A propósito do Livro de
Gonzalo Fernandez de la Mora [1]
Eduardo O. C. Chaves
"Não tenho respeito à
paixão pela igualdade, que me parece ser meramente a idealização da
inveja". [2]
Este trabalho é uma resenha,
mas não uma resenha comum: também é um artigo - se bem que um artigo que não
teria sido escrito se eu não houvesse lido o livro resenhado: Egalitarian
Envy: The Political Foundations of Social Justice, do autor espanhol
Gonzalo Fernández de la Mora [3].
Há várias razões para que o
trabalho seja algo menos e algo mais do que uma simples resenha. Não discuto
nem descrevo o conteúdo de todos os capítulos ou partes do livro. O que
descrevo e discuto não é apresentado na ordem em que o autor colocou o assunto.
Não me limito a citar ou parafrasear o autor (embora faça também isso). Uso
seus argumentos livremente, reforçando-os, quando necessário, deixando-os de
lado, quando fracos demais. Apelo para fatos e argumentos não mencionados no
livro (no caso dos fatos, certamente porque não haviam acontecido ainda, como o
débâcle do Comunismo no Leste Europeu e na União Soviética). Deixo-me levar
pelo argumento do autor, faço minhas suas idéias - até porque minhas já o eram,
de certa forma, há muito tempo, embora de maneira um tanto difusa e não tão
claramente articulada. Ao final, vou além do livro ao discutir alguns problemas
da juventude e da universidade brasileira, embora sempre procure tomar como
ponto de partida observações do autor.
I. DESEJO E FELICIDADE
O desejo é a energia básica
que alimenta a evolução humana. O que chamamos de felicidade é o estado criado
pela satisfação de nossos desejos: ficamos felizes quando nossos desejos são
realizados e infelizes quando não o são [4]. A experiência nos mostra que, em
regra, desejamos o maior grau possível de felicidade - um estado em que todos
os nossos desejos são satisfeitos - e que temos cada vez mais desejos {118-120
[5]}.
Na verdade, nossa
felicidade não depende necessariamente de bens materiais ou objetivos: depende,
fundamentalmente, de nossos desejos. Se estes são satisfeitos, seremos felizes.
Caso contrário, não. {88} [6].
Se nossos desejos são
poucos, ou facilmente realizáveis, não é tão difícil ser feliz. Na verdade,
quem nada deseja não tem como ser infeliz, pois não terá nenhum desejo
frustrado ou contrariado. O asceta, definido como aquele que conscientemente
procura reduzir seus desejos a um mínimo, é, devemos presumir, tanto mais feliz
quanto menos deseje [7] {118}.
É preciso registrar, também,
que há uma relação estreita entre, de um lado, felicidade e, de outro lado,
conhecimento e imaginação. Imaginação - ou, talvez seja melhor dizer, entre
felicidade e ausência de conhecimento e imaginação. E isto por uma razão simples:
não podemos desejar aquilo de que não temos conhecimento ou que somos incapazes
de imaginar. Só o (de alguma forma) conhecido ou imaginado pode ser objeto de
desejo. Assim sendo, quem ignora e é incapaz de imaginar as várias
possibilidades que a vida oferece tem seus desejos circunscritos por sua falta
de conhecimento e imaginação, e pode, por causa disso, ser mais feliz do que
quem muito conhece ou é capaz de imaginar e, em conseqüência disso, muito
deseja, mas não tem como satisfazer seus desejos [8].
É inegável, porém, que, embora
o asceta, o ignorante e o não-imaginativo (que têm poucos desejos) possam ser
felizes, sua felicidade é negativa, vazia e estéril, por decorrer do fato de
que (conscientemente ou não) pouco desejam. Além disso, sua ética (no caso do
asceta) e seu comportamento são involutivos, não levam à evolução humana.
O progresso e o
desenvolvimento humano não são frutos da felicidade (negativa) causada pela
ausência ou supressão do desejo. São conseqüência, isso sim, muito mais do
desejo insatisfeito - mas que se acredita poder satisfazer. São a ética e o
comportamento daqueles que observam ou imaginam estados e coisas que não
possuem, e resolvem atingi-los ou consegui-los, que produz o progresso e o
desenvolvimento humano.
Em uma sociedade complexa como
a nossa, uma das principais fontes a sugerir novos objetos de desejo à nossa
imaginação é a visão de outras pessoas: a observação do que elas são, de como
agem, do que possuem [9]. Nesse processo, apercebemo-nos de que os outros são
diferentes, que agem de forma diversa, que exercem outras atividades, que
possuem coisas que não possuímos.
Essa percepção da diversidade
dos outros não teria maior significado se não fosse freqüentemente acompanhada
de uma avaliação: concluímos (com ou sem razão) que os outros são mais felizes
do que nós; que são não só diferentes, mas melhores; que têm não só coisas
diferentes, mas melhores e/ou em maior número; etc. Não é importante, neste
contexto, que os outros realmente sejam mais felizes do que nós: basta que
achemos que são.
Esse desejo de alcançar uma
felicidade superior, que imaginamos que outros possuam, não é, em si mesmo,
necessariamente negativo. Pode ser até positivo: "Homo sapiens
estaria ainda aguardando uma mutação genética que lhe permitisse sair da era
paleolítica se os humanos fossem totalmente insensíveis à superioridade da
felicidade, real ou imaginada, dos outros" {118}.
Na verdade, face à
possibilidade de que os outros possam ser mais felizes do que nós, é possível
assumir uma de três atitudes:
a) Desejar ser como os outros,
agir como eles, possuir as coisas que possuem - essa a atitude de emulação;
b) Aceitar nossa (real ou
suposta) inferioridade - essa a atitude de resignação;
c) Desejar que os outros
percam aquilo que têm e que gostaríamos que fosse nosso - essa a atitude de inveja.
A atitude de emulação é
positiva [10]. A emulação é, em parte, a mola propulsora do progresso e do
desenvolvimento humano. Mas ela se torna realmente positiva e fonte de
progresso quando gera no indivíduo o desejo de ser ainda melhor ou de ter ainda
mais do que o outro: em outras palavras, quando produz nele o espírito de
competição e concorrência. No esporte, por exemplo, não haveria muito progresso
se alguns se contentassem em apenas emular o bom desempenho de outros. O
progresso real não vem do desejo de ser bom: vem do desejo de ser ainda melhor,
e, eventualmente, de ser o melhor. É por isso que o lema que Fernández de la
Mora nos propõe é: "Faz o que tens de fazer, e faze-o melhor do que qualquer
outro" {121}.
A atitude de resignação é, de
certa forma, neutra, podendo eventualmente assumir aspectos negativos e
positivos [11]. É a atitude de quem tem desejos insatisfeitos mas se conforma
com a sorte. Não agindo, decididamente, para satisfazer seus desejos, o
resignado, além de se contentar com não ser feliz, deixa de dar uma
contribuição para o progresso e o desenvolvimento humano. Por outro lado, não
incorrendo na inveja, não se sente mais miserável ainda por ver que outros
alcançam aquilo que, desejando, não é capaz de obter, nem promove a involução
humana, como a seguir se verá. A atitude de resignação leva, portanto, à
estagnação.
A atitude de inveja, por outro
lado, é negativa [12]. A inveja, ao contrário da emulação, leva à involução. O
invejoso quer, em regra, o infortúnio e a miséria daqueles que inveja, quer que
aqueles que lhe são melhores se vejam reduzidos ao seu nível.
É a inveja que é objeto de
mais cuidadosa análise no livro de Fernández de la Mora [13].
II. INVEJA E JUSTIÇA SOCIAL
A inveja tem sido associada,
historicamente, tanto ao sentimento de tristeza que a felicidade dos outros
causa ao invejoso como ao sentimento de alegria que este sente ao ver a
infelicidade (o infortúnio, a miséria) daqueles que inveja. Tanto um como o outro
sentimento são conscientes, visto que envolvem razoável grau de cognição e
avaliação. Mas o sentimento de inveja, não importa sua variante, jamais se
admite como tal: é sempre ocultado, dissimulado, mascarado de algum outro
sentimento.
Hoje em dia, o sentimento pelo
qual a inveja pretende passar, a maior parte do tempo, é o de justiça - não a
justiça no sentido clássico, que significa dar a cada um o que lhe é devido
[14], mas a justiça em um sentido novo e deturpado, qualificado de
"social", que significa dar a cada uma parcela igual da produção de
todos - ou seja, igualitarismo [15]. "Justiça social" é "dar a
cada um uma parte proporcionada da renda coletiva, independentemente do
comportamento individual", ou "sem consideração aos méritos e
deméritos de cada um" {184,95; cf.93-95}, ou apenas "segundo suas
necessidades", não segundo o seu trabalho, para usar a fórmula marxiana:
"De cada um segundo suas habilidades e a cada um segundo suas
necessidades" {133} [16].
Um postulado fundamental da
"justiça social" é que uma sociedade é tanto mais justa quanto mais
igualitária (não só em termos de oportunidades, mas também em termos materiais,
ou de fato). "Justiça social" é, portanto, o conceito político chave
para o invejoso, pois lhe permite mascarar de justiça (algo nobre, ao qual
ninguém se opõe) seu desejo de que os outros percam aquilo que têm e que ele
deseja para si, mas não tem competência ou élan
para obter. O objetivo da "justiça social" é transformar todos em
iguais, não só no sentido formal (em que todos são iguais, por exemplo, perante
a lei), mas também no sentido material (em que todos são, de fato, iguais)
[17].
Quando organizada e levada às
últimas conseqüências, a inveja, travestida de "justiça social", com
o igualitarismo como seu objetivo, conduz ao autoritarismo estatal e mesmo à
força e à violência para expropriar os invejados daquilo que têm e que os
invejosos, não podendo produzir ou obter por meios legítimos, preferem roubar
ou destruir.
Taxação progressiva visando à
distribuição de renda é a mais comum dessas medidas de força. Nacionalização,
estatização, desapropriação, confisco, empréstimo compulsório, são outras
tantas medidas expropriatórias geralmente empregadas com a mesma finalidade:
não necessariamente enriquecer os mais pobres (algo difícil, que exige a
cooperação destes, caso contrário eles, mesmo que repentinamente ricos, se
empobrecem de novo [18]) mas empobrecer os ricos (algo mais fácil, pois é feito
pela força). O igualitarista, como disse Mme. de Staël, prefere a igualdade do
inferno à hierarquização do céu [19] {48,107}.
Quais as conseqüências dessa
visão deturpada de justiça?
"Uma primeira
conseqüência desse conceito ad hoc de justiça é que aqueles em posição
superior passam a ser vistos como vis exploradores e aqueles em posição
inferior passam a se considerar como inocentes explorados. ... Um segundo
corolário é que os que são superiores precisam ser expropriados e seus bens
distribuídos entre os inferiores. O desapossamento forçado dos superiores e
capazes e o esperado enriquecimento dos fracassados e impotentes permite a
realização da suprema ambição do invejoso. Embora na prática a promoção dos
inferiores nunca ocorra, é possível tentar, e às vezes conseguir, alcançar a
verdadeira essência da inveja: o rebaixamento e a humilhação do invejado"
{93}.
A luta pelo igualitarismo se
tornou verdadeira cruzada a se alimentar do sentimento de inveja. Várias
ideologias procuram lhe dar suporte. A marxista é, hoje, a principal delas. A
desigualdade é apontada como arbitrária e mesmo ilegal, como decorrente de
exploração de muitos por poucos. Assim, o que é apenas desigualdade passa a ser
visto como iniqüidade. Promete-se "redistribuição de riquezas" -
eufemismo para expropriação [20]. A consciência por vezes pesada do invejoso
(este sim o verdadeiro espoliador) se dissolve no inconsciente coletivo e
irresponsável das massas organizadas em partidos e comandadas por demagogos que
sabem o que estão fazendo e esperam vir a ser os distribuidores da riqueza
quando estiverem encastelados no Ministério da Economia (ou da Fazenda, ou do
Planejamento) [21]. O igualitarismo tornou-se o ópio dos invejosos. Estes, como
viciados, tornaram-se presa fácil de exploradores. Mas não são os ricos que os
exploram: os traficantes desse ópio são políticos igualitaristas demagógicos
(demagógicos, sim, porque, embora traficantes, geralmente não são, eles mesmos,
viciados, até porque sabem muito bem o quanto é bom ser deputado, senador,
ministro, ou até mesmo presidente, vestir Pierre Cardin e ter apartamento em
Paris).
Os defensores do igualitarismo
são freqüentemente vagos quando lhes é perguntado o que entendem por
"igualdade" [22]. Acham eles que todos nascemos iguais? Acreditam que
não há pessoas superiores e inferiores em termos de inteligência, força de
vontade, capacidade de trabalho, motivação? Defendem realmente a tese de que a
sociedade deve ser absolutamente sem classes e isenta de distinções
hierárquicas e que todos devem ocupar posições sociais idênticas? E o que dizem
sobre igualdade econômica?
São essas (e muitas outras)
questões que o autor esclarece em alguns capítulos, aos quais dedico atenção na
próxima seção.
III. IGUALITARISMO
No primeiro parágrafo de seu
famoso Discours sur l'Origine de l'Inégalité (1754) Rousseau
afirma que "a natureza estabeleceu igualdade entre os homens e eles
estabeleceram desigualdade" [23]. Esse mito virou dogma, um dogma
totalmente falso, apesar de incorporado na Declaração de Independência dos
Estados Unidos (1776), na forma de "all men are created equal", e na
Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa (1793), na forma de
"tous les hommes sont égaux par la nature".
"A verdade é exatamente o
oposto: a natureza, que é hierárquica, cria todos os homens desiguais, e a
sociedade, que homogeneíza, tenta fazer todos os homens semelhantes e luta para
erradicar suas peculiaridades individuais" {177; cf. 129}.
Em primeiro lugar, igualdade
biológica não existe: simplesmente não é verdade que todos nasçamos
iguais ou que sejamos iguais pela natureza {177-180}.
"Há bebês que nascem
prematuramente e há os que nascem depois da hora, os sadios e os doentes, os
com grande e os com pouco apetite, os barulhentos e os quietinhos. Cada ser
humano é um microcosmo com diferentes capacidades, cada um tem um código genético
insubstituível que revela, quando desenvolvido, aptidões e vocações
extremamente variadas. Todos nós nascemos diferentes e tão logo as primeiras
avaliações são feitas no jardim da infância descobrimos que uns são fortes,
outros fracos, uns determinados, outros abúlicos, uns mostram sinais de gênio,
outros de retardamento. Quase todas as qualidades superioras dos seres humanos
estão distribuídas em uma curva de Gauss onde nenhum ponto é compartilhado por
mais de uma pessoa. A desigualdade é absoluta entre os humanos e é graduada
entre extremos de trágica contradição, como o gênio e o retardado mental, o
atleta e o deficiente físico. Duas crianças, filhos dos mesmos pais, criadas no
mesmo ambiente, desenvolvem personalidades diferentes, por vezes antípodas,
assim que seu comportamento se torna público. Essas diferenças se tornam até
mesmo mais complexas quando elas compartilham os mesmos livros e professores. É
absolutamente falso que a natureza crie todos os homens iguais; a verdade é que
a natureza nos coloca no mundo com capacidades dessemelhantes, que obviamente
podem ser avaliadas hierarquicamente. A hipotética homogeneidade proclamada por
Rousseau é contraditada pelos fatos trazidos à luz pela genética, psicologia e
fisiologia: é uma ficção..." {177} [24].
Em segundo lugar, não é
verdade que a sociedade institucionalize desigualdades.
"Pelo contrário, cada
sociedade faz um esforço determinado para equalizar todos. Ela começa por
estabelecer uma linguagem, com regras morfológicas, fonéticas e sintáticas
rígidas... Essa uniformidade lingüística também exige um semelhante conjunto de
regras para o pensar...Ao mesmo tempo, regras de comportamento são
estabelecidas... À medida que o adolescente vai crescendo, a sociedade lhe
oferece uma idéia da história e uma definição do belo, do bom e do verdadeiro.
Quem se desvia desses critérios sociais se torna um excêntrico, um rebelde, e,
em casos extremos, um delinqüente. A sociedade possui um epíteto revelador para
quem quer que seja que resista a essa coerção niveladora do ambiente: o
mal-ajustado" {177-178}.
A verdade está é com o poeta
que disse que todos nós nascemos originais - mas a maioria morre uma cópia!
{178 [25]}.
Os igualitaristas tentam
responder afirmando que não é identidade biológica que pretendem, ou que
pretendia Rousseau, mas igualdade social e política. Mas também
esta é impossível. Mesmo que nascimento ou riqueza sejam eliminados como fonte
de hierarquização (i.e., de desigualdade) social, a sociedade tem os que
governam, e portanto detêm poder político, e os que são governados, e, assim,
continua sendo hierárquica. Fora da esfera política, nas ciências, nas artes,
nos esportes, nas várias profissões, há sempre os que são melhores e se
destacam (ou porque são mais bem dotados ou porque se esforçam mais) e não há
como evitar sistemas de gradação e hierarquização. Nem mesmo a mais despótica
coerção pode evitar que alguns tenham desempenho superior ao de outros. A
desigualdade de desempenho e produção leva à desigualdade de compensação. Mesmo
que o Estado procure deliberadamente suprimir toda e qualquer forma de
distinção, as pessoas, individualmente, reconhecem os melhores médicos,
professores, engenheiros, artistas, esportistas, etc. As pessoas só vão
assistir a uma peça de má qualidade quando não têm alternativa. Se têm, vão
pagar para ver as melhores, que, conseqüentemente, vão propiciar mais e
melhores oportunidades de trabalho {180-183}.
Cabe perguntar se é possível
haver igualdade econômica {172-176}. Pode parecer possível impor,
através de uma série de medidas coercitivas (nacionalização de todos os meios
de produção, abolição da propriedade privada e do direito de herança,
eliminação de juros sobre o capital, e obrigatoriedade de salário único para
todos), uma certa igualdade financeira, isto é, fazer com que todos recebam a
mesma quantidade de dinheiro. Contudo, mais de meio século de comunismo nos
mostrou ser praticamente impossível impor sequer esse tipo de igualdade. A
experiência dos regimes comunistas tem comprovado que um certo nível de
propriedade privada, inclusive dos meios de produção, de possibilidade de
transmissão de bens por herança, de pagamento de juros sobre economias, de
incentivo e diferenciação salarial são indispensáveis para a economia de uma
sociedade [26].
Mas mesmo que a igualdade
financeira fosse possível, ela não traria igualdade econômica. A área econômica
tem outras dimensões além da monetária. Com a mesma quantia de dinheiro as
pessoas podem usufruir diferentes tipos e níveis de bem-estar, fornecidos, por
exemplo, em espécie. O dinheiro é apenas uma potencialidade que nos permite
adquirir bens e serviços. Se é possível dispor de bens e serviços sem
necessidade de dinheiro próprio, como é o caso entre os que governam, o
dinheiro passa a significar pouco. Os governantes podem até ter salários
semelhantes ou idênticos ao dos peões, mas via de regra dispõem de uma
diversidade enorme de bens de alto custo e de serviços onerosos. Na verdade,
sempre que se procura impor um certo nível de igualdade financeira entre governantes
e governados, a tendência tem sido radicalizar as desigualdades (não
financeiras mas certamente econômicas) inerentes ao poder. {182-183} [27].
Além disso, mesmo com
quantidades idênticas de dinheiro, os indivíduos vão fazer coisas diferentes
com esse dinheiro, e algumas dessas coisas vão dar melhor retorno, e,
conseqüentemente, produzir novas diferenças.
Mas se igualdade biológica, a
igualdade social e política, e a igualdade econômica, todas elas igualdades
substantivas, são impossíveis, seria possível igualdade de
oportunidades {166-172}, que é uma igualdade formal [28]?
Esta é possível, mas apenas na
segunda das duas interpretações que a seguir serão discutidas.
Na primeira interpretação, a
igualdade de oportunidades implica (para usar uma metáfora) que na corrida da
vida ninguém deve sair na frente (no tempo ou no espaço): todos têm de sair
juntos (ao mesmo tempo e do mesmo lugar).
É pertinente registrar que,
consoante essa interpretação, a igualdade de oportunidades não tem por objetivo
impedir que uns cheguem na frente de outros, por capacidade inata, treino ou
esforço - isto é, por mérito próprio. Pelo contrário: a razão de ser da
igualdade de oportunidades está em procurar garantir que quem chegue na frente
o faça por méritos próprios, e não por ter saído na frente, visto que todos (ex
hypothesi) começam juntos, no mesmo momento e lugar [29].
Mesmo com esse registro, é
forçoso admitir que a igualdade de oportunidades, assim interpretada, mesmo que
seja colocada como um ideal abstrato, é virtualmente inatingível, nas situações
concretas em que vivem os seres humanos - a menos que haja consideráveis
restrições, ou mesmo a abolição, com violência, da liberdade daqueles que, por
capacidade natural ou aptidões inatas, ou mesmo por circunstância de
nascimento, doutra forma sairiam na frente. Não há como conseguir que todos
comecem no mesmo lugar e ao mesmo tempo, exceto pela força, e mesmo pela força
é difícil. As razões são evidentes.
"Circunstâncias
temporais, geográficas e de família colocam os indivíduos em condições iniciais
mais ou menos favoráveis. Essa disparidade inicial determina profundas e
prolongadas diferenças. O exemplo arquetípico é o contraste entre as
possibilidades de auto-realização do filho de um mendigo e de um homem rico.
Essa desigualdade fortuita pode marcar uma vida para sempre" {181}.
Não é possível, através de
ação governamental, sem consideráveis restrições, ou mesmo a abolição, com
violência, da liberdade, remover todas as vantagens no começo da vida das
pessoas, de modo a fazer com que todos comecem do mesmo ponto.
"A maioria (das
vantagens) é inevitável. Ninguém tem a mesma oportunidade mental, pois todos
nascemos mais ou menos inteligentes, mais ou menos neuróticos. Ninguém vai
compartilhar as mesmas oportunidades históricas, a menos que sejamos capazes de
cancelar o progresso que permite que alguns nasçam em um mundo que tem uma
civilização mais ou menos avançada e um patrimônio mais ou menos rico. Ninguém
vai compartilhar as mesmas oportunidades dentro de uma nação, a menos que o
nível econômico e cultural da nação sejam equalizados" {181} [30].
A segunda interpretação de
igualdade de oportunidades, e a única que torna a igualdade algo possível
alcançar, considera a igualdade de oportunidades mais como negativa do que como
positiva, mais como formal do que como substantiva. A igualdade de
oportunidades passa a ser equivalente à igualdade de tratamento perante a lei
{157-160}. A Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa afirma:
"Todos os homens são iguais pela natureza e diante da lei" [31], e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 reitera que "todos são
iguais diante da lei" {157}.
"A igualdade de
oportunidades possível se reduz à exigência de que, dentro de uma sociedade, e
em um momento determinado, ninguém seja impedido de avançar, nem forçado a
retroceder de sua posição, por causa de seus antecedentes familiares" [32]
{181; fiz pequena inversão na ordem, sem alterar o sentido}.
É forçoso reconhecer que,
nessa interpretação, a igualdade de oportunidades parte do pressuposto da
desigualdade real (i.e., inicial) dos indivíduos. Não haveria muito sentido
exigir que indivíduos fossem tratados como iguais (igualdade formal) se não se
houvesse o pressuposto de que eles, na realidade, são substantivamente
diferentes (desigualdade material).
"Mesmo quando essa
restrita igualdade de oportunidades é obtida, temos ainda que lidar com as
insuperáveis desigualdades que carregamos conosco, como a capacidade
intelectual e moral, as condições em que nascemos e vivemos, a chance. Não é a
mesma coisa nascer na Suíça ou no Congo, ou nascer antes ou depois de um dado
evento histórico. As oportunidades no Golfo Pérsico não são as mesmas antes e
depois da descoberta e exploração de petróleo, da mesma forma que as
oportunidades de boa saúde eram muito diferentes antes e depois da descoberta
de antibióticos" {181}.
A igualdade de oportunidades,
assim interpretada, além de partir de desigualdades reais, acaba constituindo
um novo nível de desigualdade e estratificação - a desigualdade baseada no
mérito, a meritocracia, como assinalou Michael Young no seu livro The
Rise of the Meritocracy 1870-2033 [33]. A estratificação meritocrática
acaba por produzir mais ressentimento e inveja do que outras desigualdades.
Quando não há igualdade de oportunidades, aqueles que não são os melhores
sempre podem colocar a culpa na falta de oportunidades, nas circunstâncias da
vida. Em uma sociedade em que há igualdade de oportunidades (no sentido formal,
ressaltado atrás), eles têm de enfrentar a sua inadequação. A conclusão de
Young é que "a injustiça educacional permitia que o povo mantivesse suas
ilusões, a desigualdade de oportunidades alimentava o mito da igualdade humana".
O aparecimento de oportunidades iguais destruiu as ilusões e implodiu o mito.
[34]
É possível obter igualdade
perante a lei? Sim, no sentido de que a lei e os juízes, em suas
decisões, devem levar em conta o comportamento livre das pessoas e não suas
características involuntárias, como raça, cor, sexo, ou posição social dos
pais. {181}.
É necessário mencionar, porém,
um fato bastante óbvio: essa igualdade (formal) diante da lei acaba criando
desigualdades reais, visto que nos obriga a distinguir o inocente do criminoso,
a absolver alguns e a punir outros. {181} [35].
A igualdade de oportunidades,
interpretada no sentido de igualdade perante a lei, é a única igualdade
possível. Mas longe de pressupor ou postular igualdade real, ela parte, como se
viu, do fato inegável da desigualdade, e tampouco faz com que os seres humanos
desiguais se tornem iguais, em sentido substantivo.
O máximo a que se pode chegar
- e essa é uma concessão do autor do livro - é limitar, no extremo inferior, as
margens da desigualdade. Isso seria feito estabelecendo, além da igualdade de
oportunidades e diante da lei, um limite mínimo de poder político e econômico
para cada cidadão. O mínimo de poder político seria caracterizado por seus
direitos fundamentais; o mínimo de poder econômico por uma renda familiar
compatível com o nível de desenvolvimento da sociedade [36]. Mas não é possível
na prática, nem desejável, fixar limites máximos. Esses limites máximos
cerceariam os mais nobres e poderosos incentivos que já foram criados para a
realização pessoal, para o progresso social e para o desenvolvimento econômico
[37].
O autor não esclarece,
entretanto, de onde viriam os recursos para essa "renda mínima". É
evidente que viria de impostos e "contribuições" não voluntárias
pagas pelos mais ricos. Mas, nesse caso, os mais ricos estariam tendo sua
liberdade econômica violada, ao se tornar, mesmo contra sua vontade, fonte de
sustento dos mais pobres.
A conclusão é que o
igualitarismo substantivo (biológico, social e político, econômico, e mesmo de
oportunidades, na primeira interpretação) não é nem mesmo uma utopia, isto é,
algo difícil de alcançar, mas desejável: é, isto sim, um pesadelo. Todas as
vezes que se tentou implantá-lo o resultado inevitável foi involução econômica
e cultural, como bem atestam hoje os países do Leste Europeu e a antiga União
Soviética [38] {186}.
IV. DESIGUALDADE, LIBERDADE, MINORIAS E PROGRESSO
A desigualdade (biológica,
social e política, econômica e mesmo de oportunidades, na primeira
interpretação) entre os homens é inevitável. Por outro lado, os bens materiais
e sociais disponíveis são inevitavelmente limitados. Assim sendo, se for
mantido um clima de liberdade na sociedade, uns sempre serão e/ou terão mais do
que os outros (porque são mais capazes, ou se esforçam mais, ou têm mais sorte,
ou tudo isso combinado [39]). Nessas circunstâncias, é virtualmente inevitável
que a maioria se sinta inferior a certas minorias, e que, em determinadas
circunstâncias, as inveje.
O progresso de uma sociedade
ou de uma nação depende de minorias criativas e determinadas, agindo em clima
de liberdade, não do povo em geral [40]. O que de melhor um governo pode fazer
para uma sociedade é não atrapalhar, não impedir que apareçam soluções para os
problemas, não dificultar que sejam implementadas, assim que apareçam. Um
governo faz muito quando não atrapalha, e, assim, incentiva, pelo clima de
liberdade, o aparecimento de minorias criativas. {100-103}
Fernández de la Mora se vê
forçado a repetir o tema à exaustão:
"A qualidade de uma
sociedade depende de sua capacidade de produzir personalidades eminentes"
{98; cf.ix}.
"A direção e o ritmo do
progresso humano não dependem das massas, mesmo que elas sejam centenas de
milhões. Dependem, isso sim, de minorias superiores" {100; cf.ix}.
"Os protagonistas do
progresso da humanidade não são as massas uniformes, mas, sim, os espíritos
superiores, os mais diferentes" {178}.
"A espécie (humana)
progride graças aos esforços dos que possuem personalidades mais agudas e
afiadas, daqueles que se recusam a repetir o que veio antes - os
inventores" {183} [41].
Não seria preciso repetir
tantas vezes a mesma idéia, se olhássemos para a história. Quantas vezes uma
nação passou de um estado de miséria para um estado de desenvolvimento e
relativa prosperidade, em poucos anos, apenas em decorrência de mudança de
liderança, a massa da população permanecendo inalterada? {100}
Posso imaginar as feições de
alguns leitores deste artigo. "Mas esse livro é elitista!". Sem
dúvida - desavergonhadamente elitista. Destaco a palavra
"desavergonhadamente". Um dos maiores malefícios psicológicos da
"inveja igualitária" é levar os mais brilhantes membros da sociedade
a tentar esconder sua competência, ou a lhe empanar o brilho, para que não se
tornem vítimas da inveja destruidora. Numa sociedade dominada pela ideologia
igualitarista, é comum que as pessoas sejam levadas a quase se envergonhar de
sua competência e de seu dinamismo.
As grandes e reais vítimas da
sociedade igualitária, ou que aspira à igualdade, são seus membros mais
competentes. São os que estão acima da média que perdem no afã de reduzir todos
à média niveladora. Fernández de la Mora coloca a questão assim:
"Igualdade se alcança mais facilmente eliminando a patente de todos os
oficiais do que promovendo todos os soldados". {107}. Os melhores acabam
sendo perseguidos, não pelos defeitos que tenham, mas pelo que de melhor
possuem. Essa a tragédia [42].
O lema que Fernández de la
Mora nos propõe é: "Faz o que tens de fazer, e faze-o melhor do que qualquer
outro"! {121} Quão longe estamos da época em que se estimulava a criança a
dar o melhor de si para que qualquer coisa que realizasse fosse o melhor:
"Sê bom em tudo o que fizeres". Hoje, os pais não se sentem à vontade
para exigir de seus filhos que sejam os melhores naquilo que fazem, ou, pelo
menos, que façam o melhor que puderem. As crianças, já infeccionadas pela
ideologia igualitarista, protestam, alegam-se "pressionadas". Nas
escolas, os mais inteligentes e esforçados escondem seu brilhantismo, para não
serem invejados e hostilizados, ocultam seu esforço, para não serem
ridicularizados, afirmando que nada estudaram e que o desempenho superior é
decorrente de pura sorte [43]!
Hoje, as crianças se contentam
(ou mesmo disso se orgulham) em ser tão iguais às outras quanto possível: o
corte do cabelo, o penteado, as roupas, os sapatos, o modo de falar, as músicas
que ouvem, os vídeos e filmes a que assistem, as "revistinhas" que
lêem, os "barzinhos" que freqüentam, o desejo de gratificação
imediata, a desambição, tudo é igual. Pode-se quase dizer que as crianças
caminham rapidamente para o ponto em que serão intercambiáveis: não vamos mais
ser capazes de notar se quem está em casa hoje é minha filha ou a sua (ou
talvez seu filho!) - pior ainda: não vai fazer muita diferença [44]!
Fenômeno mais complexo ainda é
o desaparecimento de diferenças nos papéis de pais e filhos, o igualitarismo
levado para dentro da família. No início de 1981, Neil Postman, em um artigo
intitulado "The Day our Children Disappear: Predictions of a Media
Ecologist" [45], predizia o desaparecimento das crianças (enquanto
categoria). A televisão, segundo ele, tende a fazer, de todos, adultos. Não há
mais assuntos e problemas próprios de adultos. Tudo que era tabu para crianças foi
desmistificado e é apresentado em nossa sala de visitas, em horário nobre e em
cores: violência, morte, corrupção, sexo (não só o geralmente tido como normal,
mas incluindo promiscuidade, adultério, homossexualismo, sado-masoquismo,
incesto, etc.).
Mas Postman, embora
corretamente identificando a tendência igualitarista da sociedade atual, parece
ter errado ao defini-la como a "maturação" das crianças: o que está
havendo parece mais ser a "infantilização" dos adultos. O semanário
francês L'Express, em edição recente, publica, em artigo de capa,
o resultado de uma sondagem, com o título "Tout ce que pensent vos enfants...
sans jamais oser vous en parler" [46]. Eis uma das principais reclamações
dos filhos aos seus pais, expressa nas palavras de dois adolescentes. O
primeiro: "Vocês se tomam por jovens: vestem-se como nós, falam como nós.
Isso é meio ridículo, não é verdade?". O segundo: "A gente
freqüentemente escuta: 'Fulano se toma por seu pai'. A verdade, em geral, é o
inverso: é o pai que brinca de ser filho". Jovens perceptivos, esses. O
artigo termina com um apelo aos pais: "Coragem, envelheçam!" O
psicanalista Tony Anatrella comenta a reação dos jovens:
"... A geração dos anos
60 não interiorizou a paternidade e a maternidade... Os pais não desempenham
seu papel: são pessoas que cresceram e se fecharam dentro do mito da eterna
juventude. A sociedade adulta se tornou incapaz de propor pontos de referência
aos jovens. Sem esses pontos de referência os adolescentes têm dificuldades
para construir sua própria identidade... Os adultos continuam a viver sua adolescência
através de seus filhos - recusam-se a declará-la terminada. Para isso,
construíram o mito da igualdade: somos amigos, não pais e filhos. Como é que os
jovens podem definir sua identidade nessas condições? Há trinta anos, as
imagens do pai e da mãe eram fortes - e contestadas. Hoje, são fluidas. Nos
anos 60, os filhos se revoltavam contra os pais. Hoje eles os procuram: Onde
estão? Quem são eles?" [47]
Mas deixemos de lado esse
parêntese sobre a relação pais-filhos e voltemos ao problema do igualitarismo
entre os jovens de hoje. Na escola, inclusive na universidade, ninguém quer se
destacar, até porque não há a menor recompensa para quem se destaca: basta,
quando muito, fazer o mínimo para "ir levando". Fazer mais do que (o
pouco que) se exige é "careta". Ler, pelo prazer de ler, ou para
aprender algo que não se ensina na escola, é perda de tempo. O tempo, este
precisa ser usado em conversas tão infrutíferas quanto intermináveis, seja ao
telefone, seja em grupos. Nunca se falou tanto e se disse tão pouco quanto
entre os jovens de hoje. Da mesma forma que não consegue ficar calado, o jovem
de hoje não consegue ficar só. Seu símbolo, por excelência, é uma
"turma" falando "abobrinha". Quem, nadando contra a
corrente, se destaca, acaba por se isolar ou por ser isolado, não consegue se
"enturmar". Os orientais (que geralmente são calados) parecem ser os
únicos jovens que ainda dão valor ao sucesso, tanto na escola como fora dela
[48].
V. CONCLUSÃO: E A UNIVERSIDADE?
Os partidos políticos que
defendem o igualitarismo, principalmente os inspirados pelo Marxismo, adotam
hoje a tática de chegar ao poder, não através do apoio maciço do proletariado,
mas sim através da cooperação dos chamados intelectuais (entre os quais se
incluem homens de letra, artistas, jornalistas e professores universitários)
[49]. Pouco importa que essa tática contradiga os postulados básicos do
materialismo histórico. Sua aplicação prática envolve controle dos órgãos
formadores da opinião pública, como os meios de comunicação de massa (a mídia)
e as instituições educacionais, principalmente as universidades.
{107}. A universidade, como o ponto culminante de todo o processo educativo
formal, como a credenciadora das profissões, e como o celeiro onde se escondem
cientistas, homens de letras, artistas, políticos em potencial, etc., é a
instituição preferida dos igualitaristas. Por isso, tomaram-na de assalto.
O que falta em competência
intelectual aos igualitaristas universitários sobra-lhes em número, organização
e demagogia.
Primeiro, quanto à questão
numérica. Na universidade pública brasileira, em especial na Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), enquanto os professores que acreditam na
competência e no mérito se ocupavam de suas pesquisas e de suas aulas, os
igualitaristas se encarregaram da política - e de se multiplicar como coelhos.
{107}. Usaram a tática de criar mais e mais disciplinas sobre os mesmos
surrados temas, para pressionar a administração a contratar mais professores
para ensiná-las [50]. Quando não havia mais como inventar disciplinas,
inventaram um princípio pedagógico que, de uma tacada, criou a necessidade de
outro tanto de professores: uma sala de aula com mais de 30 alunos não condiz
com as condições mínimas de aprendizagem [51].
Ainda sobre o problema de
números, é fato sobejamente sabido que professor, em regra, não dá muita
atenção a funcionário, dentro da universidade. Mas como foi impossível conter
as demandas dos funcionários, e, assim, limitar aos docentes o igualitarismo
dentro da universidade brasileira, funcionários acabaram por tornar-se
politicamente importantes como potenciais aliados - afinal de contas eles
também votam, e (acreditam os professores) são mais facilmente manobráveis do que
os alunos. O resultado da participação dos funcionários na política
universitária foi uma inflação também no seu número dentro da universidade.
Hoje a UNICAMP, que tem um professor para cada cinco alunos, tem cerca de 0,77
funcionários para cada aluno! Acredito que seja recorde mundial. Se somarmos os
números de funcionários e professores, a UNICAMP chega bem perto de um
funcionário/professor por aluno, mesmo quando é excluído do cômputo o pessoal
de obras (que, se incluído, faz com que o número seja maior do que um) [52].
Mas números, em si só, não
significam tanto. É preciso organização. Nesse aspecto, os partidos políticos
que vivem da exploração do ópio igualitarista se estruturaram para dar aos seus
militantes dentro da universidade as condições de ali ganhar e exercer o poder.
Conseguiram. A UNICAMP, hoje, como muitas outras universidades públicas
brasileiras, é propriedade da esquerda igualitarista, que dela dispõe a seu
bel-prazer. O Governador Orestes Quércia, com seu Decreto concedendo autonomia
às universidades, abdicou do direito - eu diria mesmo do dever - de exercer um
certo controle, em nome da população que o elegeu, sobre o que se passa dentro
das universidades e sobre como é gasto o dinheiro do povo paulista ali
aplicado. Hoje, as universidades paulistas não prestam contas a ninguém.
A ideologia demagógica que
permitiu aos igualitaristas obter o poder dentro da universidade foi o
democratismo. Negligenciando o fato de que a universidade é uma instituição
hierárquica, organizada em função do saber que uns detém e outros (pelo menos
em princípio) aspiram a obter, em que liderança deve ser exercida por seleção
natural e não por voto universal [53], os igualitaristas
"democratizaram" a universidade. Multiplicaram o número de órgãos colegiados
e neles deram representação aos três segmentos da comunidade universitária. É
verdade que a representação não é igualitária: professores têm uma
representação muito maior (em números absolutos e relativos) do que
funcionários e alunos. Além disso, apesar da "representatividade" dos
órgãos colegiados, tudo o que importa é decidido fora deles, de forma
plebiscitária, por voto comunitário de que participam os três segmentos -
novamente, com um peso maior para os professores. A votação "paritária"
(em que o voto de cada um dos três segmentos vale um terço do total) é vista
pelos professores como muito arriscada (afinal, os alunos são meio
imprevisíveis e podem se unir aos funcionários, e daí só Deus sabe o que pode
acontecer [54]) e a votação "universal" (em que cada indivíduo tem um
voto com o mesmo peso), então, é considerada como inadmissível pelos docentes.
A prática política dos
intelectuais defensores do igualitarismo dentro da universidade nos mostra que
eles reconhecem que há nela alguns que são "mais iguais do que os
outros" (a saber eles mesmos, os professores). Eles procuram negar, porém,
que, dentro da categoria docente, haja, e deva haver, uma real hierarquia de
competência. Dentro dela tudo tem, segundo eles, que ser decidido por voto
universal - isto é, segundo a vontade da maioria que, em muitos casos, não
obteve sequer seu doutorado porque seu maior mérito é votar por cabresto, votar
segundo a determinação do partido [55].
O resultado disso tudo? Diz
Fernández de la Mora: "Aqueles que se rebelam contra a subserviência
ideológica, comumente os melhores, são eliminados ou marginalizados...A ciência
objetiva assim se torna igualitária" {107}.
O igualitarismo na política
universitária talvez não trouxesse tantos problemas se não acabasse sendo
levado para a sala de aula. "A transmissão da cultura foi deixada nas mãos
dos comentaristas do catecismo partidário" {107}, diz Fernández de la
Mora. Os docentes "orgânicos" de hoje não hesitam sequer diante de
fazer proselitismo político-partidário na sala de aula, em horário que deveria
estar sendo dedicado ao ensino. Fazem-no desavergonhadamente, especialmente em
momentos pré-eleitorais (sejam as eleições internas ou externas).
Aqueles que não repetem a
letra do catecismo igualitarista tentam praticar e inculcar o seu espírito. O
igualitarismo na sala de aula é tipicamente representado (principalmente na
área de Humanas) pelo professor que chega diante de seus alunos e diz algo
(mais ou menos) assim: "Há os que pensam que sabem mais do que outros. Vã
pretensão. A verdade é que todos somos iguais em nossa ignorância. Portanto,
aqui vamos aprender juntos. A opinião de todos e de cada um terá o mesmo valor.
O importante é dizer alguma coisa, não o que é dito". Os jovens, que já
não têm como definir sua identidade porque seus pais se comportam como
"copains", "buddies", encontram, na universidade,
professores que, igualmente, abdicam de seu papel.
O pior é que muitos dos alunos
na universidade acabam por acreditar no evangelho igualitarista [56]. Os que
não acreditam muitas vezes saem da universidade para manter sua sanidade
mental. Se lhes falta coragem para tanto, permanecem, mas violentados, que
realmente foram. Como muitas das vítimas de violação, acabam freqüentemente
neurotizados.
Tudo na vida tem seu preço. Se
comemos dieta inadequada por muito tempo, nosso corpo acusa os resultados.
Quando a comida é muito ruim, ou estragada, o estômago chega mesmo a se recusar
a digeri-la e a põe para fora. O que nos leva a pensar que nossa mente possa
engolir qualquer porcaria impunemente? Estamos submetendo nossos jovens, em
nossas universidades, a uma dieta intelectual que os leva a esconder sua
competência, a disfarçar suas virtudes, a se desculpar por suas realizações,
que os incentiva não a buscar o melhor e a dar o melhor, mas a nivelar por
baixo. Fingir que se é bom é errado, mas é até desculpável, perto do cúmulo que
é fingir que se é ruim. E depois nos indagamos porque tantos jovens procuram a
droga. Ou porque o suicídio está se tornando uma das principais causas de morte
nessa faixa etária [57]. É possível destruir a mente e o amor-próprio de um
jovem com essa dieta intelectual - mas não é possível forçá-lo a viver com o
que lhe resta.
[1] Uma versão mais reduzida
deste trabalho foi publicada na revista Pro-Posições, nº 4, Março
de 1991. Essa revista é o órgão oficial da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O artigo só foi publicado depois
de o autor ter concordado em eliminar do artigo várias referências explícitas à
Universidade, que nesta versão são reintroduzidas. Esta versão contém bem mais
material do que a original, especialmente nas notas de rodapé.
[2] Oliver Wendell Holmes,
Jr., The Holmes - Laski Letters: The Correspondence of Mr. Justice Holmes
and Harold J. Laski, 1916-1935 (Cambridge, Harvard University Press,
1953), Vol. II, p.942, citado apud Friedrich A. Hayek, The Constitution
of Liberty (The University of Chicago Press, Chicago, 1960), tradução
brasileira de Anna Maria Capovilla e José Ítalo Stelle, com supervisão de Henry
Maksoud, sob o título Os Fundamentos da Liberdade (Visão e
Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1972), p.85 da edição original,
p.92 da edição brasileira. A passagem é moto do capítulo VI dessa obra. A
tradução é minha, porque o texto da edição brasileira não é tão fiel ao
original neste caso. O texto original é o seguinte: "I have no respect for
the passion for equality, which seems to me merely idealizing envy". Os
tradutores não só tornaram o texto mais enfático como introduziram três termos
("obsessão", "igualitarismo", e "sublimação") que
não traduzem adequadamente os termos originais, para os quais há
correspondências apropriadas em português. Eis o seu texto: "Não tenho o
menor respeito à obsessão pelo igualitarismo, que não me parece ser nada mais
do que a sublimação da inveja".
[3] Traduzido do espanhol por
Antonio T. de Nicolás, publicado por Paragon House Publishers, New York, 1987.
A edição original, La Envidia Igualitaria, foi publicada em 1984
por Editorial Planeta, em Barcelona, Espanha. Números em colchetes se referem a
páginas da edição americana. Segundo a capa desta edição, o autor nasceu em
Barcelona em 1924, estudou direito e filosofia em Madrid e Bonn e foi Diretor
da Escola Diplomática e Ministro do governo espanhol. Foi presidente de um
periódico bi-mensal chamado Razón Española e autor de 16 livros,
entre os quais um sobre ideologia e outro sobre partitocracia. La Envidia
Igualitaria é o primeiro (e aparentemente único) livro seu a ser
traduzido para o inglês. [Nota acrescentada posteriormente: Gonzalo Fernández
de la Mora faleceu em Madrid no dia 10 de fevereiro de 2002, dois meses antes
de completar 78 anos.]
[4] John W. Gardner, em Excellence:
Can We Be Equal and Excellent Too? (Harper & Row Publishers,
Perennial Library, 1961, 1971) procura contestar essa definição de felicidade,
afirmando (p.123) que "felicidade, a despeito de noções populares em
contrário, não deve ser concebida como um estado em que todos os desejos são
satisfeitos...", devendo ser encontrada "no atingimento de metas
significativas". Ayn Rand, em "The Objectivist Ethics" (in
The Virtue of Selfishness: A New Concept of Egoism [A Signet
Book, The New American Library, New York, 1961, 1964], pp.28-29, tradução
brasileira de On-line Assessoria em Idiomas, sob o título de "A Ética
Objetivista", in A Virtude do Egoísmo [Editora Ortiz
S/A e Instituto Liberal Porto Alegre, 1991], p.39, aqui citada), afirma:
"Felicidade é aquele estado da consciência que provém da realização dos
próprios valores [NB]...Felicidade é possível apenas para um homem racional,
que deseja apenas objetivos racionais, procura apenas valores racionais e
encontra sua alegria apenas em atos racionais". A satisfação de desejos
que não se sustentam em valores leva, segundo Rand, apenas a uma "pretensa
felicidade". Poder-se-ia argumentar que o "atingimento de metas
significativas" ou "a realização dos próprios valores" só trazem
felicidade para quem deseja atingir metas significativas ou realizar seus
próprios valores, e que a noção popular de felicidade se fundamenta na simples
satisfação do desejo. Pode muito bem dar-se o caso, ou pelo menos assim parece,
de que alguém, que é feliz, não mereça sê-lo, do ponto de vista moral, porque
seus desejos são, digamos, imorais (implicam metas não significativas, segundo
Gardner). Também pode dar-se o caso de que alguém, que é feliz no momento
(i.e., no curto prazo), não venha sê-lo no futuro, porque seus desejos não se
sustentam em valores e, portanto, como diria Rand, não são no seu verdadeiro
interesse, a longo prazo (visto esse interesse de um prisma puramente
racional). Seria difícil, entretanto, negar, em casos assim, que a pessoa seja
feliz (no seu entendimento de felicidade). Por outro lado, é inegável que pode
haver pessoas que mereçam ser felizes e que não o são, porque seus desejos, por
qualquer razão, não estão satisfeitos. Também pode haver pessoas (mesmo
racionais) que se tornem infelizes, num determinado momento, porque a
satisfação de seus desejos, a longo prazo, demora demais para acontecer. Creio
que Kant, ao distinguir entre o conceito de felicidade e o conceito de ser
digno de felicidade, concordaria comigo.
[5] Os números entre colchetes
se referem estas notas, colocadas no fim do texto. Os números entre chaves se
referem às páginas do livro
.
[6] Émile Durkheim, em L'Éducation
Morale (Librairie Félix Alcan, Paris, 1925), obra publicada em inglês
com o título Moral Education: A Study in the Theory and Application of
the Sociology of Education (Macmillan Publishing Company, 1961, 1973),
pp.43-44 e 48-49, argumenta que "através da disciplina, e apenas por meio
dela, podemos ensinar a criança a conter seus desejos, colocar limites em seus
apetites de todos os tipos, limitar e (pela limitação) definir as metas de sua
atividade. Esta limitação é a condição da felicidade e da saúde moral"
(pp.43-44). "Através da disciplina", diz ele, "aprendemos a
controlar o desejo, sem o que o homem não pode alcançar a felicidade". Por
outro lado, Jean-Jacques Rousseau, em seu Émile, ou de l'Éducation
(Éditions Garnier Frères, Paris), tradução brasileira de Sérgio Milliet, com o
título Emílio ou da Educação (Difusão Européia do Livro, São
Paulo, 1968), afirma: "Em que consiste a sabedoria humana ou o caminho da
felicidade verdadeira? Não consiste precisamente em diminuir nossos desejos,
pois se se encontrassem abaixo de nossas forças, parte de nossas faculdades
permaneceria ociosa e não gozaríamos de todo o nosso ser. Nem consiste tampouco
em ampliar nossas faculdades, pois, se estas se ampliassem nas mesmas
proporções, mais miseráveis ainda seríamos. Ela consiste, certo, em diminuir o
excesso dos desejos sobre as faculdades e em por em perfeita igualdade o poder
e a vontade" (p.62). "A miséria", afirma ele, "não consiste
na privação das coisas e sim na necessidade que delas se faz sentir" (p.63).
[7] Embora o asceta possa
deixar de desejar bens materiais, ele certamente deseja bens imateriais, como
paz de espírito, santidade, etc.. É difícil imaginar que alguém consiga se
livrar de todo e qualquer desejo, e que seja, portanto, absolutamente feliz
pela ausência total de desejos.
[8] Se encararmos as coisas de
um prisma meramente quantitativo, somos forçados a concluir que muitas vezes,
por mais felizes que sejamos (i.e., mesmo que tenhamos um grande número de
desejos satisfeitos), um só desejo insatisfeito pode ser causa de grande
miséria (desde que seja considerado importante).
[9] A observação dos outros
certamente não é a única fonte de objetos do desejo: a imaginação, a
criatividade, a inventividade, também o são. Qualitativamente, estas têm a
vantagem de nos fornecer objetos de desejo "de primeira mão",
enquanto aquela nos traz objetos de desejo "de segunda mão".
Quantitativamente, porém, a maior parte dos desejos da maioria das pessoas é
sugerida por sua observação dos outros.
[10] A atitude de emulação é
positiva como ponto de partida e em comparação com as alternativas aqui
descritas. Contudo, como se ressaltará, é preciso não parar na emulação, pura e
simples: é necessário desejar ir além, ultrapassar, ser mais, para que haja
inovação e progresso. {Cf.185}. Cf. Friedrich A. Hayek, The Constitution
of Liberty, op.cit., p.45 da edição original, p.45 da edição
brasileira, aqui citada: "A maior parte dos bens que buscamos são coisas
que desejamos porque outros já as têm. Contudo, uma sociedade progressista,
embora baseada nesse processo de aprendizado e imitação, considera os desejos
que desperta somente um estímulo para um renovado esforço. Ela não garante que
esses bens se tornem automaticamente acessíveis a todos. E permanece insensível
ao sofrimento do desejo insatisfeito despertado pelo exemplo de outros. Ela
parece cruel porque aumenta os anseios de todos na mesma proporção em que
aumenta os seus dons para alguns. Todavia, enquanto ela for uma sociedade
progressista, alguns irão à frente e os outros terão de segui-los".
[11] A atitude de asceticismo
pode ser vista como uma variante da atitude de resignação: só que a atitude
ascética procura eliminar/sublimar o desejo ao invés de meramente se resignar à
sua não satisfação. Poderíamos até dizer que o asceta procura fazer do que ele
percebe como necessidade o que ele considera uma virtude. Contudo, ao lado
desse aspecto negativo da resignação, essa atitude pode ter um aspecto mais
positivo, que é aprender a viver com o desejo não satisfeito, educar-se para
apreciar a felicidade dos outros, ser feliz "vicariamente" (como os
pais supostamente são, quando os filhos são felizes). Fernández de la Mora dá
bastante ênfase a essa estratégia como uma fórmula de combater a inveja
{121-124}.
[12] O livro termina com esta
afirmação: "A destrutiva inveja igualitária é responsável pelas páginas
mais negras de nossa história; a emulação, que é hierárquica e criativa,
explica seu esplendor" {186}.
[13] Não consegui encontrar
nenhuma evidência de que Fernández de la Mora tenha lido Ayn Rand. Os
paralelismos, porém, em alguns aspectos, são surpreendentes (embora haja, em
outros aspectos, contrastes importantes). Em incisivo artigo, intitulado "The
Age of Envy", Rand observa que, apesar de "inveja" não ser o
termo preciso para descrever a nossa época, não existe outro que descreva
"a manifestação mais clara de uma emoção que tem ficado sem nome: o ódio
do bom por ser ele bom". O artigo de Rand, que originalmente apareceu em
sua Newsletter, está republicado em The New Left: The Anti-Industrial
Revolution (New American Library, Signet Books, New York, Edição
Revista, 1971), pp.152-186. A citação foi tirada das pp.152-153. Talvez Rand
tenham achado que o termo "inveja" não se aplicasse bem ao sentimento
em questão porque considerasse, como muitos, que inveja inclua o que Fernández
de la Mora chama de "emulação", ou mesmo que com isso se identifique.
No quotidiano, quando alguém adquire algo igual ao que outra pessoa já possui,
é comum dizer-se que agiu por inveja. Fernández de la Mora - e aqui está a
originalidade de sua contribuição - não usa o termo "inveja" neste
caso, e apela para uma quantidade enorme de material histórico para justificar
sua postura. O sentimento de querer ter algo que outros têm, ou de querer ser o
que são, é um sentimento que está longe de ser negativo e de merecer as
condenações que a inveja recebeu ao longo do tempo, dos pré-socráticos aos
contemporâneos (querer ser tão santo quanto São Francisco de Assis, por
exemplo, nunca foi condenado como inveja - pelo menos que eu tenha
conhecimento). O sentimento que sempre foi condenado por moralistas, filósofos
e teólogos inclui o desejo de que os outros percam o (bem material ou
imaterial) que possuem e que desejamos - inclui o que Rand chama de "o
ódio do bom por ser ele bom". Por isso a inveja esteve freqüentemente
associada ao "mal olhado" (que supostamente transmite azar e causa
mal à pessoa a quem é dirigido).
[14] "Justiça é a
adjudicação de bens sociais em proporção à contribuição de cada membro da
sociedade" {95; cf.184}.
[15] Cf. Friedrich A. Hayek, The
Constitution of Liberty, op.cit., p.93 da edição original, p.100
da edição brasileira, aqui citada: "Se analisarmos mais detidamente a
justificativa apresentada em apoio a estas reivindicações igualitárias [as que
vinham sendo discutidas no parágrafo anterior], verificaremos que elas se
originam do descontentamento que o sucesso de algumas pessoas freqüentemente
suscita naqueles que tiveram menos êxito, ou, para usar uma expressão mais
clara, nascem da inveja. A moderna tendência de se gratificar essa paixão,
disfarçando-a sob a roupagem respeitável da justiça social, vem-se tornando uma
séria ameaça à liberdade... Apesar de humana, a inveja é uma das causas de
descontentamento que uma sociedade livre não consegue eliminar. Provavelmente
uma das condições essenciais para a preservação de tal sociedade é não
alimentarmos a inveja, nem sancionarmos suas aspirações, camuflando-a sob o disfarce
da justiça social, mas a considerarmos, nas palavras de John Stuart Mill, 'a
mais maligna de todas as paixões'". A referência a Mill é retirada de On
Liberty.
[16] A fórmula se encontra na
primeira seção da Crítica do Programa Gotha. Vide "Critique of the Gotha
Program", em Marx & Engels: Basic Writings on Politics and
Philosophy, editado por Lewis S. Feuer (Doubleday & Company, Inc.,
Anchor Books, New York, 1959), p.119. O programa criticado foi o do congresso
unido dos dois partidos socialistas alemães que se realizou em Gotha em 1875
.
[17] Não só a inveja se
mascara de justiça social, como a justiça social, para disfarçar sua postura
igualitarista, freqüentemente faz apelo a definições totalmente ad hoc
de conceitos tradicionais e insuspeitos, como, por exemplo, do conceito de
cidadania. Tendo o conceito de igualdade sofrido certo desgaste ao longo do
tempo, o igualitarista afirma que o objetivo da justiça social é dar a todos
condições de exercer sua cidadania. Quando, porém, se esclarece quais são essas
condições, constata-se facilmente que o conceito de cidadania foi redefinido e
inflacionado de tal modo que contém tudo aquilo que o conceito de igualdade
material significava.
[18] Corroboram essa afirmação
as histórias dos muitos "milionários da Loteca" que continuam tão
pobres como antes.
[19] A reação de muitos pobres
ao confisco monetário promovido pelo Presidente Fernando Collor de Mello no
primeiro dia de seu governo (16/3/90) foi a de celebrar, porque a partir
daquele dia todo mundo estaria igualmente pobre. A celebração diminuiu quando
muitos deles começaram a perder seus empregos porque os ricos não tinham mais
como lhes pagar os salários. Cf. Ludwig von Mises, Liberalism in the
Classical Tradition (The Foundation for Economic Education, Irvington-on-Houston,
NY, 1985 [1923]), tradução brasileira Haydn Coutinho Pimenta, publicada sob o
título Liberalismo Segundo a Tradição Clássica (José Olympio
Editora e Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1987), p.14 na edição americana,
p.15 na edição brasileira, aqui citada (com pequenas correções na tradução, o
texto original da edição brasileira sendo fornecido entre colchetes): "De
tempos em tempos, ouvimos socialistas dizer [dizerem] que mesmo a carência
material será mais facilmente suportável em uma sociedade socialista, porque as
pessoas perceberão [compreenderão] que ninguém está em situação melhor do que
seu próximo [ninguém é melhor do que o outro] ". (A última frase em inglês
é "no one is better off than his neighbor").
[20] Cf. Ayn Rand, op.cit.,
loc.cit., p.165: "Visto que a natureza não dota todos os homens de
igual beleza ou inteligência, e seu livre arbítrio os leva a fazer escolhas
diferentes, os igualitários propõem eliminar a 'injustiça' criada pela natureza
e pela volição e estabelecer uma igualdade de fato. ... Visto que atributos ou
virtudes pessoais não podem ser 'redistribuídos', eles procuram privar os
homens de suas conseqüências - ou seja de recompensas, benefícios, e
realizações decorrentes de atributos e virtudes pessoais".
[21] William W. Bartley, III,
em seu Unfathomed Knowledge, Unmeasured Wealth: On Universities and the
Wealth of Nations (Open Court, La Salle, Illinois, 1990), cita Ronald
H. Coase que menciona que uma das razões porque intelectuais são, em regra,
favoráveis à regulamentação da economia é que eles freqüentemente se imaginam
como os reguladores. Bartley, precocemente falecido, foi meu orientador de
doutorado nos idos de 1970-1972 na Universidade de Pittsburgh, e era o
testamenteiro intelectual tanto de Karl R. Popper como de Frierich A. Hayek.
[22] Gardner afirma que há, na
sociedade americana, um sentimento muito grande favorável à igualdade junto de
grande confusão sobre o que a igualdade implica. Diz ele: "Os americanos
amam a idéia de igualdade. Em termos intelectuais, eles podem estar
inteiramente confusos acerca do que a igualdade implica, mas emocionalmente
eles não têm dúvidas: amam a igualdade" (op.cit.,p.13). Gardner
caminha na direção certa quando ele explica esse sentimento apontando para o
fato de que a sociedade americana surgiu (em parte) de uma luta contra uma
sociedade onde prevalecia o privilégio hereditário. Neste tipo de sociedade, a
posição social do indivíduo é determinada não por seus dons e habilidades mas
por em função do fato de que pertence a determinada família, casta ou classe. É
por isso que Thomas Jefferson afirmou, em frase viva, que "a maior parte
da humanidade não nasceu com selas nas costas nem uns poucos favorecidos com
botas e esporas, para que estes cavalgassem aqueles, legitimamente e com a
graça de Deus". Contra esse tipo de sociedade em que prevalece o
privilégio hereditário e não a competência, os americanos corretamente
levantaram o estandarte da igualdade. Contudo, os americanos sabiam (ainda que
a nível mais intuitivo do que intelectualmente explicitado) que "quando os
homens são liberados das peias ao desempenho que existem em uma sociedade
hereditariamente estratificada, grandes diferenças individuais vão emergir no
tocante ao desempenho, que podem levar a picos e vales de status tão dramáticos
quanto aqueles produzidos pela estratificação hereditária". Quando uma
sociedade deixa de ser estratificada por princípios hereditários, ela tem que
escolher como lidar com essas dramáticas diferenças individuais de competência,
habilidade, preparo, ambição, garra, esforço, que surgem. "Uma forma de
lidar com esse problema é tentar limitar essas diferenças, ou lutar contra
elas, protegendo os mais fracos e criando obstáculos para os mais fortes. Esse
é o caminho do igualitarismo. A outra forma é simplesmente deixar 'que vença o
melhor'" (cf. pp.3-6). O que essa análise deixa claro é que tanto o
privilégio hereditário como o igualitarismo são formas de restringir a extensão
e a amplitude do desempenho individual - algo que, de resto, Gardner reconhece
(cf. op.cit., pp.25,31,33, por exemplo). O privilégio hereditário
protege os incompetentes através do nepotismo, do favoritismo. O igualitarismo
protege os incompetentes (e penaliza os mais competentes) exigindo que os
indivíduos sejam tratados em grupos ou categorias. Por exemplo: o sindicado
negocia um mesmo aumento para toda uma categoria, independentemente de
desempenhos individuais. A Associação dos Docentes da UNICAMP tem defendido que
a única forma válida de avaliar o desempenho de docentes é através de avaliação
coletiva: todo um Departamento, ou toda uma Faculdade é avaliada. Se o
resultado for positivo, todos recebem igualmente os louros. Nesse sistema,
aqueles que realmente trabalham e produzem, os mais competentes e criativos, carregam
os outros nas costas, trabalham para os outros, que, por sua vez, por sua
incompetência e/ou inapetência para o trabalho, arrastam todos para a vala
comum da mediocridade. Na Faculdade de Educação da UNICAMP defendeu-se a tese
de que a avaliação, além de coletiva, fosse sempre auto-avaliação. A tese
dispensa comentários.
[23] Fernández de la Mora dá,
como data, 1734 {177}. A data correta, porém, é 1754
.
[24] Cf. Ludwig von Mises, Liberalism
in the Classical Tradition, op.cit., p.28 na edição americana,
pp.30-31 na edição brasileira, aqui citada: "No entanto, nada mais
infundada do que a afirmação da suposta igualdade de todos os membros da raça
humana. Os homens são totalmente desiguais. Mesmo entre irmãos, há diferenças
das mais marcantes, quer nos atributos físicos, que nos mentais. A natureza
nunca se repete em sua criação; não produz nada às dúzias, nem são padronizados
os seus produtos… Os homens não são iguais e a exigência da igualdade por lei
[de que sejam considerados iguais diante da lei] não pode, de modo algum,
basear-se na alegação de que tratamento igual é devido a iguais. Cf. Friedrich
A. Hayer, The Constitution of Liberty, op.cit., pp.86-87
da edição americana, pp.93-94 da edição brasileira, aqui citada: "A
ilimitada diversidade da sua natureza - a ampla variedade de capacidade e
potencialidade individuais - é um dos aspectos mais característicos da espécie
humana… Tem sido comum, nos tempos atuais, minimizar a importância das
diferenças congênitas entre os homens e atribuir à influência do meio todas as
diferenças relevantes. Por mais relevante que o meio possa ser, não devemos
subestimar o fato de que os indivíduos já nascem marcadamente diferentes. A
importância das diferenças individuais não seria menor se as pessoas fossem
criadas em ambientes muito semelhantes. Não é correto afirmar, no sentido
factual, que 'todos os homens nascem iguais'. Podemos continuar usando esta
frase consagrada para exprimir o ideal de que, de um ponto de vista legal e
moral, todos os homens deveriam ser tratados com igualdade. Mas, para
compreender o que esse ideal pode ou deve significar, devemos primeiramente
libertar-nos da crença em qualquer igualdade fatual".
[25] O autor atribui o dito
"ao poeta romântico Young", sem esclarecer a que Young se refere. Há
mais de um Young, poeta: Edward Young, no século XVIII, e Francis Brett Young,
no século XX, por exemplo.
[26] Diz Jean-Claude Casanova,
em sua coluna semanal no L'Express: "O triunfo do
capitalismo [sobre o comunismo] se lê no espetáculo que oferecem seus
adversários. Que não se encontre, em Moscou, nem sabão nem açúcar surpreende
menos do que a derrocada intelectual que transparece nos discursos dos líderes
soviéticos, ao fazerem o elogio do Ocidente, da liberdade de preços, da
convertibilidade de moedas, da privatização de empresas. Se, segundo a fórmula
do Marx, a teoria do comunismo se resume na frase: 'a abolição da propriedade
privada', o desmoronamento do comunismo também se resume em uma frase: a
'restauração' dessa propriedade" (Edição internacional nº 2043, de 7 de
setembro de 1990, p.30). A frase a que se refere Casanova é, naturalmente, a da
segunda seção do Manifesto Comunista, onde Marx e Engels dizem: "A
característica que distingue o comunismo não é a abolição da propriedade em geral,
mas a abolição da propriedade burguesa. ... Neste sentido, a teoria dos
Comunistas pode se resumir em uma só sentença: Abolição da propriedade
privada". Vide Harold Larski, On the Communist Manifesto: An
Introduction with the Original Text and the Prefaces (Random House,
Vintage Books, New York, 1967), p.151.
[27] O livro foi escrito antes
do desmantelamento dos regimes comunistas dos países do Leste Europeu e na
União Soviética. Mas, para dar um exemplo, o estilo de vida de Ceaucescu e sua
família na Romênia, amplamente divulgado pelos meios de comunicação
internacionais, plenamente comprova a afirmação do autor.
[28] Fernández de la Mora não
usa as expressões "igualdade substantiva" e "igualdade
formal". Para uma discussão dessa distinção, cf. Sanford A. Lakoff, Equality
in Political Philosophy (Beacon Press, Boston, 1964), p.6. Os
defensores da igualdade substantiva afirmam, via de regra, que os homens
realmente são iguais. Os defensores da igualdade formal geralmente afirmam
apenas que os homens devem ser considerados iguais, ou tratados (pelo governo,
pela lei) de forma igual, isto é, não-arbitrária e imparcial (apesar das
desigualdades que obviamente exibem). O problema com a distinção aparece quando
a igualdade substantiva é, de alguma forma, pressuposta na justificativa da
igualdade formal - ou seja, quando se pressupõe que a razão pela qual os homens
devem ser tratados com igualdade é que eles são iguais (talvez em um sentido
metafísico, que não implica igualdade biológica, social e política, e econômica).
Cf. Neste sentido Friedrich A. Hayek, The Constitution of Liberty, op.cit.,
p.86 da edição americana, p.93 da edição brasileira, aqui citada: "Os
atuais partidários de uma igualdade material mais ampla costumam negar que suas
exigências se baseiem no pressuposto de uma igualdade de fato entre todos os
homens. No entanto, geralmente ainda se supõe ser esta a principal
justificativa dessas exigências. Nada, contudo, é mais prejudicial à
reivindicação de um tratamento igualitário que partir de um pressuposto tão
obviamente falso como o da igualdade de fato de todos os homens. Defender a
igualdade de tratamento de minorias nacionais ou raciais com o argumento de que
elas não são diferentes dos outros homens equivale a admitir, implicitamente,
que a desigualdade de fato justificaria tratamento desigual; e a prova de que
certas diferenças de fato existem não tardaria a aparecer. É essencial à
reivindicação de igualdade perante a lei que as pessoas sejam tratadas do mesmo
modo, embora sejam diferentes umas das outras". Cf. Também John Wilson, Equality
(Hutchinson's, London, 1966), pp.18-19.
[29] "É uma coisa exigir
que todos os corredores em uma corrida comecem no mesmo lugar e ao mesmo tempo,
e outra coisa impedir que desigualdades apareçam no curso da corrida, separando
o campeão dos que perdem ou abandonam a corrida. Igualdade de oportunidade
[nesta interpretação] é nivelamento na partida, mas não na chegada" {181}.
Como vai ser ressaltado a seguir, nas situações concretas em que vive o ser
humano, só se consegue fazer com que todos os corredores comecem no mesmo lugar
e ao mesmo tempo através da restrição da liberdade, ou mesmo de sua abolição,
com violência.
[30] Cf. Friedrich A. Hayek, The
Constitution of Liberty, op.cit., pp.385-386 da edição
americana, pp.455-456 da edição brasileira, aqui citada: "Por mais
louváveis que sejam os motivos das pessoas que desejam, por amor à justiça, que
todos comecem a partir do mesmo patamar, esse ideal é literalmente impossível de
se atingir. Além disso, pensar que ele foi realizado, mesmo parcialmente, só
pode tornar a situação pior para os menos dotados. Embora seja plenamente
justificável a eliminação de todos os obstáculos artificiais que as
instituições existentes podem colocar no caminho de algumas pessoas, não é
possível nem desejável compelir todos a começar no mesmo patamar, pois isto só
pode ocorrer se privarmos algumas pessoas das possibilidades que não podem ser
proporcionadas a todos. Embora queiramos que as oportunidades de todos sejam as
maiores possíveis, certamente reduziríamos as da maioria se impedíssemos que
elas fossem maiores que as dos menos dotados".
[31] O texto aqui afirma a
igualdade real e a igualdade diante da lei. Entretanto, não fundamenta a
segunda na primeira (embora isso possa ser pressuposto).
[32] Interpreto a palavra
"familiares", no texto, de forma ampla, de modo a incluir fatores
tanto genéticos como sociais, culturais e econômicos.
[33] London, 1958,
principalmente p.85. Tirei a referência e a citação de Lakoff, op.cit.,
p.240. Cf. Gardner, op.cit., pp.133-135. Cf. Também Friedrich A. Hayek, The
Constitution of Liberty, op.cit., p.87 da edição americana, p.94
da edição brasileira, aqui citada: "A igualdade perante a lei, que a
liberdade exige, conduz à desigualdade material… Do fato de que pessoas são
muito diferentes segue-se que, se dispensarmos a todas tratamento igual, o
resultado será a desigualdade das suas posições reais e que a única maneira de
colocarmos essas pessoas em posição de igualdade [real] seria dispensar-lhes
tratamentos diferenciados" (a ordem das duas passagens está invertida no
texto original). Os proponentes do "tratamento preferencial" para as
minorias pobres nos Estados Unidos, geralmente conhecido como "ação
afirmativa", concordam plenamente com essa afirmação de Hayek. É óbvio que
discordam dele, porém, quando ele afirma que "querer nivelar as pessoas em
suas condições individuais é algo que não pode ser aceito numa sociedade livre
para justificar coerção adicional e discriminatória" (loc.cit.). Na
página seguinte afirma, de forma ainda mais clara: "… os desníveis
econômicos [i.e., a desigualdade] não constituem mal que justifique, como
remédio, a adoção de coerção discriminatória ou de privilégios [i.e., a
abolição ou restrição da liberdade".
[34] Ludwig von Mises, em
livro originalmente publicado dois anos antes do livro de Michael Young, já
havia ressaltado o fato. Cf. The Anticapitalistic Mentality
(Libertarian Press, Spring Mills, PA, 1972 [1956]), pp.11-12. [Tradução brasileira:
A Mentalidade Anticapitalista, ... pp....]. Diz von Mises:
"Em uma sociedade baseada em casta e status, o indivíduo pode atribuir uma
situação adversa na vida a condições que jazem além de seu controle… Aquela
situação não foi produzida por ele, e ele não tem razão de se sentir humilhado…
A situação é bastante diferente sob o capitalismo. Aqui a situação de cada um
depende do que ele próprio faz. Qualquer pessoa cuja ambição não tenha sido
plenamente realizada sabe muito bem que perdeu oportunidades, que foi julgado e
considerado em falta… Ele se torna consciente de sua própria inferioridade e se
sente humilhado." Cf. Também Friedrich A. Hayek, The Constitution of
Liberty, op.cit., p.441 da edição americana, p.94 da edição
brasileira, aqui transcrita, que cita, com aprovação, C. A. R. Crosland, The
Future of Socialism (London, 1956, p.235), que diz: "Mesmo que
todos os que fracassaram pudessem convencer-se de que tiveram a mesma
oportunidade que os outros, isto não modificaria sua insatisfação; ao contrário,
ela poderia aumentar. Quando se sabe que as oportunidades são desiguais, e os
critérios de seleção favorecem a maior riqueza ou a origem, podemos
consolar-nos dizendo que nunca tivemos uma oportunidade adequada, que o sistema
foi iníquo e os padrões de julgamento muito parciais. Mas se a seleção se faz
claramente segundo o mérito das pessoas, esse consolo desaparece e o fracasso
produz um sentimento de total inferioridade, para o qual não haverá desculpa ou
conforto possível; e isto, por uma peculiaridade da natureza humana, na
realidade aumenta a inveja e o ressentimento com o sucesso alheio". Na
seqüência, Hayek, escrevendo em 1959, informa o leitor que ainda não leu o
livro de Michael Young, embora tenha tomado conhecimento, por resenhas, de que ele
apresenta o mesmo argumento. É interessante que Hayek não faça referência a von
Mises neste contexto, embora faça várias referências a The
Anticapitalistic Mentality em outros lugares do livro. Cf., a
propósito, também Gardner (op.cit., p.23): "Em uma sociedade de
privilégio hereditário, um indivíduo de posição humilde pode não estar
inteiramente feliz com sua sorte, mas não tem porque esperar destino diferente…
Quando, porém, as novas democracias removeram os obstáculos às expectativas,
nada foi mais atraente para aqueles cheios de energia, habilidade e equilíbrio
emocional do que sair ao encontro do desafio. Mas para os indivíduos que não
possuíam essas qualidades o novo sistema estava repleto de perigos. Falta de
habilidade, energia, ou agressividade levou à frustração e ao fracasso".
Cf. idem, p.83. O Marxismo busca capitalizar (sem ironia) a frustração dos que
não obtêm êxito na satisfação de suas ambições, atribuindo sua condição não a
um fracasso pessoal, mas a condições inerentes à ordem social (que ele se
propõe alterar). Cf. O desmascaramento dessa "mentira salvadora" em
Ludwig von Mises, Liberalism in the Classical Tradition, op.cit.,
pp.16-17 na edição americana, pp.18-19 na edição brasileira, aqui citada:
"Na vida do neurótico a 'mentira salvadora' tem dupla função. Não apenas o
consola dos fracassos passados, mas também mantém a perspectiva do progresso
futuro. No caso do fracasso social, que é nossa única preocupação aqui, a
consolação consiste em acreditar que a incapacidade de alguém atingir as
sublimes metas a que aspira, não deve ser atribuída à sua própria incapacidade,
mas às deficiências da ordem social. O descontente espera da derrocada desta
ordem social o sucesso que o sistema existente lhe recusou… De outro modo, a
vida seria insuportável para ele, na ausência do consolo que encontra na idéia
do socialismo. Ela lhe diz que não é ele, mas o mundo, que falhou por ter-lhe
causado o fracasso. Esta convicção o resgata da decaída autoconfiança e o
libera do tormentoso sentimento de inferioridade".
[35] Cf. Ralf Dahrendorf,
"On the Origin of Social Inequality", em Philosophy, Politics
and Society (Second Series), editado por Peter Laslett e W. G. Runciman
(Basil Blackwell, Oxford, 1969), pp.88-109. Neste artigo, que é uma tradução da
aula inaugural de Dahrendorf na Universidade de Tübingen, ele mostra, jogando
com o duplo sentido da palavra "before" (que pode significar
"perante", "diante de", mas também "antes de"),
que "all men are equal before the law but they are no longer equal after
it": "Enquanto normas não existem, e na medida em que não agem sobre
as pessoas ('before the law'), não há estratificação social; assim que há
normas que impõem exigências inescapáveis ao comportamento das pessoas, e assim
que seu comportamento real é medido em termos dessas normas ('after the law'),
uma ordenação de status social fatalmente emerge" (p.102).
[36] Entre esses direitos
políticos fundamentais incluem-se apenas os direitos individuais, não os
chamados "direitos sociais", que os igualitaristas conseguiram
introduzir na nova Constituição Brasileira (Título II, Capítulo
II), que nada mais são do que instrumentos empregados para tentar concretizar a
igualdade real. A concessão que Fernández de la Mora faz ao admitir
"direitos econômicos" abre a porta para o reconhecimento da
legitimidade desses chamados "direitos sociais". Uma vez reconhecidos
alguns, é virtualmente impossível parar. Os igualitaristas vão pressionar para
o reconhecimento de outros direitos: direito à educação, direito à assistência
médica e hospitalar, direito ao trabalho, direito ao salário desemprego,
direito à moradia (de quantos quartos?), direito ao transporte, direito ao ar
puro, direito a uma vista da sacada do apartamento, quando não direito a ter
um(a) companheiro(a), direito ao orgasmo (quantas vezes por semana?), etc..
[37] Cf. Gardner, op.cit.,
p.117.
[38] A Folha de S. Paulo,
que dificilmente pode ser acusada de direitista ou mesmo de livre-mercadista
(exceto quando se trata da liberdade de importar papel-imprensa e equipamentos
eletrônicos e mecânicos para edição, impressão e distribuição de jornais),
noticiou, em sua edição de 3 de setembro de 1990, com chamada na primeira
página, uma das últimas ondas de protestos na União Soviética. Protestavam os
soviéticos contra a falta de comida ou de gêneros de primeira necessidade? Não:
"Soviético faz protesto para ter cigarros", diz a manchete. O
protesto, que chegou a envolver violência, com mais de uma centena de presos,
várias lojas e carros destruídos, foi também contra a falta de vodka: as
bebidas alcoólicas estavam racionadas. Uma fotografia mostrava uma enorme fila
de soviéticos enfastiados, cuja fisionomia demonstrava qualquer coisa menos
felicidade, aguardando sua vez de comprar bebidas alcoólicas. O mercado de
cigarros e bebidas estava "desabastecido". As autoridades estavam
negociando a importação de cigarros - da Índia! Tanta era a carência que
cigarros importados haviam virado moeda forte. Motoristas de taxi pediam que
estrangeiros pagassem a corrida em dólares ou então em maços de cigarro. Um
maço de Marlboro era vendido no mercado negro por 20 rublos - o equivalente a
32 dólares, no câmbio oficial, ou a 8% do salário mensal médio do trabalhador
soviético que, segundo a Folha, era, na época, de 250 rublos. Anúncios classificados
em jornais propunham a troca de cigarros (em total equivalente a 30 mil rublos)
por "automóveis alemães-ocidentais". A que cúmulo chegou o
socialismo. Foi o próprio Izvestia que constatou (a propósito da
falta de pão em Moscou de 28/8/90 a 10/9/90): "Não deveríamos nos
surpreender com o fato de que a lista de penúrias se alongue: o surpreendente é
que se encontre ainda seja lá o que for nas lojas" (Citado em Le
Point, Edição Internacional nº 940, de 24 de setembro de 1990, p.18).
[39] "Hereditariedade, o
meio-ambiente, e a vontade são as causas da capacidade desigual entre os
homens" {102}.
[40] Cf. Ludwig von Mises, Liberalism
in the Classical Tradition, op.cit., p.54 na edição americana,
p.55 na edição brasileira, aqui citada: "Todo o progresso da humanidade
foi alcançado como resultado da iniciativa de uma pequena minoria que começou a
desviar-se das idéias e dos costumes da maioria, até que, finalmente, seu
exemplo convenceu os outros a aceitarem a inovação. Dar à maioria o direito de
ditar à minoria o que pensar, ler e fazer é dar um basta ao progresso, de uma
vez por todas". Registre-se que essa última frase de von Mises não
significa que o liberalismo seja incompatível com a democracia. Na democracia
liberal as leis são aprovadas por processo democrático, mas os princípios
fundamentais (geralmente constitucionais) que circunscrevem o escopo da ação
governamental impedem o governo de, mesmo com o apoio da maioria (dos
legisladores ou da população), fazer leis que determinem o que a minoria (ou
quem quer que seja) deva "pensar, ler e fazer". Cf., neste contexto,
Friedrich A. Hayek, The Constitution of Liberty, op.cit.,
pp.104,106 da edição americana, pp.112,114 da edição brasileira, aqui citada:
"Liberalismo é uma doutrina que define as características da lei ["…
doctrine about what the law ought to be", no original]; democracia é uma
doutrina que define o método pelo qual se determinará quais leis são aprovadas
["… a doctrine about the manner of determining what will be the law",
no original] … Enquanto o liberalismo é uma das doutrinas referentes ao âmbito
de ação ["escope"] e à finalidade ["purpose"] do governo… a
democracia, por ser um método, não diz respeito aos objetivos
["aims"] do governo". Até aqui p.112; a seguir, a passagem da
p.114 (da edição brasileira). "As tradições democráticas e liberais
concordam, portanto, que, sempre que se torne necessária a ação do Estado, e,
sobretudo, sempre que seja preciso elaborar medidas coercitivas, a decisão deve
ser da maioria. Diferem, porém, quanto à abrangência da ação estatal que se
guiará por decisão democrática. Enquanto o democrata dogmático considera ideal
que o maior número possível de questões seja decidido pelo voto da maioria, o
liberal defende limites explícitos para o espectro de problemas que podem ser
resolvidos desta maneira. O democrata dogmático crê em especial que qualquer
maioria corrente deve ter o direito de decidir de que poderes dispõe e de que
forma os exercerá, ao passo que o liberal considera igualmente importante que
os poderes de uma maioria temporária sejam limitados por princípios duradouros.
Para ele, a autoridade de uma decisão da maioria não deriva do mero ato da
vontade de uma maioria momentânea, mas de um consenso mais amplo em torno de
princípios comuns".
[41] William James, falando no
campus da Universidade de Stanford, em 1906, assinalou: "O mundo está
apenas começando a ver que a riqueza de uma nação consiste, acima de tudo, na
quantidade de homens superiores que ela abriga". Alfred North Whitehead,
em seu famoso livro Aims of Education (The Macmillan Company,
London, 1929) observa: "Nas condições da vida moderna a regra é absoluta:
está condenada a raça que não dá valor a inteligência treinada". As duas
citações são feitas apud Gardner, op.cit., pp.37,40.
[42] William Graham Sumner
defendeu com vigor essa tese no final do século passado. "Na luta entre o
homem e a natureza... esta é neutra, submetendo-se àqueles que a submetem mais
resolutamente. Se o estado não interferir, os homens serão recompensados em
proporção aos seus esforços, e os mais aptos sobreviverão. A sobrevivência do
mais apto só pode ser alterada se se subtrair dos que foram bem-sucedidos para
dar aos que fracassaram, diminuindo assim a desigualdade. 'Não podemos fugir
dessa alternativa: liberdade, desigualdade, sobrevivência do mais apto, ou
então não-liberdade, igualdade, sobrevivência do mais inapto'. A primeira
alternativa constrói a civilização e o progresso, a segunda produz a
anti-civilização e o retrogresso." Sidney Fine, Laissez-Faire and
the General-Welfare State: A Study of Conflict in American Thought, 1865-1901
(The University of Michigan Press, Ann Arbor Paperbacks, Ann Arbor, 1956,
1964), p.82. As passagens em aspas simples são citações de Sumner. O restante
está nas palavras de Fine.
[43] Gardner (op.cit.,
pp.16-17) ressalta a pressão que existe, mesmo nos Estados Unidos, para
esconder competência. Aponta para os políticos que afetadamente adotam maneiras
de falar do povo, não refugando nem mesmo diante de erros crassos de gramática,
para dar a impressão aos membros de uma audiência popular de que são como eles.
Lembro-me de um ex-político campineiro, saído das fileiras de alunos da
UNICAMP, que, para assumir liderança entre os funcionários, teve que
"reaprender" (leia-se desaprender) a falar o português - isto é, teve
que aprender a falar errado. Afirma Gardner: "As mesmas atitudes são
observáveis na pressão social generalizada para que as pessoas não deixem
brilhar os seus dons. Uma das exigências de efetividade em muitos segmentos de
nossa vida nacional é que a pessoa não dê oportunidade à inveja dos outros
através de ostentação inconveniente de inteligência ou talento. Nessa
atmosfera, não é de surpreender que linguagem deliberadamente desleixada, falta
de jeito estudada e deselegância calculada tenham atingido status de formas
menores de arte".
[44] O que meramente insinuo
no último parágrafo é outro sintoma do igualitarismo: o desaparecimento de
papéis sexuais distintos para o homem e a mulher, consubstanciado nos vários movimentos
"gays" e mesmo nas formas mais radicais de feminismo. Enveredar por
aí, porém, iria nos levar muito longe.
[45] Phi Delta Kappan,
Janeiro de 1981, pp.382-386.
[46] Edição internacional nº
2036, de 20 de julho de 1990, pp.24-31.
[47] Op.cit., p.26.
[48] Que os orientais se
concentrem maciçamente na área de ciências exatas e engenharias, e não na de
ciências humanas, pode ser indicativo do fato de que na primeira existe mais
preocupação com qualidade e desempenho (e, conseqüentemente, menos preocupação
com igualitarismo) do que na segunda.
[49] Cf. William W. Bartley,
III, op.cit., pp.xx,130.
[50] O Departamento de
Ciências Sociais Aplicadas à Educação da UNICAMP, que é um de cinco
departamentos da Faculdade de Educação, e que "concorre" com o
Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade e (pelo que parece) também com o Departamento de Lingüística do
Instituto de Estudos da Linguagem, lista, no catálogo de Pós-Graduação da
Universidade para 1990, nada menos do que 94 (noventa e quatro) disciplinas.
Entre elas, "Empresa Privada e Educação", "Educação e
Empresa" [imagino que estatal, porque a empresa privada já terá merecido
devida atenção na disciplina anterior], "Educação Sindical",
"Educação das Populações Rurais", "Educação e Organizações
Partidárias", "Aspectos Educacionais dos Meios de Comunicação de
Massa", "Meios de Comunicação de Massa e Educação",
"Educação e Ciências da Linguagem", "Teorias Narrativas e
Educação", "Teorias do Discurso e Educação", "Formas do
Discurso e Educação", "Educação, Comunicação e Cultura",
"Discursos Políticos e Educação", "Formas de Comunicação e
Educação I", "Formas de Comunicação e Educação II", etc.
[51] Como são aceitos 90
alunos anualmente para o curso de Pedagogia, o número máximo de 30 alunos por
turma significa que são necessárias três turmas (e três professores) para cada
disciplina. (Há quem diga que houve, na Faculdade de Educação da UNICAMP, os
que defenderam que o número mágico era 20, não 30. Imagino que o substitutivo
tenha sido rejeitado porque não dá para dividir exatamente 90 por 20 - mas isso
não passa de especulação de minha parte...).
[52] Os dados relativos ao ano
de 1989, retirados do Relatório do Quatriênio 1986/1990 preparado
pelo ex-Reitor Paulo Renato Costa Souza (pp.11,66,71), foram divulgados para a
imprensa de Campinas pelo próprio Reitor atual, Carlos Vogt (Correio Popular de
16/8/90, fl.4), e são os seguintes: 2.475 professores, 9.689 funcionários
técnico-administrativos (excluído o pessoal de obras!), e 12.517 alunos
regulares (7.741 de graduação, 3.216 de mestrado e 1.560 de doutorado).
[53] Também é de Sumner a
frase que, na indústria, as pessoas são escolhidas para exercer suas funções
"por seleção natural, não por eleição política". É isso que explica
seu sucesso. Cf. Fine, op.cit., p.83.
[54] Basta verificar os
resultados, quebrados por categoria, da "consulta à comunidade"
(eufemismo para "eleição") para escolha do Reitor da UNICAMP em 1986,
para ver quão mais acachapante teria sido a derrota do candidato dos
igualitaristas, hoje Ministro da Educação, se a eleição tivesse sido paritária
ao invés de ter tido os pesos três, um e um para docentes, funcionários e
alunos, respectivamente. O candidato dos igualitaristas, embora tenha perdido
entre funcionários e alunos, ganhou no Conselho Universitário, no qual a
representação destes é meramente simbólica.
[55] 43,5 % dos docentes da
UNICAMP não possuem o doutorado. Cerca de 20% destes (ou seja, um pouco mais de
8% do total) só possuem a graduação. Isto numa universidade que se pretende
nada menos do que a melhor do Brasil. Dê-se crédito a Reitor Carlos Vogt por
ter tentado implantar na UNICAMP um "Projeto Qualidade", que (de
certa forma) procurava constranger os professores não-doutores a defender seu
doutoramento dentro de quatro anos. Ressalte-se que havia, na época, professores
na universidade, em regime de tempo integral e de dedicação exclusiva, que
estavam há mais de quinze anos para defender seu mestrado. Apesar disso, os
igualitaristas protestaram contra a "pressão" da Reitoria. Sua
demagogia apareceu em alegações como esta: "Qualidade nunca pode ser
identificada com titulação"! A afirmação é verdadeira. Mas o projeto não
afirmava nem pressupunha que o fosse. A afirmação é verdadeira porque a
obtenção de um doutorado acadêmico é o mínimo indispensável para comprovar
qualidade. Assim sendo, quem não tem o doutorado não demonstrou ter qualidade
ao nível mínimo. Quem leva mais de dez anos para concluir um curso de
pós-graduação "doesn't have what it takes": já deveria estar em outra
profissão. Mas os igualitaristas, afirmando que qualidade não pode ser
identificada com titulação, procuravam sugerir que titulação nada tinha que ver
com qualidade, tentando, assim, encobrir o fracasso de seus correligionários,
que, usufruindo das mordomias universitárias por vários anos, geralmente em tempo
integral e dedicação exclusiva, não conseguiam obter um título que, em qualquer
país desenvolvido, é condição sine qua non para pleitear ingresso na
vida acadêmica.
[56] É a conclusão de
professores experientes e competentes que o melhor aluno para ensinar é o de
primeiro ano, recém-ingressado, orgulhoso da façanha de ter entrado na
universidade, motivado para aprender, porque ainda acredita que está na
universidade para isso e que seus mestres lhe vão ensinar o que é preciso. Essa
esperança não sobrevive a um ano de prática e doutrinação igualitária -
geralmente está extinta ao fim do primeiro semestre. Cf. Bartley, op.cit.,
p.xviii.
[57] O problema da droga é por
demais conhecido para necessitar de corroboração. O do suicídio entre jovens
não tem merecido tanta atenção. Entretanto, suicídio é a segunda principal
causa de mortes entre jovens, depois de acidentes com veículos automotores,
tanto nos Estados Unidos como na Europa. Na França, três jovens se suicidam por
dia - número bem maior do que o dos que morrem por "overdose"
acidental. Cf. o artigo "Suicide des jeunes: les chiffres qui font
peur", em L'Express, Edição internacional nº 2017, de 9 de
março de 1990, pp.8-9. Cf. também "Suicide: Ces jeunes qui veulent
mourir", em Le Point, Edição internacional nº 1007, de 4 de
março de 1992, pp.56-60.
© Copyright by Eduardo Chaves, 1989, 1991, 1993Recebido de Gracialavida
Conservei a formatação do e-mail, os grifos em vermelho são meus.
Absolutamente genial. Já li 2 vezes. Tem tudo para se tornar - ao lado da Teoria do Gene Egoista de Dawkins uma das minhas "citações de boteco" preferidas.Rsrs. Especialmente a insólita e perfeitamente lógica (rs) teoria do asceta.... a esdrúxula mas coerente relação entre desejo e felicidade na forma como se apresenta.
ResponderExcluirSim, Antonio, faço das suas minhas palavras (bonita citação, hein? Conhecia?).
ResponderExcluirSério, quando li, adorei! Pois que, com o perdão da presunção, tem tudo a ver com o que penso já de há muito tempo, mas não tenho a competência de escrever.