Rodrigo Constantino
As festas gregas,
especialmente as de casamento, costumam ser muito animadas. O casamento
monetário da Grécia com a Comunidade Europeia não foi diferente: foram vários
anos de pura euforia.
O país teve a oportunidade de
surfar uma grande onda de juros reduzidos, pois pegou carona na credibilidade
alemã. Mas os deuses do Olimpo se esqueceram de ensinar a seu povo lições
básicas de economia.
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Hendrick Goltzius. Icarus [from the series The four disgracers].
Gravura. Nova
Iorque, New York Public Library.
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Como Ícaro, os gregos pensaram
que era possível voar cada vez mais alto. Ignoraram os alertas de Dédalo - e,
como seu filho, desabaram rumo ao mar. Quando a fase de bonança acabou, os
gregos se viram com um governo totalmente falido após anos de gastança
irresponsável. Sem uma moeda própria, ficaram sem a tradicional válvula de
escape para tais crises: desvalorização e inflação. Resta a opção do divórcio
litigioso.
Mas os gregos não desistiriam
tão facilmente assim. Antes de assinar o divórcio, a Grécia ainda contava com
uma cartada: chantagear seus parceiros com o risco de doença contagiosa. Se a
Grécia desse o calote em suas dívidas, isso poderia produzir uma corrida
bancária na região toda. Caberia a Alemanha, portanto, assumir o passivo e
bancar a conta da farra grega.
Acontece que alemão não gosta
da ideia de pagar pelo erro dos outros (alguém gosta?). Sua economia, após
reformas responsáveis, estava indo de vento em popa. O Oktoberfest tinha tudo
para continuar. Mas antes de outubro vem setembro, mês das grandes crises. E a
Grécia apareceu para estragar a festa.
O agravamento da crise chegou
a patamar tão sério que autoridades alemãs começaram a falar abertamente na
hipótese de expulsão da Grécia da comunidade. As crescentes incertezas geraram
enorme volatilidade nos mercados. O euro, apesar da intervenção de alguns
governos, perdeu finalmente o piso de US$ 1,40. Os bancos europeus despencaram,
e o spread interbancário na região disparou, denotando total falta de confiança
entre os bancos.
O risco de uma crise da
magnitude de 2008 voltou a assombrar os mercados. A Itália enfrentou
dificuldade na rolagem de suas dívidas, tendo que pagar taxa maior. Dois
grandes bancos franceses foram rebaixados pela Moody's. E o BCE teve que
disponibilizar linhas em dólar para alguns bancos europeus, pois o mercado
americano está quase fechado para eles. O mal-estar é geral, e todos parecem à
espera de um milagre que salve a Europa.
Todos os olhares se voltam
para a Alemanha, única em condições de matar no peito o problema. Mas a demora
em tomar alguma atitude mais agressiva fez com que o tamanho do problema
atingisse outra dimensão. Um calote grego desorganizado provavelmente levaria a
uma corrida bancária na região. A Itália corre o risco de afundar junto. Alguns
chegaram a sonhar com uma ajuda chinesa para reverter esta situação. Sonhar é
barato.
Enquanto o clima de racha
geral toma conta da Europa, o Fed estuda a possibilidade de uma Operação Twist:
comprar títulos longos e vender títulos curtos, para pressionar a taxa longa
sem elevar o balanço já deveras esticado do banco. O problema é que as taxas de
dez anos já estão em 2% ao ano. Reduzi-las na marra não vai resolver nada. A
sombra do caso japonês parece cada vez maior, ofuscando as
"brilhantes" idéias do "iluminado" Bernanke.
No Brasil, sob o comando do DJ
Guido Mantega e seu colega Alexandre Tombini, o Copom cortou a taxa de juros
com base na deterioração do quadro europeu. Para quantificar o efeito da piora
do cenário externo, a autoridade monetária fez uso de um modelo de equilíbrio
geral dinâmico estocástico, denominado SAMBA ("Stochastic Analytical Model
with a Bayesian Approach"). Mas, a despeito de seu verniz científico, a
verdade é que ele não passa de um modelo altamente impreciso, repleto de
variáveis estimadas e poucas amostras. Em linguagem mais clara: chute.
E assim chegamos a este tenso
momento para os mercados. O casamento grego indo para o espaço, o Oktoberfest
chegando ao fim antes de outubro, todos torcendo para que o BCE garanta mais
liquidez para preservar a festa, o Fed tentando dançar o Twist e nosso BC
apelando para o samba do crioulo doido. Como essa loucura toda vai acabar?
Não tenho bola de cristal,
naturalmente. Mas arrisco dizer que o próprio euro, um projeto político acima
de tudo, corre risco de vida. Para salvá-lo, muitos pressionam por maior
integração na região, ou seja, a Alemanha pagando a fatura dos gregos e
romanos. O risco é o tiro sair pela culatra, e a Alemanha cansar disso tudo e
pular fora de vez. Divórcio custa caro, mas pode ser melhor que viver num
casamento infernal.
Título e Texto: Rodrigo Constantino, Valor
Econômico, é sócio da Graphus Capital
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