Luís Alves de Fraga
Provavelmente, muitos dos meus
leitores não terão acesso fácil à carta que Mousinho de Albuquerque escreveu ao
Presidente do Conselho de Ministros, em 1898, ao solicitar a sua exoneração de
Comissário Régio em Moçambique, cargo para o qual foi nomeado na sequência da
magnífica vitória alcançada contra o poderoso régulo Gungunhana.
Joaquim Mousinho — o patrono
do meu curso de ingresso na Academia Militar, no ano de 1961 — dá uma
extraordinária lição de ética castrense nas palavras ditadas pela surda raiva
contra os políticos que então governavam o país e que parecem arrancados do
presente para representarem o seu «papel» no final do século XIX. Para não
tirar o sabor à altaneira prosa de Joaquim Mousinho de Albuquerque, passo de
seguida à transcrição de partes dessa extraordinária epístola digna da
verticalidade a que se deve subordinar quem se diz soldado por vocação.
«Há, sem a menor dúvida,
entre os homens políticos portugueses, inúmeros que se me avantajam pela
ilustração e talento; mas, por acanhada que a minha inteligência seja
considerada, por pequeno como eu julgo o meu valor, conservo sobre todos esses
homens, uma superioridade que não quero perder e é a que aos olhos do povo, e
direi aos de El-Rei, me dá um lugar especial. Não tendo nunca sido forçado,
pelas exigências da política partidária (de que sempre me conservei afastado) a
seguir por sendas tortuosas; não tendo nunca feito ou tratado de eleições,
também nunca fiz promessas palavrosas nem falsas lisonjas, nem tão-pouco me
envolvi em compromissos deprimentes; nunca tive de falsear a verdade para
disfarçar a realidade dos factos, nem que afogar num dilúvio de palavras, tão
optimistas quanto faltas de sinceridade, a absoluta carência de argumentos
baseados no conhecimento dos factos, para defender qualquer que de utilidade
pública apenas tem o nome; coisas estas triviais em política, segundo ouvi, por
vezes, da própria boca de V. Exa.
Em resumo, Exmo. Sr., a
minha superioridade consiste em ter só uma cara.
E deixaria de a ter se aqui
ficasse, simples executor do Ministério do Ultramar, isto é cúmplice da nefanda
obra de ruína ou alheação desta Província.
[...].
Sei muito bem que no nosso
País, os governos e os políticos predominam na administração pública,
mantendo-se em equilíbrio por enxárcias tecidas de convenções fictícias, cheias
de nós tão intrincados como o lendário nó górdio, e que, como ele, facilmente serão
cortados por qualquer espada de boa têmpera, sem que precise empunhá-la nenhum
Alexandre!
Mas, observador, como
sempre tenho sido, dos deveres da subordinação, que mais que o capacete e a
espada distinguem o militar do civil, nunca desembainharei a espada movido por
paixões pessoais ou políticas, mas só em serviço de El-Rei e do País.
Disto pode V. Exa. estar
seguro, porque não sei distinguir a lealdade no procedimento político da do
homem privado, porque não penso como V. Exa. pensa, e disse já na minha
presença, que na vida política não desonra ardis nem enganos que deslustrariam
qualquer homem na vida particular.
Achará talvez V. Exa. esta
carta desrespeitosa, sendo assinada por um simples major de cavalaria, ao
Presidente do Conselho de Ministros, ao grã-cruz da Torre e Espada do Valor,
Lealdade e Mérito, que nessa dupla qualidade tem honras de general!
Verdades como punhos contém
ela, e por isso nunca V. Exa. ousará pretender taxá-la de insubordinação para
me mandar castigar.
Só quem não deve não teme,
Exmo. Sr., por isso eu a ninguém temo [...]».
(in General Ferreira Martins, Mouzinho, Lisboa, Edições
Excelsior, 1965, p. 174-175, 185-186).
Aqui fica o que de mínimo se
pode extrair desta carta, escrita em 23 de Julho de 1898, quando era Mousinho
de Albuquerque Comissário Régio na Província de Moçambique.
Assim escrevem todos os
soldados que se não deixam enlear nas malhas da política partidária... Todos os
soldados a quem não falte a coragem!
Título, Imagem e Texto: Luís
Alves de Fraga, publicado originalmente no blogue “O Fio de Prumo”, 16-03-2007
Enviado por Gracialavida
(Resistência Democrática)
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