quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Democracia e capitalismo



“Os vícios do sistema são tão mais fortes do que a virtude dos que o praticam”.
Alexis de Tocqueville

Alexis Henri Charles Clérel, visconde de Tocqueville,
 dito Alexis de Tocqueville
Não é a primeira vez que tento definições que parecem inacessíveis. Não foi outro senão Frederick Nietzche quem disse que democracia e socialismo são sinônimos. Já anteriormente, Alexisde Tocqueville havia assinalado que “socialismo e concentração de poder são frutos do mesmo solo”. Tudo parece indicar, pois, que as democracias em nosso mundo ocidental e cristão, com exceção agora dos Estados Unidos, constituem-se na violação dos princípios em que se fundara o capitalismo, que fora o único sistema a partir do qual criou-se riqueza pela primeira vez na história.
Tal como sustentei anteriormente, que o socialismo foi a denominação que o Iluminismo deu à demagogia, não posso menos que insistir em que o capitalismo foi a denominação dada por Marx para desqualificar eticamente o sistema que ele mesmo reconheceu como gerador de riqueza. Então, vou me permitir citar Aristóteles, que há 2.500 anos definiu demagogia dizendo: “Tão logo o povo é rei, pretende agir como tal, porque sacode o jugo da lei e se faz déspota, e desde então os aduladores do povo têm um grande partido”. Tampouco posso deixar de lembrar as atinadas observações de Trasímacus, quando disse, referindo-se à natureza humana e às condições do homem na política: “Ele deve dizer nas assembléias e nas cortes judiciais o que as pessoas querem ouvir, assim eles porão o poder em suas mãos... Ele deve tomá-los pelos ouvidos antes de tomá-los pela garganta”.
Meu critério, embora possa parecer um tanto exagerado, seria de que grande parte do mundo está ao menos tomado pelos ouvidos. Tanto assim que na Europa, tal como disse The Economist, a causa da crise é o sistema de bem-estar que implica em um gasto público que consegue superar 50% do PIB e aquele que queira mudar o sistema perde as eleições. Lembremos o que se passou com Shroeder na Alemanha quando tentou mudar o sistema, e foi seu próprio partido quem o destituiu. No fundo, tal como afirmava Aristóteles, é o enfrentamento dos pobres contra os ricos e em Atenas eles também eram maioria.
Então, passando ao capitalismo temos em Marx que no “Manifesto Comunista”reconhece à sua odiada burguesia que em cem anos havia criado mais riquezas do que todas as gerações anteriores juntas (sic). Porém, eis aqui o que ele afirma em seguida: “A sociedade burguesa com suas relações de produção, gigantescos meios de produção e intercâmbio, é como um bruxo que já não é capaz de controlar os poderes do mundo sob o que chamou com seu feitiço”. Como conseqüência desta ignorância, Marx prediz que o trabalhador no mundo moderno, em vez de melhorar com o progresso da indústria, se afunda mais e mais profundamente abaixo das condições de existência de sua própria classe.

Pois bem, não obstante a estupidez dessa análise que culmina com a utopia da sociedade sem classes, onde superada a escassez como condição da liberdade o Estado desapareceria, Marx está presente graças a Edward Bernstein. Tanto assim que recentemente Ferry Eagleton publicou um livro intitulado “Marx was right” (Marx tinha razão). E esta realidade da presença de Marx em nosso mundo se manifesta através da social-democracia, que é o contrário das predições de Marx e obtido a atual crise na Europa. E esta crise é o resultado da demagogia socialista mais a ignorância pertinaz da teoria econômica que impedem em grande medida sua superação.
Devo insistir então, em que o capitalismo não é um sistema econômico, senão que a economia é o resultado de um sistema ético, político e jurídico que permitiu a transformação do mundo há apenas uns duzentos anos. Esse sistema baseou-se nas idéias liberais condensadas originalmente por John Locke e seguidas por David Hume e Adam Smith. Foi a partir das idéias de Locke que a Glorious Revolution de 1688 transformou o sistema político inglês e permitiu que se produzisse a Revolução Industrial, que foi a conseqüência do respeito pelos direitos individuais e a limitação do poder político. Essas idéias foram desenvolvidas e postas em prática pelos Founding Fathers nos Estados Unidos, sob a denominação do Rule of Law.
Ou seja, a economia é o resultado e não a causa, por mais que haja momentos na história em que as circunstâncias permitam um aquecimento nacional, inclusive alheio à política adotada. Tal é aparentemente a circunstância existente na atualidade entre a crise do mundo desenvolvido e a aparente exuberância do mundo em desenvolvimento. Tanto assim que as últimas notícias mostram a vontade dos BRICS de financiar a União Européia.
Os princípios fundamentais do liberalismo aos quais me referi, são na ética o reconhecimento da falibilidade do homem: “Os monarcas também são homens”, Locke. “A natureza humana é imutável e não generosa e a natureza não é pródiga. Se queremos mudar os comportamentos devemos mudar as circunstâncias e essa é a origem da razão de ser da justiça”, David Hume. O outro princípio fundamental é a denominada mão invisível, segundo a qual, a busca do interesse particular beneficia o conjunto e não vice-versa. Assim disse Adam Smith: “Vi muito pouco bem feito por aqueles que pretendem atuar pelo bem público”.
Bem, me permiti fazer todo este estabelecimento político-filosófico, pois considero que é a partir da compreensão destas idéias que será possível superar a crise que aflige o mundo industrializado. Nesse sentido, quero começar por um tema que considero fundamental e que é a evidente correlação inversa entre o aumento do gasto público e a taxa de crescimento. Assim, podemos ver que na França, na década de 1960-70, a taxa de crescimento do PIB alcançou 6,1% ao ano. Nesse período o gasto público era inferior a 30% do PIB. Depois de 1980, o gasto público alcançou e superou 50% do PIB e a taxa de crescimento em 1980-90 se reduziu a 1,8% anual, e na década seguinte a 0,8% anual. Na Itália, na década de 1960-70, o gasto público flutuava ao redor de 17,0% do PIB, e a taxa de crescimento alcançou 5,7% ao ano. Entre 1990-2000, o gasto aumentou uma média de 47,0% e o crescimento caiu para 1,6% anual. Na década seguinte, reduziu-se ainda mais: 0,8% ao ano. E na Alemanha, no período de 1960-70, o gasto público era tão-somente de 13,0% do PIB e crescia 4,7% ao ano. Para o ano de 2000, o gasto já havia aumentado a 46% do PIB e conseqüentemente entre 2000 e 2006, o crescimento caiu para 1,2% anual.
Insisto, então, na necessidade de revisar a teoria econômica em função da realidade que enfrentamos do impacto do gasto público, que só pode se reduzir baixando seu nível e/ou o incremento de sua eficiência. Por isso, é igualmente necessário revisar a teoria monetária e tomar consciência de que o controle monetário ante a expansão do gasto público quem sai prejudicado é o setor privado e, portanto, o investimento e o crescimento. Assim, pode-se comprovar que na União Européia a causa da deterioração do crescimento e da presente crise não foi a inflação. O problema reside no crescimento da dívida e, certamente, na medida em que continuam os déficits fiscais a dívida aumenta. E tanto mais em relação ao PIB quanto menor é a inflação. Sei que acabo de dizer uma heresia, porém a sustento. Portanto, devemos reconhecer que a política monetária é fundamental para tratar de resolver ou atenuar os desequilíbrios causados pela expansão do gasto público.
Tendo em conta as considerações anteriores, não posso menos que lembrar uma vez mais as sábias palavras de Milton Friedman em sua análise da crise de 29, quando culpou o Federal Reserve de Washington por não ter atuado como prestamista de última instância, e a respeito disse: “Outra forma de deter o pânico é capacitar os bancos sadios a converter seus ativos em dinheiro efetivo, não a expensas de outros bancos, senão da disponibilidade adicional de dinheiro em espécie, mediante uma impressão de moeda de emergência”. Do mesmo modo, recomendou a compra de bônus por parte do Federal Reserve. Esta foi a política seguida por Bernanke nos Estados Unidos, e ao qual aparentemente se opõe a Srª Merkel, para salvar os bancos mediante a criação de um bônus comum.
Enfim, a salvação está na política e não na economia. Essa solução parte de reconhecer as virtudes da propriedade privada e, por conseguinte, a redução da ingerência do governo na economia. Isso implica do mesmo modo a aceitação do princípio do direito do homem à busca de sua própria felicidade e não que esta fique a cargo dos governos, o que implicaria a aceitação do critério de Nietzche da exaltação do fracasso. Se, pelo contrário, as maiorias têm o direito de violar os direitos das minorias, nos encontramos diante da ausência de justiça e da manutenção do poder absoluto dos governos que pretendem sua representação. Nessas condições me atrevo a dizer que não haveria soluções, pois não seria mais que a continuidade da presente crise em virtude de ter os povos emprenhados pelos ouvidos. Ou seja, como disse Schumpeter, o êxito de Marx foi sociológico, não econômico. A conseqüência, êxito político da social-democracia e seu fracasso econômico.
Título e Texto: Armando Ribas. Tradução: Graça Salgueiro. Publicado originalmente no blog “Papeis avulsos”. Enviado por Diogo CW

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