A escritora alemã Helene Hegemann, premiada por seu romance de estreia aos 17
anos. Acusada de plágio, ela diz que faz “mixagem” literária.
Danilo Venticinque
Conterrânea de Günter Grass e
Thomas Mann, vencedores do Nobel de Literatura, a adolescente Helene Hegemann
não precisou de tempo nem de originalidade para fazer barulho no mundo das
letras alemãs. Com seu romance de estreia, Axolotle Atropelado (Intrínseca,
208 páginas, R$ 39,90), que narra a vida de uma adolescente em uma Berlim
sombria, repleta de sexo e drogas, a autora de 17 anos foi indicada ao prêmio
principal dos festivais literários de Colônia e Leipzig. O livro vendeu mais de
100 mil cópias, foi traduzido para 14 idiomas e garantiu o lugar de Helene
entre as principais revelações da literatura contemporânea no país. Seria uma
história irretocável de garota prodígio, não fosse a revelação de um segredo
embaraçoso: dezenas de trechos do livro foram copiados diretamente de blogs e
outras fontes da internet.
O que faz de Helene um
fenômeno literário em vez de um caso clássico de plágio é a explicação dada
pela autora após as primeiras acusações de cópia, feitas por um blogueiro
anônimo que reconheceu trechos de seus posts no romance. No início, Helene
contra-atacou e disse que as queixas eram por “inveja”. Depois, decidiu assumir
a reprodução de textos alheios como parte de seu estilo e afirmou que fazia
“mixagem” literária. “Não entendo por que tanto barulho em torno disso”, disse
a escritora, em entrevista à revista alemã Der Spiegel. Surpreendentemente, a
crítica alemã, conhecida por seu rigor com escritores do país, comprou a
explicação da autora. O jornalista Volker Weidermann, jurado de um dos prêmios,
afirmou que o romance não era “completamente limpo”, mas que a cópia fazia
parte do conceito do livro. A editora, em vez de adotar o tratamento costumeiro
em casos comprovados de plágio (retirar os livros das prateleiras e relegar o
autor ao ostracismo), limitou-se a lançar uma nova edição do romance, com uma
discreta lista de referências ao final do texto – e continuou a vender (bem) o
livro.
O tratamento dado ao caso
deve-se, em parte, aos méritos da autora. Axolotle atropelado mistura
a linguagem ágil da internet e os diálogos breves a um estilo literário
marcante, com influências que vão da literatura beat de Jack Kerouac a obras
recentes como Fucking Berlin, de Sonia Rossi, uma imigrante
italiana que trabalhou como prostituta em Berlim para pagar sua faculdade. O
livro também tem aspectos autobiográficos: assim como a personagem principal de
seu romance, Helene também se mudou para Berlim após a morte da mãe, aos 13
anos, e acostumou-se a trocar a escola pela vida noturna da cidade. Se as
palavras do livro nem sempre são da autora, as experiências que inspiraram o
enredo certamente são. Seus méritos literários precoces também podem ser
confirmados por trabalhos anteriores: aos 15 anos, Helene escreveu uma peça de
teatro e a adaptou para ser veiculada no rádio. Aos 16, escreveu e dirigiu seu
primeiro filme. Seu pai, Carl Hegemann, é um crítico e dramaturgo conhecido na
cena literária local.
A principal justificativa para
o sucesso (e a impunidade) de Axolotle atropelado, porém, é um
movimento gradual da crítica e do mercado para aceitar a mixagem como uma forma
válida de literatura – algo impensável há cinco anos. Em 2006, a estudante de
Harvard Kaavya Viswanathan, de 19 anos, teve de romper um contrato com a
tradicional editora Little Brown e viu seu livro de estreia How Opal
Mehta got kissed, got wild and got a life ser tirado das prateleiras
por misturar trechos e cenas de outros romances juvenis. Entre o caso de Kaavya
e o de Helene, no entanto, as livrarias foram invadidas por uma série de
mashups literários: livros que misturam trechos de romances clássicos a
histórias originais para produzir uma nova obra, a exemplo do infame Orgulho
e preconceito e zumbis.
A cópia também se manifestou
na alta literatura: Michel Houellebecq, um dos escritores franceses mais
incensados da atualidade, usou diversos trechos da Wikipédia francesa em seu
romance O mapa e o território, de 2010. Depois de descoberto, disse
que a colagem de textos enciclopédicos e documentais fazia parte de seu estilo
literário. Colou. O fenômeno foi reconhecido recentemente pelo crítico de arte
francês Nicolas Bourriard. No ensaio Post-production, ele afirma
que, desde os anos 1990, artistas têm se dedicado a reproduzir e reapresentar
trabalhos anteriores, flexibilizando os conceitos de autoria e originalidade. A
rigor, a tendência vem das salas de aula.
Um livro da americana Susan
Blum – My word: plagiarism and college culture (ou Minha
palavra: plagiarismo e cultura universitária) – descreve como os estudantes
americanos já não consideram errado usar trechos de outras pessoas em seus
trabalhos. Estão criando, na prática, um novo conceito de originalidade. Helene
aplica isso à literatura. “Não acho que estou roubando, porque coloquei todo o
material em um contexto diferente, único”, diz. “O livro foi escrito para
representar meu tempo e, por isso, rejeita o excesso de direitos autorais em
favor do direito de copiar e transformar.” A julgar pelo argumento de Helene,
talvez o maior pecado de Kaavya tenha sido a hesitação em admitir a cópia. Se a
tivesse assumido como estilo, como Helene e Houellebecq, poderia ser saudada
como pioneira em vez de se aposentar precocemente da carreira literária.
Imagem e Texto: Danilo Venticinque, revista Época, nº 686, 09-07-2011
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