Suzana Toscano
Para tentar ir além da simples
linguagem dos “bons” e dos “maus” que parece ser a adoptada nas conferências de
imprensa europeias, resolvi ler "A Concise History of Greece”, de Richard
Clogg, por recomendação de um cidadão grego. É uma leitura apaixonante, que
aqui partilho num breve resumo, longo mas ainda assim seco de muitos aspectos
que tornam a narrativa tão interessante.
A Grécia, considerada como o
berço da civilização ocidental, tem um longa história se subjugação a
sucessivos invasores e de uma permanente resistência pela defesa da sua
identidade cultural e religiosa. Com a queda de Constantinopla, em 1453,
iniciou-se a “turcocracia”, o longo domínio do Império Turco, que havia de
durar cerca de 400 anos, até à declaração de independência em Janeiro de 1822.
No entanto, o processo de formação do actual Estado grego e a definição do seu
território actual durou quase um século, com episódios sangrentos com a Turquia
– os últimos confrontos pelo Chipre tiveram lugar em 1990 -, e alianças
políticas determinantes com os principais países do ocidente. Durante a guerra
da independência e após o terrível massacre dos gregos na ilha de Chios, em
1822, a Europa cristã, França, Rússia e Grã-Bretanha mobilizou-se na defesa das
pretensões gregas contra o domino do sultão, entrando em pleno na guerra pela
independência, a qual só viria a ser formalmente reconhecida em 1832.
A História política, a partir
daí, é quase tão dramática como a Historia da subjugação e resistência dos
gregos. O seu 1º Presidente eleito, Kapodistrias, criou um forte
descontentamento entre as forças que tinham combatido os turcos e que esperavam
as devidas compensações do novo Poder, e foi assassinado em 1831, após 3 anos
de Governo. Como condição de reconhecimento da independência e protecção da
Grécia, as forças aliadas impõem a monarquia, devendo o monarca ser descendente
de uma casa real europeia que não fosse de nenhum dos países Protectores.
Escolhem Otto da Baviera como rei da Grécia, o qual foi destituído em 1862, na
sequência de uma revolução, e substituído pelo Rei Jorge I, dinamarquês, que
governou em relativa estabilidade até 1913, altura em que foi assassinado por
um louco. Em 1912 tinha estalado a Guerra nas Balcãs, que permitiu aos gregos
alargar substancialmente o seu território (cerca de 70%), e quase duplicar a
sua população, que passou a abranger várias etnias e religiões. Mas o novo rei,
Constantino, quis manter a neutralidade na 1ª Guerra Mundial, entrando em
conflito com o popular Primeiro Ministro, Vanizelos, acabando por renunciar em
1917. Partidário da “Grande Ideia”, o antigo sonho nacionalista grego de
reconquistar Constantinopla e restaurar o império bizantino para uma “missão
civilizadora”, projecto que tinha o apoio da Rússia, interessada em não
permitir a influência anglo-saxónica no Mediterrâneo oriental, Vanizelos
declara guerra à Turquia e conduz os gregos ao desastre de Ismirna, onde são
massacrados e a população aí residente é expulsa. Em poucos dias mais de um
milhão de gregos deportados da Turquia entra na Grécia e tem que aí construir
os mínimos para sobreviver, enquanto 400 000 muçulmanos têm que regressar à
Turquia.
Em 1924 os gregos votam pelo
fim da monarquia e o rei, Jorge II, abdica, iniciando-se então um longo período
de governos ditatoriais, repetidas tentativas de golpe de estado e um
equilíbrio precário entre as forças ultra-direitistas monárquicas e os
recém-formados quadros da esquerda socialista. Venizelos foi exilado em 1933 e
a monarquia restaurada em 1935, regressando o Rei Jorge II, até então exilado
em Inglaterra.
Em 1940, a Itália invade a
Grécia, mas os helenos resistem. No ano seguinte, porém, cedem à invasão das
tropas alemãs, o rei exila-se em Londres e a libertação só chega com a entrada
de tropas britânicas em 1944. Apoiados pelas democracias ocidentais, os
monárquicos ganharam as eleições gerais de 1946, facto que permitiu o regresso
do rei, por um lado, e, pelo outro, a formação de um governo de extrema
esquerda nas regiões montanhosas do norte do país. Este extremar de posições
desencadeou uma guerra civil que só terminaria três anos volvidos.
A importância estratégica da
Grécia dá-lhe entrada na NATO em 1951.
Em 1953, Konstantinos
Karamanlis, do partido conservador Nova Democracia, é eleito primeiro-ministro,
seguindo-se o socialista (do Partido PASOK) Georgios Papandreou. Em 1967, os
militares forçam o exílio do rei Constantino II e estabelecem uma ditadura
militar que duraria sete anos e que sai do poder na sequência da invasão do
norte do Chipre pela Turquia. Karamanlis volta provisoriamente e convoca um
referendo em que é decidida a abolição da monarquia.
Em 1981, a Grécia é aceite na
Comunidade Europeia.
Habituados a sobreviver como
grupo cultural, social e religioso sob o arbítrio do Império Turco e a pouca
protecção legal com que podiam contar, os gregos organizaram-se em grupos de
resistência interna (os Klefts) e espalharam-se numa intensa diáspora pelo
mundo, mantendo em relação ao Estado e à autoridade uma atitude de enorme
desconfiança e auto defesa contra as arbitrariedades, vendo com hostilidade as
interferências vindas de fora do círculo familiar alargado com o qual se
habituaram a contar. A rouspheti, recíproca dispensa de favores e protecções, e
a mesa, ou rede de contactos (a que hoje chamamos na Europa moderna, network…) foram
essenciais durante o domínio turco e são ainda o principal veículo do movimento
social e condição de apoios políticos, permitindo (ou alimentando) uma enorme
ineficiência da administração e adaptando, de certa forma, as regras de
sobrevivência que conheciam durante os longos séculos de domínio turco.
A sua localização geográfica,
que faz dela um país em simultâneo balcânico e mediterrânico, tornou-a um
espaço de confluências e conflitos do leste e do ocidente, mas o domínio turco
e a religião Ortodoxa Cristã isolaram-na por completo dos grandes movimentos da
civilização europeia, como a Renascença, o Iluminismo ou a Revolução Francesa e
a revolução Industrial, pelo que a sua identificação como parte do “espaço
europeu” era muito incerta até à aceitação da Grécia como 10º membro da então
comunidade europeia, facto que foi determinante para a viragem do país para o
ocidente.
Título, Imagem e Texto: Suzana
Toscano, Blogue “4R – Quarta República”, 18-09-2011
Colaboração: Ari
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