Gazeta do Povo
“Quem aqui de Salvador topa a
participação em protestos de rua com potencial conflituoso? (...) A ideia é
partir para o enfrentamento nas ruas e f*da-se coronavírus. Serão necessárias
muitas pessoas, armas brancas, material incendiário e coragem (...)”.
O post acima, publicado na
semana passada, seria de um supremacista branco dos Estados Unidos ou de um
brasileiro favorável à intervenção militar? Não. A autoria é de um professor de
sociologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que diz ser contra o fascismo,
ou seja, contra a doutrina de Benito Mussolini – na qual costumam ser
encaixadas as ações de Adolf Hitler –, de Estado forte, com o esmagamento das
liberdades individuais e pretensões eugenistas (nas quais o racismo está
presente). Mas, surpreendentemente, o que o professor prega é exatamente o uso
das armas “fascistas”: violência como caminho legítimo para se fazer justiça
porque, na opinião dele, as regras democráticas não estão funcionando – e mais
Estado.
"Desde a última semana,
quando começaram nos Estados Unidos os protestos violentos contra o racismo
como resposta à morte de George Floyd, homem negro asfixiado por um policial
branco, “aproveitou-se” o clima norte-americano de mortes e quebra-quebra para
fazer uma movimentação no mesmo sentido no Brasil. Não por causa de uma morte
injusta, como é o caso nos EUA, mas por movimentos pró-intervenção militar e
posts publicados pelo presidente Jair Bolsonaro considerados fascistas. Um
protesto convocado por integrantes de torcidas organizadas em São Paulo (SP),
no último dia 31 de maio, terminou em confronto com a Polícia Militar (PM). Já
em Curitiba (PR), manifestação que pretendia ser “pacífica e apartidária” foi
marcada por vandalismo e teve até bandeira do Brasil incendiada.
Mas se nas ruas brasileiras os
protestos ainda são tímidos, nas redes sociais a resposta violenta
autodenominada antifascista, ou “antifa”, explodiu, com adesão de dezenas de professores
universitários, que rechearam seus perfis com o selo de “Professor
Antifascista” e propostas violentas para “resolver o Brasil”.
Uma busca simples nas
principais redes sociais e lá estão os professores “antifascistas” com
propostas bastante questionáveis.
Um professor de Direito de uma
das maiores faculdades privadas do país compartilha um vídeo da quebradeira
generalizada no Centro de São Paulo, do dia 31, e comemora: “Viva os
antifas!!”.
Uma professora da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar) escreve “#ForaPM #ForaFascistas #NãoPassarão
#ForaMilicos”. Já uma docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
com selo de “Resistência Antifascista” em sua foto de perfil, diz que “a
escória maldita está no poder!”.
Um professor de uma
universidade estadual do Paraná, que pediu para não ser identificado por temer
represálias, relata a tensão de quem pensa diferente. “Não aderi aos avatares
‘professor antifascista’ por não concordar com um movimento que taxa qualquer
voz discordante como fascista”, diz. “Essa semana fui repreendido diversas
vezes por colegas docentes por não ceder à pressão”, completa. Questionado se a
direção da instituição exerceu algum tipo de pressão, o professor deixa claro:
“Nada concreto, mas parece sempre ser uma questão de tempo”.
Liberdade apenas a quem convém?
Os professores que não aceitam
a narrativa de considerar democráticas as manifestações violentas dos
“antifascistas” têm sofrido retaliações virtuais. O que, para eles, seria
exatamente o contrário do que se esperaria de alguém que afirma ser contra o
“fascismo”, uma pessoa que respeita a opinião alheia e utiliza os meios
democráticos, não violentos, para mudar o que lhe parece estar errado.
“É perfeitamente legítimo
apoiar o Bolsonaro por si só. Isso não envolve nenhum tipo de ilegalidade. Não
há problema nenhum em ser pessoalmente favorável ao político que você quiser.
Evidentemente, quem o faz, deve fazê-lo sem cometer abusos, como pregar a
derrocada de instituições e assim por diante. Mas o apoio em si é legítimo e
não configura fascismo de forma alguma”, afirma Rodrigo Jungmann, do
departamento de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Desde
2016, o docente, que manifesta posicionamento conservador, já sofreu uma série
de ataques promovidos por estudantes. Em uma das ocasiões, sua sala foi
invadida e as paredes foram pichadas com frases como “Stalin matou pouco” e
“burguês de merda”. Em outro episódio, alunos se reuniram para chamá-lo de
“nazista”, “fascista” e “racista” durante uma exibição do filme “Bonifácio: O
Fundador do Brasil”, que analisa a personalidade de José Bonifácio a partir de
tese filosófica de Olavo de Carvalho.
Outro que é criticado por não
aceitar a retórica de que o atual movimento “antifascista” seria democrático é
Jean Marie Lambert, professor emérito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás
(PUC GO), que acompanha o grupo nos Estados Unidos desde a eleição de Donald
Trump, em 2016. Para ele, trata-se de uma espécie de réplica mais violenta dos
confrontos estudantis de maio de 1968 em Paris, uma reação violenta de
norte-americanos, adeptos à uma visão permissiva nos costumes, à proposta
conservadora do presidente Donald Trump que encontra paralelo no Brasil,
especialmente após a eleição de 2018, que alçou Jair Bolsonaro ao poder.
Para ele, chama a atenção a
ignorância dos professores “antifascistas” sobre o que foi o fascismo e como as
práticas defendidas por esses docentes seguem o modus operandi dos fascistas
históricos. Nesse ambiente, professores como ele acabam sendo isolados.
“Os professores mais jovens
não sentem isso porque, de certa forma, já são ‘peixe da mesma água’. Eles já
estão moldados por esse quebra-cabeça ideológico globalista e sequer percebem.
Eu acabei saindo da universidade praticamente por causa disso. Passei a
ministrar cursos na internet porque não tenho mais espaço na universidade. Na
minha interpretação, esse esquerdo-globalismo é o movimento mais intolerante e
excludente que apareceu no panorama político, talvez desde a queda do Muro de
Berlim”, diz.
Título e Texto: Gazeta
do Povo, 5-6-2020, 11h16
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