidade de reação. Nunca —
e, aqui, quero deixar registrado mais uma vez — recebi tanto amor e apoio nos
meus 48 anos, nem durante meus 24 anos como atleta profissional. Registro minha
gratidão à Revista Oeste, que numa campanha de apoio recolheu milhares
de mensagens de carinho, aos antigos amigos virtuais (não gosto da palavra
“seguidores”, não somos seita…), a muitas pessoas que xingaram e voltaram para
se desculpar depois de ler mais do que dúbias manchetes, e aos quase 25 mil
novos amigos virtuais em três dias em minhas redes. Obrigada. De coração. É uma
honra tê-los por perto.
Minha maior reflexão fica no
que sempre discutimos e defendemos aqui: a liberdade. A liberdade para falar a
verdade. Em tempos de revisionismos históricos, da cultura do “cancelamento”,
na qual filmes e expressões não podem existir mais porque sentimentos falam
mais que a razão, fico com as palavras do jornalista norte-americano Tucker
Carlson, que esta semana disse: “Tenha certeza de que se você defende a verdade
eles virão atrás de você. A tentação é entrar em pânico. Não entre em pânico.
Você tem que manter a cabeça para dizer a verdade. Diga a verdade. Se você
mostrar fraqueza, eles te esmagarão. Se você se desculpar por dizer a verdade,
estará apenas dando poder a pessoas ruins que te odeiam. Antes que você
perceba, estará confessando crimes que não cometeu. Diga a verdade. Este
momento vai passar, tudo passa. E quando tudo isso passar, olharemos incrédulos
para trás, para tudo o que vimos. Mas, se você for honesto agora, mantenha sua
dignidade. No final, ficará muito satisfeito com isso, a vida não vale a pena
ser vivida sem ela”.
E pensar que em 1770, John
Adams, um dos Pais Fundadores da América, já dizia: “Fatos são coisas teimosas;
e quaisquer que sejam nossos desejos, nossas inclinações ou os ditames de
nossas paixões, eles não podem alterar o estado de fatos e evidências”.
Título e Texto: Ana Paula
Henkel, revista Oeste, 12-6-2020, 10h19
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