Na História do Brasil
republicano, Dilma Rousseff é a presidente que mais exonerou ministros em menos
de um ano de governo. Mas, curiosamente, não identificou nada de anormal na sua
administração. Como se as demissões por graves acusações de corrupção fossem
algo absolutamente rotineiro. E ocorressem em qualquer país democrático. Todas
as demissões seguiram um mesmo ritual: começaram por denúncias publicadas na
imprensa e, semanas (ou meses) depois, quando não havia mais nenhuma condição
de manter o ministro no cargo, este pedia para sair.
Na ópera-bufa da política
nacional, isso passou a fazer parte do figurino. O fecho do processo se repete:
é necessário também emitir alguma crítica genérica sobre a corrupção, sem
identificar o destinatário. Na hora da posse do novo ministro, deve ser
elogiado o antecessor (o elogio será mais extenso e efusivo dependendo de quão
poderoso for o padrinho político do ministro). Semanas depois as acusações
desaparecem em meio a um novo escândalo.
O Brasil foi, ao longo do tempo,
esgarçando os princípios morais e éticos. Em 1954 chamou-se "mar de
lama" a um conjunto de pequenas mazelas que envolviam a ação de Gregório
Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas. Hoje Gregório
seria considerado um iniciante, até um ingênuo. A corrupção permeia todas as
esferas do poder e conta com o silêncio complacente do Judiciário.
Em meio a esta turbulência, a
oposição não sabe bem o que fazer. Está paralisada. Na base governamental temos
alguns senadores que manifestam - ainda que timidamente - algum tipo de
independência, como os peemedebistas Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon. Vivem
uma constante crise de identidade. Sentem-se envergonhados como membros de um
partido marcadamente fisiológico, mas não assumem claramente uma posição
oposicionista. Nesse contorcionismo perdem espaço e são usados pelo governo,
como na tentativa de criar uma frente suprapartidária para dar apoio à
presidente no combate à corrupção, que serviu para desviar as atenções da
proposta de CPI. O mais estranho é que a presidente não só não pediu apoio,
como não fez nenhum movimento de simpatia. Deixou, literalmente, os senadores
com a vassoura na mão.
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Londres, agosto de 2011. Foto: AD |
Do lado propriamente
oposicionista, continua a triste batalha dostoievskiana. O ódio entre os seus principais
líderes deixaria enrubescido o patriarca da família Karamazov. A disputa
interna fratricida paralisa qualquer ação. Não há projetos partidários. É uma
espécie de cada um por si. E todos se acham espertos. Atualmente, a maior das
espertezas é buscar apoio do governo para ampliar o seu poder na oposição. Algo
no terreno do fantástico e fadado, obviamente, ao fracasso. Contudo, durante
algumas semanas, dá ao líder oposicionista uma aura de sagacidade.
Enquanto isso, o País assiste
a espetáculos dantescos de malversação dos recursos públicos, à permanência da
inépcia governamental e ao agravamento homeopático dos efeitos internos da
crise internacional. Em qualquer país democrático seria um terreno fértil para
a oposição. Mas não no Brasil. Aqui, o velho discurso reacionário de que fazer
oposição é ser contra o País ainda é dominante. A oposição tem medo de ser
oposição. Foge do confronto como o diabo da cruz. Deve sentir vergonha por ter
recebido a confiança de 44 milhões de eleitores na última eleição presidencial.
Vivemos num ambiente
despolitizado. E isso é adequado ao projeto petista de permanecer décadas no
poder. Logo vai completar a primeira. E o partido já está fazendo de tudo (e
sabemos o que significa esse "de tudo") para tornar esse plano viável.
A figura do ex-presidente Lula é central para cimentar as alianças políticas e
empresariais. Afinal, todos sabem que sem Lula o projeto cai por terra. Somente
ele consegue dar coerência a uma base política tão heterodoxa, que vai de Paulo
Maluf ao MST. Mas para isso, muito mais que o discurso, é indispensável manter
uma taxa de crescimento que permita concessões aos mais variados setores
sociais, conforme o seu poder de barganha. E aí é que mora o grande desafio do
governo, e não na tímida oposição.
São evidentes as diferenças e
a qualidade da ação entre governo e oposição. Basta observar os movimentos dos
dois últimos ex-presidentes. Lula sabe muito bem o que quer. Não para de
articular um só minuto. E não perde oportunidade para atacar a oposição. Do
lado da oposição, Fernando Henrique Cardoso parece que vive em outro mundo.
Confundiu um elogio meramente protocolar da presidente Dilma com uma revisão
ideológica do seu governo por parte dos petistas (que em momento algum foi
realizada). Extasiado, não parou de elogiar a presidente e os
"esforços" para combater a corrupção. Ou seja, um está atuando
ativamente no presente para impor a qualquer preço o seu projeto, o outro está
preocupado com o futuro, de como ficará o seu retrato na História.
Nesse ritmo, Lula vai coroando
de êxito o seu projeto. Espera vencer as eleições municipais, especialmente em
São Paulo. Com o triunfo deverá estabelecer um arco de alianças ainda mais
amplo que o atual. É o primeiro passo concreto para retornar à Presidência em 2014
e permanecer, pelo menos, mais oito anos no poder. Caberá a Dilma continuar
despachando como uma espécie de presidente interina, aguardando o retorno do
titular.
E a oposição? Ah, esta lembra
o Visconde Reinaldo, personagem de O Primo Basílio. Quando falava de Lisboa,
sempre aguardava um terremoto, como o de 1755, que destruiu a cidade. Como não
faz política, a oposição, espera também um terremoto: é a crise internacional.
Mas, assim como o hábito não faz o monge, a crise, por si só, não fará ressurgir
a oposição.
Título e Texto: Marco Antonio
Villa, Historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos/SP.
Publicado originalmente n’O Estado de S.Paulo, 17-09-2011
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