segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O falecimento da Democracia


“A diferença entre uma democracia e uma ditadura consiste em que numa democracia se pode votar antes de obedecer as ordens.”
Charles Bukowski
Marcha da Família com Deus pela Liberdade, São Paulo, em 1964. Foto: AD
Waldo Luís Viana
A monumental crise econômica que se instala no mundo, filha dileta da anterior, que começou em outubro de 2008, demonstra que os países desenvolvidos, todos democráticos, não conseguiram pôr cobro à desordem crônica de suas economias, sendo instados, na prática, a enfrentar as turbulências sem planejamento de longo prazo.
As estratégias econômicas, administrativas e financeiras, à disposição das empresas corporativas, jamais se refletiram nos sistemas de governo, completamente sufocados por uma estrutura multilateral defasada, que não corresponde mais às necessidades do século XXI.
Além de sabermos, na prática, que as guerras são muito caras – e as duas com que se ocuparam os norte-americanos, com gastos de mais de 4 trilhões de dólares, os levaram a atual recessão – os bancos centrais que deveriam ser reguladores das economias pautaram-se por condutas paternalistas de salvação de grandes bancos domésticos e de seus anônimos acionistas, sepultando para sempre a encardida noção liberal de risco capitalista.
Por conseguinte, a partir de certo tamanho, os negócios ao falirem tiveram de ser hipocritamente suportados pelas coletividades, que, por serem soberanas, por definição não poderiam entrar em crise nem sofrer de fato uma quebradeira geral.
Ocorre que é isso mesmo que ocorreu e está acontecendo! Os mecanismos democráticos, cingidos por estruturas conservadoras de condução econômica internacional, são impotentes para solucionar as crises, porque não há acordo para deter a jogatina com capitais especulativos, distribuir mais equitativamente os recursos naturais planetários, nem promover uma reforma importante no welfare state dos rentistas internacionais e de seus bancos, o único regime não escrito que parece sobreviver com verdadeira energia mafiosa.

Não há governos no mundo hoje capazes de encaminhar soluções verdadeiras – mesmo que legitimados pelo voto de seus respectivos povos, vez que predominam as leis do egoísmo e da desconfiança num planeta completamente sem Deus.
Faz-se o possível para manter a ordem de Bretton Woods (de 1944), com o dólar como moeda de retorno e reserva, obrigando várias potências à tentativa de salvamento a qualquer preço da economia norte-americana. Por sua vez, a zona do Euro, que congrega 27 países, encontra-se abalada pela inadimplência de diversas nações, o que sensibiliza as bolsas globais, que vêm tendo graves e continuados prejuízos.
Diante de tal quadro, vislumbramos nuvens negras para a manutenção de regras democráticas. Afinal, foi em crise semelhante que Hitler subiu ao poder, em 1933, prometendo calote geral às dívidas de guerra que afundavam a Alemanha.
Hoje, os radicalismos são pós-modernos, fragmentários, mas não menos perigosos e importantes. Não adianta combater terrorismo, se o pior terrorismo é representado pela virtualidade das economias capitalistas ocidentais: basta comparar as economias reais, o que realmente produzem na prática, com os papéis sem lastro, inclusive papel-moeda, que fazem circular ao redor do mundo! A China, por exemplo, que tem reservas de trilhões de dólares, não quer que seus haveres se transformem, repentinamente em papel pintado...
A especulação financeira sem peias gerou o estiolamento dos mecanismos de contenção democráticos, que só produzem falação, sem qualquer objetividade, como vimos recentemente nos discursos monocórdios e sem qualquer ideia inovadora na Assembléia-Geral da ONU, em 2011.
A democracia mundial tornou-se mero cansaço. Ninguém acredita em mais nada, muito menos os governantes que estão atarantados, diante da realidade de que tudo tem que permanecer como está.
Enquanto isso, o planeta gira, mal-humorado, com a fome crônica de parte da humanidade, terremotos, efeitos-estufa, desmatamentos irrefreáveis, falta d’água potável e derretimento das calotas polares, prenunciando, inclusive, a proximidade de nova glaciação.
Sobre tais temas, a democracia não tem soluções, ficando o seu vazio criativo sendo ocupado por propostas autoritárias, que vão convencendo os povos aflitos. Aliás, os extremismos sempre se apresentam quando assistimos aos fracassos de programas econômicos. É o bolso vazio que faz nascer os fascismos...
Parece-nos, infelizmente, que a utopia democrática dos gregos, que faziam funcionar suas cidades antigas com as elites, excluindo a plebe e os escravos, vai se repetindo à força, durante o protagonismo irremovível das sociedades de massas. Os povos, mal-informados, são conduzidos por seus dirigentes para o abismo e vão contentes, desde que alienados por um pouco de pão e circo.
Nesse cenário, o voto é supérfluo, porque direita e esquerda se aburguesaram no centro, aqui um estado amorfo de quietude, em que os dirigentes mundiais – e as máfias financeiras de seus respectivos países – não tomam qualquer medida concreta para a salvação de suas economias, como se o capitalismo fosse indestrutível e não pudesse ser superado por inoperância, incompetência de gestão ou pela própria natureza.
Estamos na 25ª hora de uma transformação civilizatória, mas os banqueiros internacionais acham que basta manter contas numeradas na Suíça e em outros paraísos fiscais que tudo estará salvo. Esquecem-se de que o mundo se tornou um lugar só, não existindo mais qualquer remanso para onde possam fugir.
A democracia ao falecer levará com ela as esperanças da humanidade e todo esse falatório inútil e decadente será substituído por novos e perigosos bárbaros, que cortarão com a espada e armas poderosas o fio do argumento...
Título e Texto: Waldo Luís Viana é escritor, economista, poeta e perscruta o panorama do jardim de sua casa, Teresópolis, 24 de setembro de 2011.

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